Crítica | Depois de Horas

A mediocridade do homem comum

Descobrir um pouco mais sobre a filmografia de Martin Scorsese é sempre uma viagem fascinante. Enquanto assistia a “Depois de Horas”, me vi refletindo sobre o quão versátil ele consegue ser e em como, mesmo com um orçamento mais baixo, ele é capaz de realizar algo de grande impacto. Encontro aqui um filme distinto em sua carreira, onde entrega uma comédia nada convencional, que flerta com o terror e nos provoca inquietação com sua trama mirabolante (e genial).

Nascido em Nova York e apaixonado pela cidade, Scorsese revela a vida noturna no local pelo olhar de um outsider. Paul Hackett (Griffin Dunne) é um operador de computadores e nosso azarado protagonista. Cansado da monotonia, depois do trabalho, ele decide se permitir viver uma nova experiência ao ir atrás de uma mulher sedutora. Tudo acaba fugindo de seu controle quando uma série de eventos inesperados invadem o seu conforto. A trama acontece quando poucas pessoas ainda estão acordadas e em uma hora misteriosa onde novas regras de convivência são aplicadas. Com forte inspiração em Hitchcock, o diretor cria uma atmosfera assustadora, onde tudo parece estar fora do lugar, imprimindo uma desconfortável sensação de vulnerabilidade. Paul não pertence a esse lugar e está sendo devorado por ele.

Assistimos, então, a uma sequência um tanto quanto divertida e que beira a aleatoriedade. Tudo vai dando errado para o personagem e, como consequência, vamos sentindo um grande desespero, principalmente quando ele se mostra extremamente passivo, sempre refém das escolhas dos outros. Tudo o que Paul quer é voltar para a casa e ele vai repetindo esse discurso até o ápice de sua aflição, quando entende que tudo o que queria era viver. No entanto, sua mediocridade como ser humano não cabe naquela vida, que o expulsa constantemente. Paul é o homem comum, coberto por seu casulo que ele chama de trabalho. Aquele universo que o entedia, mas que o protege do resto. É muito simbólico todo o ciclo que o roteiro cria, desse ser ordinário vivendo uma aventura silenciosa pelas ruas de Nova York, quase como um pesadelo do qual somente ele teve acesso. Dessa vida que ele nunca vai ter. Desse sonho que sempre se encerra e o desperta na hora exata para bater seu ponto e recomeçar sua rotina aborrecida.

É interessante que mesmo vivendo uma jornada sem regras, Paul parece vidrado no tempo. As horas coordenam seus passos, assim como no trabalho, seu habitat natural. Perdido e longe de casa, os ponteiros do relógio se tornam seus grandes inimigos, quase como uma bomba, que a qualquer hora pode explodir. A brilhante trilha de Howard Shore vem para acentuar essa tensão, com seus ticks e tacks que nos deixam vidrados. Tudo aqui é muito imprevisível, insano e provoca um riso nervoso. Ao nos fazer adentrar a mente paranoica do protagonista, vemos tudo como um possível enigma, nos fazendo duvidar de cada situação. Griffin Dunne está ótimo no papel e mergulha bem nessa loucura.

“Depois de Horas” é daqueles filmes que quanto menos você souber da história, melhor será a experiência. Fui sem muita noção do que encontraria e de repente me vi diante de um dos melhores de Scorsese. E para um diretor que dificilmente erra, isso é um grande elogio. Uma pequena e valiosíssima pérola em sua filmografia.

NOTA: 9,0

País de origem: Estados Unidos
Ano: 1985
Titulo original: After Hours
Duração: 97 minutos
Disponível: Aluguel em Prime Video, Apple TV, Google Play e Youtube
Diretor: Martin Scorsese
Roteiro: Joseph Minion
Elenco: Griffin Dunne, Rosanna Arquette, Linda Fiorentino, Catherine O’Hara

Crítica | As Pontes de Madison

O fim que traz eternidade

São raros os filmes de romance que nos atingem por completo. Muito provavelmente porque o cinema já falou de amor em tantas formas que é difícil nos deparar com algo longe dos clichês e que nos envolva profundamente com a história. “As Pontes de Madison” é um desses casos preciosos e emociona. Digo que me impactou como quase nenhum outro do gênero e, durante seus belos minutos, me deixou com o coração vibrando e imensamente apaixonado por tudo.

Baseado no livro de Robert James Waller, o filme conta com a direção do mestre Clint Eastwood, que também protagoniza ao lado de Meryl Streep. A atriz interpreta Francesca, uma mulher casada, mãe de dois filhos e que vive em uma região pacata no Estado de Iowa. Quando sua família se ausenta por quatro dias, ela acaba se envolvendo com o fotógrafo Robert (Eastwood), que está de passagem pelo local para registrar as pontes de Madison.

É poderoso esse encontro entre os dois personagens. Ficamos vidrados assistindo as conversas e os tantos sentimentos que existem ali. Francesca acredita ser ordinária demais, não digna daquela tórrida paixão. Clint, como diretor, ressignifica os cenários em que ela habita e, ao trazer um turbilhão de emoções, torna tudo aquilo que é banal em efervescência. É uma direção inteligente que, ao flagrar pequenos gestos, consegue descrever todo um contexto. Como quando, logo no início, em uma rápida interação familiar, compreendemos tudo aquilo que é ausência na protagonista e que, posteriormente, vai sendo preenchida.

Francesca precisa enfrentar um grande dilema: se entregar a um novo amor ou retornar a sua família, para aquela rotina de submissões, onde seus sonhos e vontades não são mais prioridades. Em um dos diálogos mais poderosos do filme, a protagonista faz um discurso intenso sobre os detalhes da vida e tudo aquilo que some da própria identidade quando se tem filhos. O que resta quando todos eles se vão? Já é tarde demais para saber quando, por todo esse tempo, deixou de olhar para si mesma. Estar com Robert é também uma chance de poder olhar para dentro e finalmente poder sentir o que deseja sentir. É sua libertação.

É então que o filme nos arrebata, quando faz uma interessante reflexão sobre paixão e tempo. Porque a grande verdade é que nada sobrevive e aquele rápido encontro só poderia ser eterno se tivesse um fim. Como aqueles sonhos do qual Robert fala em certo momento. Daqueles do passado e que se tornam importantes. Não por terem sido realizados, mas porque nos faz bem lembrar que um dia os tivemos. Mas para ser bom eles precisaram estar intactos, não vividos. Uma contradição poética e dolorosa para aqueles que amam..

“As Pontes de Madison” cresce com a maravilhosa sintonia entre Streep e Eastwood. Como é gostoso ver os dois contracenando. Aliás, não vou superar tão cedo aquela cena de Robert na chuva e Francesca segurando a maçaneta do carro (quem viveu, sabe). Uma obra sensível, romântica e que me fez me perguntar porque não havia visto essa preciosidade antes. Daqueles filmes que marcam e dificilmente saem de nós.

NOTA: 9,5

País de origem: Estados Unidos
Ano: 1995
Titulo original: The Bridges of Madison County
Duração: 135 minutos
Disponível: HBO Max
Diretor: Clint Eastwood
Roteiro: Richard LaGravenese
Elenco: Meryl Streep, Clint Eastwood

Crítica | O Rio do Desejo

Paixões intensas em uma obra sensorial

Existem algumas pérolas preciosas do cinema nacional que, pela pouca divulgação e pelo pequeno circuito em que são lançadas, infelizmente, passam despercebidas pelo grande público. “O Rio do Desejo”, baseado na obra de Milton Hatoum, é uma delas. Ele, que é um dos maiores escritores ainda vivos no Brasil, também assina o roteiro. A direção fica por conta de Sérgio Machado, de Cidade Baixa (2005), que volta a entregar um filme sedutor e sensorial.

Gravado às margens do Rio Negro, na Amazônia, o longa cativa pela imersão que causa. Os sons, as cores, o calor sempre presente nas cenas. Cada pequeno detalhe ali é tão real que é quase possível sentir o cheiro. É lindo quando o cinema tem essa capacidade de nos transportar para outro lugar e nos fazer acreditar naquela realidade. Além disso, o que faz a obra funcionar tão bem é a humanidade existente em seus personagens, revelando sentimentos com os quais facilmente nos envolvemos.

Na trama, três homens se apaixonam pela mesma mulher. Tudo começa quando Dalberto (Daniel de Oliveira) se envolve com Anaíra (Sophie Charlotte), uma jovem misteriosa. Eles passam a viver na casa em que ele divide com os irmãos e, quando ele precisa se ausentar para realizar um trabalho, ela acaba tendo uma relação muito próxima com seus dois cunhados. É uma história clássica, com contornos trágicos e mistérios que Machado de Assis poderia ter escrito. Tudo pode até soar bastante familiar, mas o texto é bom e nos seduz para dentro desses dilemas e desejos proibidos, principalmente quando os atores, tão bem em seus respectivos papéis, funcionam perfeitamente bem juntos. A excelente química entre todos eles fazem deste jogo provocante e sexy um evento hipnotizante. É interessante quando esses indivíduos que apresenta, sutilmente, parecem esconder algo sombrio em suas personalidades, nos deixando apreensivos sobre suas possíveis ações.

Não há como não destacar Sophie Charlotte e Gabriel Leone. São dois grandes atores dessa nova geração que tem feito bonito no cinema e estão em uma constante (e admirável) evolução. E como é bom vê-los contracenando. Ainda que conte com excelentes atuações, o que acaba enfraquecendo o longa, infelizmente, é a resolução simplória da história. Tudo caminha para uma condução que tornaria tudo aquilo ainda mais complexo e, de alguma forma, torcemos para que a obra jogue seus bons personagens em situações mais ousadas. No entanto, acaba terminando de maneira um tanto óbvia e sem a intensidade que a trama merecia.

Ainda assim, “O Rio do Desejo” é uma obra potente de Sérgio Machado. Ele escapa de ter uma visão moralista sobre a personagem feminina e expande essa compreensão sobre o que é traição, visto que, enquanto a protagonista se entrega aos seus desejos mais puros, seu marido passa a viver uma vida escondida para ganhar dinheiro fácil. São duas pessoas que se amam e vivem histórias paralelas, histórias proibidas. E tudo isso é guiado através de um texto que traz muito afeto e nos toca ao falar de paixão com tamanha intensidade. Mais uma preciosidade do cinema nacional que merece sua atenção. Se tiver a oportunidade, assista!

NOTA: 8,5

País de origem: Brasil
Ano: 2023
Duração: 107 minutos
Disponível: Cinema
Diretor: Sérgio Machado
Roteiro: Maria Camargo, Milton Hatoum, Sergio Machado
Elenco: Sophie Charlotte, Daniel De Oliveira, Gabriel Leone, Rômulo Braga

Crítica | Batem à Porta

Os erros típicos de Shyamalan

Isso é algo que evitei por muito tempo, mas no fundo sabia que aconteceria. O momento em que eu finalmente largaria a mão de M.Night Shyamalan, que por anos tentei defender. Não é um sentimento recente, mas enquanto assistia “Batem à Porta”, o que antes era dúvida, se torna uma dolorosa verdade. Não que eu o ache descartável – tanto que ainda assisto o que ele produz – mas vejo sem mais criar expectativas, sabendo que ele estacionou e hoje é incapaz de criar algo realmente bom. Depois de “A Vila” – seu último grande filme – teve lá seus poucos instantes de glória, em uma carreira oscilante, de criações frágeis e pouca coragem.

“Batem à Porta” é uma adaptação do livro “O Chalé no Fim do Mundo” e até tem uma ideia muito interessante, mas ironicamente, o que choca é a inabilidade de se desenvolver um bom suspense aqui. A introdução é incrível, preciso dizer, quando coloca a pequena Wen (Kristen Cui) conversando com um estranho (Dave Bautista) no meio de uma floresta. Logo somos levados para uma virada intrigante, quando ela e seus dois pais, Eric (Jonathan Groff) e Andrew (Ben Aldridge), enquanto estão curtindo as férias em uma cabana isolada no campo, são feitos de reféns por quatro desconhecidos armados que dizem ter uma visão sobre o apocalipse e somente o casal poderia salvar a humanidade.

O filme, então, nos apresenta um dilema não muito original mas ainda interessante. Eric e Andrew precisam matar alguém da própria família e enquanto a decisão sobre quem morrer não é feita, alguma praga é solta, levando o mundo ao seu iminente fim. Ali, porém, instaura uma dúvida em nós: se tudo aquilo é realmente verdade ou aqueles quatro estranhos são apenas lunáticos de alguma seita radical. Infelizmente, porém, diante dessa boa trama, a obra pouco valoriza um elemento crucial aqui: nos importar com os protagonistas. Tudo o que conhecemos deles vem de flashbacks ausentes de qualquer sentimento. Até existe uma condição curiosa que é o fato deles serem um casal homossexual precisando decidir se salva a humanidade que os renega, mas o texto não tem a coragem de explorar isso. A garota também, depois da boa introdução, torna-se apenas um detalhe sem qualquer relevância. E quando não conhecemos esses personagens a fundo, não sofremos ou vibramos por qualquer decisão feita. E quando o filme nos impede disso, seu suspense morre e seu impacto fica apenas na intenção.

“Batem à Porta” é o típico filme de Shyamalan e isso, hoje percebo, deixou de ser um elogio. Quando digo que é um cineasta que estacionou, é por perceber que suas últimas obras se contentam com o ordinário. Tem sempre um filme bom escondido em suas obras, mas eles nunca aparecem. O lado positivo é que não o vejo tendo altas pretensões, quase como se ele tivesse a consciência de que não vai mais além por pura escolha. Este seu último trabalho prova, também, mais uma vez, o quanto ele pouco aposta na inteligência do público. Shyamalan precisa deixar tudo muito bem explicado ao final, porque não somos dignos de absorver toda sua maestria. Justamente como aconteceu com “Tempo”, ao fim, vem tudo bem mastigado, perdendo o brilho de suas revelações. Quando as boas sacadas poderiam ficar na sugestão, ele precisa de um texto forçadamente didático para não deixar dúvidas em nós. Tem ótimas ideias em mãos, mas uma incrível habilidade de torná-las menores, menos impactantes e bem menos profundas do que ele acredita.

NOTA: 6,5

País de origem: Estados Unidos
Ano: 2023
Titulo original: Knock at the Cabin
Duração: 100 minutos
Disponível: Youtube (aluguel)
Diretor: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan, Steve Desmond
Elenco: Dave Bautista, Jonathan Groff, Ben Aldridge, Rupert Grint, Kristen Cui

Crítica | Babilônia

As estrelas eternas de Hollywood

O projeto mais ambicioso de Damien Chazelle é também o seu Oscar bait mais descarado. É fato que a criação de “Babilônia” é justamente para levar seu nome novamente às premiações do cinema. Aconteceu, porém, que o filme foi um fracasso e não teve seus objetivos alcançados. No entanto, no meio de sua megalomania e altas pretensões, existe uma obra que vibra, que diverte e emociona. São três horas de pura insanidade, em uma produção belíssima, nitidamente feita por uma equipe que tem muito amor pela sétima arte.

Nada é muito original aqui e o filme segue quase como uma versão mais exagerada e “escandalosa” de “Cantando na Chuva” ou essas tantas obras posteriores que relatam o difícil período de transição entre o cinema mudo para o falado, durante a década de 20. Conhecemos a vida agitada dessas estrelas que sonham com a ascensão em Hollywood, mas que não se adaptam às novas regras. Que logo encontram a decadência quando não mais fazem parte dessas transformações. É neste cenário de festas, drogas e sexo que Manny (Diego Calva), um imigrante mexicano, tenta a sorte, se adentrando a um universo de muitas oportunidades, mas poucas portas abertas. É ali que ele também assiste sua grande paixão, a atriz Nellie (Margot Robbie), que acaba sofrendo pela alta pressão de seus produtores.

Ainda que tenha como intenção mostrar esse outro lado da glamourização de Hollywood, falta coragem à “Babilônia” para explorar esse lugar sujo e indecente. Mesmo assim, Chazelle realiza um trabalho insano, nos fazendo mergulhar nesse mundo e vendo de perto a loucura de se viver ali, cercado de luxo e tentações. É envolvente e a bela produção faz dessa experiência ainda mais grandiosa. Das belas locações, cenários, figurinos ao excelente trabalho do diretor de fotografia Linus Sandgren e do compositor Justin Hurwitz, que também estiveram em “La La Land”. Hurwitz, aliás, é quem dá o tom aqui. A carta de amor é para o cinema, mas é a música que explode em cena.

No entanto, apesar do deslumbramento, “Babilônia” cansa. E não cansa pelo ritmo, que é ótimo. Cansa pelo excesso, pelo exagero e por nunca saber a hora certa de parar. São tantas subtramas e personagens que pouco adicionam e estão ali por puro capricho do roteiro. A presença de Tobey Maguire é um exemplo disso, em uma sequência longuíssima e que nada acrescenta. O final também, quando alcança a homenagem explícita ao cinema, também alcança o ápice de sua breguice. É muito forçado e um tanto quanto vergonhoso de assistir. Mesmo quando poderia ser sutil, Chazelle perde a mão. É tudo muito over, acima do tom e isso prejudica constantemente o filme, principalmente quando precisa apelar para um humor escatológico.

Diego Calva tem seu charme, mas é o típico protagonista observador, que parece nunca interagir ou fazer parte da história. Ele apenas assiste e isso nos torna distantes de sua trajetória. Todos os personagens, aliás, estão ali apenas para serem exemplos do que acontecia na época e preencher um estereótipo já muito previsível nessa narrativa de astros em ascensão que logo entram em decadência. Falta, ainda, um senso de conquista desses sonhos que narra, logo que todos esses indivíduos são passivos em suas caminhadas e tudo aquilo que eles almejam simplesmente acontece por pura coincidência do destino, sem que eles tenham lutado por aquilo. O elenco é ótimo, mas o roteiro pouco sabe o que fazer com todos eles. Por outro lado, temos Margot Robbie que é magnética e torna esse espetáculo algo a ser apreciado com mais atenção.

Em um dos melhores momentos do filme, Jack Conrad, interpretado por Brad Pitt, um ator que, percebendo seu fim premeditado, tem uma conversa franca com a jornalista Elinor (Jean Smart). É nesse instante que “Babilônia” vem com o seu melhor discurso, quando fala sobre esses astros que morrem prematuramente. É muito sensível esse olhar da obra sobre esses tantos sonhos que Hollywood um dia abrigou. E como o cinema é e sempre será o registro de suas existências. Nessa arte, ter um fim, não necessariamente é não encontrar a eternidade. É assim que, apesar das tantas falhas e de ser sim um Oscar bait, o longa empolga com sua loucura e emociona por esse amor que declara pela sétima arte e por essas tantas vidas que ajudaram a construir o que é, ainda hoje, nossa grande paixão.

NOTA: 8,0

País de origem: Estados Unidos
Ano: 2022
Titulo original: Babylon
Duração: 188 minutos
Disponível: Prime Video (aluguel)
Diretor: Damien Chazelle
Roteiro: Damien Chazelle
Elenco: Diego Calva, Margot Robbie, Brad Pitt, Jovan Adepo, Jean Smart

Crítica | Gato de Botas 2: O Último Pedido

O desejo de uma vida que já temos

A DreamWorks Animation teve seu auge lá no começo dos anos 2000 com o lançamento de Shrek e suas sequências. De lá para cá teve alguns casos de sucesso como “Madagascar” e “Como Treinar o Seu Dragão”, mas algo aconteceu no caminho que eles perderam o prestígio. Sem ninguém esperar absolutamente nada de “Gato de Botas 2” – visto que o primeiro não é lá grande coisa – o longa recupera com êxito o que fez desse estúdio, um dia, referência de qualidade. É mágico, divertido e visualmente impressionante. Uma animação rara e boa demais de se ver em uma tela grande.

Na sequência, o personagem se dá conta de que ser um gato aventureiro tem seu preço e já perdeu oito de suas nove vidas. Com sua última chance cada vez mais próxima de acabar, ele parte em uma jornada pela Floresta Negra para encontrar a mítica Estrela dos Desejos, que lhe dará o poder de fazer um último pedido: driblar a morte e viver sem o medo do fim. É bem interessante como o roteiro faz bom uso dessa “lenda” sobre os gatos e como cada um dos indivíduos que o acompanham nesse caminho também possuem suas motivações para estarem ali. Fazia tempo que não via uma animação com coadjuvantes tão carismáticos e tão bem escritos. O texto é ótimo e consegue amarrar todas as tramas sem nada parecer excesso, divertindo e encantando na medida certa.

Absolutamente tudo o que entregam aqui é superior ao original, inclusive funciona muito bem isoladamente. O filme traz de volta aquela aventura mágica que os grandes estúdios perderam a mão em fazer. Não só pelo humor – que é engraçadíssimo – e nem pela habilidade de ser imensamente fofo, mas porque respeita seus personagens e a evolução de cada um. Sabe quando a jornada precisa de respiro, assim como entende o que faz de uma cena de ação algo envolvente para aquele que assiste. Nesse sentido, a direção de Joel Crawford é um grande acerto. Com nítidas inspirações ao clássico Akira, a produção navega por diferentes técnicas e traços de animação, revelando instantes surpreendentemente belos e inventivos.

“Gato de Botas 2” registra um dos pontos mais altos da DreamWorks Animation e como o estúdio ainda respira originalidade e inteligência. Saí do cinema apaixonado por esse filme e com aquela sensação rara de que eu poderia voltar e assistir mais uma sessão daquilo tranquilamente. Apesar de toda a graça e encanto gerado pela obra, é fascinante como ela dialoga tão bem com os nossos medos atuais. Fiquei tocado quando crise de ansiedade entra em pauta aqui, de forma tão madura e necessária. Me fez refletir, ainda, em como todos aqueles personagens, mesmo com a possibilidade de pedirem algo impossível, todos eles desejam algo que já possuem. E isso diz muito sobre nós.

NOTA: 9,0

País de origem: Estados Unidos
Ano: 2022
Titulo original: Puss in Boots: The Last Wish
Duração: 101 minutos
Disponível: Cinemas
Diretor: Joel Crawford
Roteiro: Paul Fisher, Tommy Swerdlow
Elenco: Antonio Banderas, Salma Hayek, Florence Pugh, Harvey Guillén

Crítica | Os Banshees de Inisherin

O inesperado e doloroso fim de uma amizade

Entender o fim de um relacionamento amoroso, por vezes, é mais fácil do que entender o fim de uma amizade. “Os Banshees de Inisherin”, novo filme de Martin McDonagh (Três Anúncios Para um Crime), gira inteiramente sobre a separação entre dois amigos de longa data e a confusão de sentimentos que nascem a partir de então. Apesar de contar com um humor afiadíssimo – sim, é possível dar boas risadas aqui – existe uma atmosfera melancólica que permeia por toda esta excêntrica jornada.

É difícil entender o rompimento de uma amizade, ainda mais quando somos adultos. O que fez aquela pessoa sumir? Onde mora o problema? São essas questões profundas que assombram o coração quebrado de Pádraic (Colin Farrell), quando Colm (Brendan Gleeson) põe fim à amizade deles. Enquanto aquele que se afasta prefere se dedicar à música e construir algum legado, Pádraic decide ir fundo até descobrir os motivos daquele inesperado fim, se envolvendo em um confronto brutal.

Eles vivem em uma pacata ilha na costa oeste da Irlanda, onde não há muito o que se fazer. O que torna tudo ainda mais triste ao percebermos que não há muito na vida do protagonista além daquela amizade que ele tanto preserva. É curioso como, no meio desse embate, não muito distante dali, ocorre uma guerra civil que será definitiva para a separação do país. Em uma batalha onde todos saem perdendo, não faz mais diferença quem é o ataque e quem é defesa. Um pano de fundo que ilustra muito bem esse conflito, onde mesmo quando as motivações não são claras, tentamos tomar um partido ou buscar alguma razão lógica para suas ações tão absurdas.

Martin McDonagh é um excelente roteirista e consegue navegar por gêneros distintos, sem oscilar, entregando diálogos incríveis em uma obra que sabe ser terna e divertida na mesma proporção em que é tensa e sombria. Não há como definir os “Banshees de Inisherin”, mas posso afirmar que se trata de uma experiência extremamente agradável. Me encontrei completamente imerso nessa sua história imprevisível. Seja com riso ou lágrimas no rosto, quis entrar na tela por muitas vezes e abraçar seus adoráveis personagens. É incrível o entrosamento entre eles e como todos estão somando ali. Colin Farrell e Brendan Gleeson são dois atores fantásticos e fazem esse jogo dar muito certo. Já Barry Keoghan e Kerry Condon, como coadjuvantes, estão sublimes e o filme só melhora quando eles entram em cena.

“Os Banshees de Inisherin” é um filme único e repleto de grandes momentos. Não há como se sentir indiferente após a sessão, mesmo que não agrade. A verdade é que é fácil se identificar com essa solidão que retrata. Com essa estranha dor de não fazer mais parte da vida de alguém que até ontem nos completava. De ser rejeitado. De querer entender os sentimentos dos outros e buscar, mesmo que nos momentos difíceis, ser gentil com o próximo. Porque gentileza também é um legado. E dos mais duradouros.

NOTA: 9,5

País de origem: Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda do Norte
Ano: 2022
Titulo original: The Banshees of Inisherin
Duração: 114 minutos
Disponível: Cinemas
Diretor: Martin McDonagh
Roteiro: Martin McDonagh
Elenco: Colin Farrell, Brendan Gleeson,Barry Keoghan, Kerry Condon

Os 25 melhores filmes de 2022

Pois é, minha gente! Mais um ano se encerrou e, com isso, mais uma retrospectiva aqui na página! É hora de celebrarmos as obras incríveis que tivemos e relembrar o que marcou nesses doze meses que se passaram. Demorou, mas veio aí: a lista de melhores filmes que assisti em 2022.

Confesso que adoro fazer essas listas com os meus filmes favoritos. Nunca é uma seleção fácil, até porque consegui assistir muita coisa boa. Precisei, desta forma, deixar vários que amei de fora para manter 25 títulos. Claro, se trata de uma escolha muito pessoal, então é natural que o seu favorito não esteja aqui…isso não significa que ele seja ruim, apenas que não funcionou comigo.

Estou bem feliz com essas obras que trago. Todas elas significaram algo para mim e se destacaram no meu ano. Outras até se tornaram maiores desde que assisti.

Ressalto, também, que para esta lista foram considerados apenas aqueles filmes lançados no Brasil entre janeiro e dezembro de 2022, no cinema ou VOD de forma legal, independente do lançamento original.

Menções honrosas: Viola Davis lidera um grupo de mulheres guerreiras e emociona com “A Mulher Rei”. Vingança é um tema comum no cinema, mas “O Homem do Norte” vem para nos revelar a base de muitas histórias em mais uma produção admirável de Robert Eggers. Foi o ano do terror e, por isso, vale destacar “Morte Morte Morte”, que diverte ao brincar com as fórmulas do gênero. Tom Cruise é um astro e foi responsável por levar o público de volta ao cinema com o empolgante “Top Gun: Maverick”.

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25. Spencer
direção: Pablo Larraín

Já tivemos muitos retratos sobre a Princesa Diana, mas “Spencer” não é só mais um deles. É uma proposta bem mais intimista, onde revela, de forma fictícia, o que poderia ter sido o último Natal dela ao lado da família Real. Pablo Larraín é um dos grandes diretores do cinema atual e ele transforma essa narrativa simples em uma experiência sensorial. Ele, sabiamente, se utiliza da atmosfera de filmes de terror para narrar a solidão da protagonista, que vive de aparências, de uma rotina da qual não tem o menor controle. A câmera quase nunca desgruda de suas costas, nos colocando para dentro daquele universo, nos fazendo sentir tão claustrofóbicos quanto ela. A produção é absurdamente bela, desde os figurinos à riqueza de detalhes dos cenários. A fantástica trilha sonora de Jonny Greenwood vem para acentuar ainda mais essa tensão da narrativa, desenhando com perfeição o tom grandioso que ecoa em nós.

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24. Paris, 13º Distrito
direção: Jacques Audiard

Parceria entre dois cineastas franceses que tanto admiro: Jacques Audiard e Céline Sciamma. Eles narram, despretensiosamente, sobre os amores complexos dentro de uma grande metrópole. Os encontros e desencontros entre três adultos que se relacionam, se tornam amantes, parceiros e pouco fazem ideia do que querem da vida. Entre falhas, palavras que machucam e rompimentos, eles buscam se entender, mesmo que por caminhos tortuosos. É apaixonante como Jacques ilustra esse conto sobre amores modernos. Filmado em preto e branco, o longa hipnotiza por sua beleza, mas também por ter um ritmo surpreendentemente empolgante.

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23. RRR
direção: S. S. Rajamouli

Uma das coisas mais mágicas que o streaming oferece atualmente, é esse poder que ele tem de estourar a bolha, levando o cinema a atravessar continentes e atingir pessoas que antes não seria possível. “RRR” é um hit indiano da Netflix que fez bonito em 2022. Ele recupera o que Hollywood parece ter esquecido: a entregar um épico da forma como tem que ser. Com grandes efeitos visuais para ilustrar sua grandiosidade, mas também com muita paixão e personalidade. É sobre uma inusitada história de amizade entre o líder de uma revolta e um policial durão obcecado por sua promoção no exército britânico. Eles estão dos lados opostos e ambos tem muita garra para defender seus objetivos. Um daqueles filmes feitos por alguém que nitidamente ama o cinema e a magia que essa arte tem em contar histórias e nos levar para universos tão distantes. Aqui tem dança, combates eletrizantes e câmera lenta para revelar sua grandiosidade. Não tem medo do excesso e abraça isso com força. Diverte, encanta e nos envolve ao longo de suas belíssimas 3 horas de duração.

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22. Pinóquio
direção: Guillermo del Toro, Mark Gustafson

Apesar das tantas adaptações que já tivemos do menino de madeira, esta adaptação de Guillermo del Toro tem algo de especial. Aqui, “ser um menino de verdade” nunca é um desejo do protagonista e tornar-se humano acaba sendo uma consequência de suas ações. O roteiro desenha muito bem essas transições e como a transformação não vem apenas de Pinóquio, mas também na vida daqueles que o cercam, que são impactados por seus atos de bondade. Tem muito sentimento nesta jornada e um cuidado rigoroso de toda a produção. Um stop motion que nos choca pelo realismo dos detalhes, que replicam até mesmo as imperfeições. É arte em sua forma mais genuína.

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21. Influencer de Mentira
direção: Quinn Shephard

Para chamar atenção dos demais, uma jovem (Zoey Deutch) forja uma visita à Paris, mas sua mentira acaba saindo do controle quando acontece um ataque terrorista “durante sua viagem”. Para ser a influencer que deseja, ela aproveita esta repentina fama criando um movimento que dá voz a todos aqueles que vivenciaram algum tipo de trauma. É através desse cenário improvável que a obra se aprofunda no universo digital, desenhando, com precisão, essa geração que se tornou refém de suas motivações vazias. “Influencer de Mentira” navega por temas extremamente delicados sem perder a força do humor. Caminha sem medo nessa linha tênue entre a provocação e o ofensivo, mas é corajoso o suficiente para se manter ali, cutucando sem utilizar-se de um discurso panfletário e sendo incisivo para causar desconforto.

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20. Mais que Amigos
direção: Nicholas Stoller

“Mais Que Amigos” é uma comédia romântica que redefine a representação queer no cinema. Billy Eichner, que escreve e protagoniza, aproveita esse espaço para criticar a máquina de Hollywood e como os grandes estúdios sempre ignoraram as narrativas homoafetivas. Ele interpreta um diretor de museu que precisa enfrentar a dificuldade de se relacionar com outros homens na era complexa dos aplicativos e da frivolidade. Apesar dos risos, o longa traz reflexões sobre essa impulsividade não saudável dos amores líquidos, onde ninguém mais se importa em como suas ações podem afetar o emocional do outro. É um roteiro imensamente sincero, que faz rir pelos exageros mas também machuca com suas tantas verdades. Finalmente vejo um filme que sabe equilibrar esse romantismo e esperança que tanto precisamos, com as dores e frustrações que sentimos na era dos desafetos. Porque é escrita por alguém que vive isso na pele e sabe usar suas palavras para nos atingir.

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19. Carvão
direção: Carolina Markowicz

Um dos grandes filmes nacionais que tivemos em 2022. “Carvão”, dirigido pela estreante e talentosíssima Carolina Markowicz, narra uma trama bastante inusitada que acontece no interior do Brasil, onde uma família humilde acaba abrigando um estrangeiro misterioso dentro de casa. Tudo é muito curioso aqui e ficamos vidrados nessa história bizarra, mas estranhamente possível de acontecer. E mesmo quando o longa termina, ficamos ali, digerindo tudo o que ele quis dizer. O que torna a produção tão fascinante, porém, é trazer esses indivíduos tipicamente brasileiros para dentro da cena. O elenco é muito bom e facilmente acreditamos que vivem aquela rotina. Nos faz rir pela identificação que provoca e nos assusta pelas reflexões que deixa no caminho.

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18. Arremessando Alto
Direção: Jeremiah Zagar

Aquela prova de que um clichê bem realizado pode se tornar um grande filme. “Arremessando Alto” marca mais uma parceria entre Adam Sandler e a Netflix e surpreende pelo simples fato de ser bom. É uma obra que chega já com a receita pronta, que envolve uma história de superação dentro do universo esportivo. Aqui, Sandler interpreta um olheiro de um time de basquete que aposta todas as fichas em um jovem com enorme potencial. A direção de Jeremiah Zagar torna todo esse espetáculo muito próximo de nós, sendo impossível não vibrar por cada vitória e torcer fervorosamente pelos protagonistas. Uma obra cativante e, mesmo que a história abrace a simplicidade e clichê dos filmes de esporte, comove. E comove porque é bem contado e porque tem muito sentimento envolvido.

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17. A Lenda do Cavaleiro Verde
direção: David Lowery

A Távola Redonda é cercada de lendas gloriosas. Neste mesmo universo se encontra Gawain (Dev Patel), sobrinho do Rei Arthur. É sobre sua jornada que conhecemos aqui em “A Lenda do Cavaleiro Verde”, dirigido por David Lowery. O longa se afasta por completo deste cinema de fantasia e ação do qual estamos acostumados, revelando este cenário medieval de forma mais sombria e, até mesmo, mais humana. O protagonista é um jovem imprudente e sua ação imatura acaba tendo consequências drásticas, o levando para uma jornada rumo à sua própria morte. O filme subverte essa saga do herói de forma audaciosa e engrandece com seu final ambíguo. Me senti completamente imerso nesse universo e seduzido pelo poder de suas imagens.

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16. O Acontecimento
direção: Audrey Diwan

Apesar dos eventos do filme acontecer nos anos 60, o que vemos aqui é um retrato doloroso e, infelizmente, ainda muito atual sobre aborto. Em uma época em que o procedimento não era legalizado na França, uma jovem (Anamaria Vartolomei) se vê diante de uma jornada solitária após uma gravidez indesejada. A câmera não desgruda da protagonista e a acompanhamos extremamente de perto nesse caminho torturante. É sufocante e soa como um verdadeiro thriller psicológico, onde a personagem precisa enfrentar dores físicas e emocionais constantes. O longa nos faz refletir muito sobre esse peso da gravidez que as mulheres carregam sozinhas e quantas histórias parecidas como essa ainda existem ao nosso redor e nem nos damos conta. É forte e nos causa um grande impacto.

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15. Os Primeiros Soldados
direção: Rodrigo de Oliveira

Quando “Os Primeiros Soldados” acabou, fiquei olhando para a tela por um tempo tentando digerir o que havia visto, até que desabei. É um recorte muito real e que nos atinge justamente porque nos faz pensar em quantas histórias como a retratada aqui aconteceram. A produção nacional revela o encontro de três pessoas que precisaram enfrentar a primeira onda de epidemia da AIDS no Brasil dos anos 80. É muito cruel ver esses personagens tão desamparados, diante de tanto preconceito e falta de informação da época. Eles são vistos como a escória do mundo, como aqueles que não merecem a cura. Apesar do nítido baixo orçamento da produção, é louvável o que o diretor faz com tão pouco. As excelentes atuações trazem uma naturalidade fascinante para as cenas, assim como o texto que traz honestidade e sensibilidade para lidar com um tema tão delicado. É forte e poderoso tudo o que é dito aqui. São falas que nos alcançam porque possuem muito sentimento e muita poesia também.

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14. Flee
direção: Jonas Poher Rasmussen

Por muitas vezes, enquanto assistia “Flee”, eu esquecia que se tratava de um documentário. E, por muitas vezes, eu quis esquecer que se tratava de uma história real. É interessante como a animação sempre foi uma técnica para explorar a fantasia, a fuga da realidade. E essa quebra, que mescla recortes históricos com traços animados, vem justamente como um escape, uma saída para tudo aquilo que é doloroso demais para traduzir, para tudo aquilo que nosso protagonista gostaria de esquecer, de fugir. Conhecemos aqui a dura trajetória de Amin Nawabi, um refugiado afegão e todo o caminho que precisou percorrer, ao longo dos anos, até encontrar um lugar para chamar de lar. Um jovem indo atrás de aceitação da sociedade por estar sempre a margem, por não ter um país e por se descobrir homossexual. Existe um abismo entre ele e o resto do mundo. “Flee” é impactante, doloroso e profundamente emocionante.

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13. Competição Oficial
direção: Gastón Duprat, Mariano Cohn

“Competição Oficial” é metalinguagem pura. É ficção dentro de uma ficção, em uma obra que satiriza, com brilhantismo, Hollywood e toda a batalha de egos que existe no meio artístico. O longa utiliza-se de pouquíssimos cenários e ambientações, mas é aquela produção tão absurdamente genial, que vai se tornando gigantesca aos nossos olhos. A trama se concentra em apenas três personagens: uma diretora (Penélope Cruz) e dois atores renomados, Félix (Antonio Banderas) e Iván (Oscar Martínez) e tudo acontece durante os ensaios para o filme que irão lançar. Uma surpresa deliciosa, que revela, através de um texto crítico e bastante atual, o cinema de nosso tempo. Ri de nervoso, mas também me deixou reflexivo sobre seu excelente final. E claro, valeu por ver esse trio de atores arrebentando em cena. O texto exige bastante dos três e eles devoram cada oportunidade. Eles brilham.

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12. Noites Brutais
direção: Zach Cregger

Uma obra que me deixou em completo choque, não só por suas cenas fortes, mas também por toda sua ousadia e originalidade. Porque se recusa a ser só mais um filme de terror, se transformando (e se reinventando) a cada minuto. “Noites Brutais” sabe como fisgar a atenção, revelando uma trama que tem sempre uma carta na manga e está sempre a um passo à frente do público. Temos aqui quase que 3 filmes distintos e que, aos poucos, vão se encontrando. Essas quebras podem até causar uma estranheza, mas enriquecem sua estrutura como um todo. Sem pretensão alguma, encontramos aqui um dos filmes mais inventivos e divertidos do ano.

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11. O Bom Patrão
Direção: Fernando León de Aranoa

Às vezes, para se ter equilíbrio no mundo, é preciso enganar a balança. É com essa premissa que “O Bom Patrão” faz um recorte extremamente atual sobre o mundo corporativo e sobre as tantas desigualdades que regem o sistema capitalista. O filme acontece durante uma semana, quando o dono de uma fábrica de balanças, Julio Blanco, interpretado pelo sempre fantástico Javier Bardem, precisa resolver todos os problemas de seus funcionários para conseguir, ao fim daqueles dias, receber um prêmio de excelência empresarial. É ele fazendo absurdos para tapar os buracos e manipulando a todos para sair bem na foto. O roteiro é espertíssimo e cria situações que atacam a nossa ansiedade. Ficamos atentos pelos desdobramentos e para ver como toda aquela loucura poderia acabar. Um filme brilhante, divertido e incrivelmente dinâmico.

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10. Great Freedom
direção: Sebastian Meise

“Great Freedom” ilustra com extrema delicadeza o período em que amar era considerado um crime. Parece uma trama distópica e nos sufoca quando entendemos a vida opressora que muitos tiveram que enfrentar. Acompanhamos a jornada de Hans Hoffman (Franz Rogowski) que, em um período pós-guerra na Alemanha, é encarcerado repetidas vezes ao longo dos anos por ser homossexual. Me vi o tempo todo querendo poder abraçá-lo. Hans é o doloroso retrato de tantas pessoas que tiveram suas identidades apagadas. O filme choca ao recontar esse momento da história em que homens foram perseguidos e castigados pela forma como eles amavam. O fim, então, vem como um soco ao falar de liberdade e o quanto ela é relativa. O que é ser livre para você pode também ser a minha prisão.

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9. Argentina, 1985
direção: Santiago Mitre

Em uma época em que muitos ainda apoiam a ditadura militar, “Argentina, 1985” não poderia ter vindo em hora melhor. O longa nos mostra o julgamento histórico que colocou no réu os principais comandantes do regime militar argentino e todos aqueles responsáveis por torturar e assassinar durante a mais sanguinária ditadura da América Latina. O ótimo Ricardo Darín interpreta o promotor público que esteve à frente do processo e como ele reuniu um grupo de jovens estudantes para a investigação do caso. O diretor Santiago Mitre constrói um filme de tribunal angustiante, mas também eletrizante, que envolve e nos mantém vidrados por cada nova informação que chega. Sabe como dosar o humor e o tempo para revelar as relações entre os personagens. Fantástico e altamente necessário.

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8. O Chef
Direção: Philip Barantini

Filmado em único take, vemos de perto a noite mais movimentada dentro de um restaurante. A câmera caminha pelos corredores da cozinha, onde assistimos a rotina caótica do local e um Chef que precisa lidar com a pressão dos funcionários, dos clientes e da crítica, além de ter que segurar seus tantos dramas pessoais. É simplesmente eletrizante adentrar ao universo desse filme, que segura nossa mão já nos primeiros minutos e não solta nem por um segundo. Um plano sequência incrivelmente bem coreografado, que traz naturalidade e intensifica os tantos sentimentos que ali se abrigam. O elenco é incrível e faz esse jogo proposto funcionar. Acreditamos naquela realidade e ficamos hipnotizados por cada pequeno detalhe. Uma obra imersiva, inteligente e sem a pretensão de ser, diferente de outros “menus” oferecidos por aí.

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7. Elvis
direção: Baz Luhrmann

Elvis Presley foi uma das figuras mais emblemáticas do século XX. Ainda que ele já tenha se tornado personagem em outros filmes, nunca o cinema teve a coragem de fazer uma cinebiografia dessa magnitude e Baz Luhrmann, mais conhecido por sua estética espalhafatosa, prova ter sido a escolha mais adequada para esse projeto. Ele flerta com o musical contemporâneo e costura a vida de Elvis em meio a colagens e batidas que nunca pausam. Navegamos em um ritmo alucinante pelos altos e baixos de sua carreira, desde sua infância até sua morte e é incrível como o roteiro consegue, em suas duas horas e meia, dar um overview sobre tudo, sem nunca perder o fôlego. Longe de qualquer imitação, Austin Butler se entrega de corpo e alma nesta obra energética e revigorante. O show que Elvis merecia. O filme que nem sabíamos que precisávamos.

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6. Não! Não Olhe!
direção: Jordan Peele

Jordan Peele segue sendo um dos raros cineastas atuais a movimentar uma multidão para uma ideia original. É um trabalho maduro, de um diretor ainda em seu auge e nos oferecendo uma experiência sem igual. Aquele tipo de filme que, além de nos causar fascínio diante de seus misteriosos símbolos, também nos empolga nesse cinema eletrizante, bom demais de ver em uma tela grande. O terror aqui está nos céus e desperta a atenção de dois irmãos (Keke Palmer e Daniel Kaluuya) que moram em um rancho e procuram alguma forma de registrar essa criatura que os amedronta. É um filme que permite inúmeras interpretações e isso só o enriquece. E não é apenas por essas possíveis leituras que o novo trabalho de Peele funciona. Funciona, principalmente, porque é muito bem feito, porque encanta e diverte um bocado. O roteiro é ótimo e encontra equilíbrio entre comédia e tensão. Um espetáculo visual, sonoro e que só cresceu dentro de mim. Quanto mais eu penso nele, mais eu gosto.

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5. A Pior Pessoa do Mundo
direção: Joachim Trier

Impossível chegar aos 30 anos e não se identificar com a trajetória da personagem Julie, muito bem defendida pela atriz Renate Reinsve em “A Pior Pessoa do Mundo”. Quando ela alcança essa idade, milhões de inseguranças a atingem e uma necessidade de realizar tudo, ao mesmo tempo em que não consegue concretizar nada. O longa norueguês acaba por revelar um singelo e honesto retrato da vida adulta e as tantas incertezas que nos definem. Julie tem a preciosa habilidade de fazer as coisas não darem certo e suas falhas acabam dizendo mais sobre nós do que gostaríamos de admitir. Flertando com o lúdico, o diretor Joachim Trier entrega uma obra deliciosa, elegante e assustadoramente madura.

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4. Um Herói
direção: Asghar Farhadi

O cinema do iraniano Asghar Farhadi tem poder de nos provocar com seus contos morais e aqui não é diferente. É difícil sair ileso de “Um Herói”, que segue como se uma bomba pudesse explodir a qualquer instante. Rahim (Amir Jadidi) está preso por uma dívida que não consegue pagar e durante sua condicional, ele tenta reverter a situação para que a queixa seja retirada. Nada sai como o planejado e sua ação acaba tendo proporções inimagináveis. Nos mantém tensos e angustiados, porque ficamos ali torcendo por algum milagre que faça o protagonista se ver livre desse circo que ele acaba criando para si. Farhadi não tem interesse em julgar o caráter de Rahim e nos faz questionar, a todo momento, o que faríamos em seu lugar. O quão culpado ele é nessa história ou o quão longe vale ir para provar inocência. São decisões difíceis e por isso ficamos ali, sufocados e completamente imersos em sua trajetória. Um drama eletrizante e que, definitivamente, me deixou sem fôlego.

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3. Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo
direção: Daniel Kwan, Daniel Scheinert

“Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” não poderia ter um título mais pertinente. De fato, cabe muita coisa dentro desse filme, que flui entre gêneros distintos e consegue ser incrível em todos eles. Ao nos transportar para esse lugar de infinitas possibilidades, nos permite sentir inúmeras sensações e vivenciar uma experiência única, ousada e surpreendentemente tocante. O roteiro é absurdamente genial e nunca para de criar ou trazer informações novas. É uma obra que vai se reinventando e mergulhando em lugares nunca antes explorados. A criatividade aqui é inesgotável, onde nem tudo faz sentido e nada, no fim das contas, precisa fazer. O grande lance aqui é se permitir viver a loucura e abraçar o nonsense, porque em algum canto, seja por um detalhe ou um simples diálogo, o filme falará diretamente com você. E no meio do furacão espalhafatoso que nos deparamos aqui, existe um coração que bate forte e emociona quando menos esperamos. Há tanta coisa dentro do filme que ele explode em nós.

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2. Cha Cha Real Smooth
direção: Cooper Raiff

Eu realmente acredito que alguns filmes podem ter um significado mais profundo quando aparecem na hora certa em nossas vidas. Esse aqui foi de encontro comigo e com o que sinto, me fazendo desabar ao final. Escrito, dirigido e estrelado por Cooper Raiff, o longa traz uma narrativa sobre amadurecimento na fase adulta, quando seu carismático protagonista, completamente perdido na vida, acaba se apaixonando por uma mulher mais velha e comprometida. O texto é ótimo e mesmo que tudo seja extremamente leve e gostoso de assistir, caminha com os pés no chão, revelando personagens e sentimentos extremamente possíveis. Diz muito sobre como, independente da idade, no fim das contas, todos enfrentamos um processo de entendermos a nós mesmos e de como encarar o outro. É aqui que o texto vem para dizer muito sobre responsabilidade afetiva e a importância de ser verdadeiro com o próximo. Penso que o que há de mais poderoso aqui é a honestidade entre os personagens e essa coragem que todos têm em dizer o que sentem. Vivemos em um tempo onde todos são tão frios e distantes, que ouvir sobre gentileza acaba sendo de grande impacto. “Cha Cha Real Smooth” diz coisas que eu precisava ouvir e nem sabia. É lindo, acolhedor e faz um bem enorme pra alma.

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1. Aftersun
direção: Charlotte Wells

Nenhum outro filme de 2022 me despertou o que esse aqui conseguiu. É um cinema que transcende, que nos leva para um lugar imensamente íntimo, doce e, ao mesmo tempo, tão obscuro e doloroso. “Aftersun” terminou e me deixou paralisado, em completo estado de catarse. Enquanto grande parte da projeção, estamos lidando com as férias de verão e o relacionamento entre uma filha, Sophie (Frankie Corio) e seu pai Calum (Paul Mescal), ao decorrer entendemos que se trata de uma história de reconciliação, de memória e luto. De uma mulher, agora adulta, procurando pela verdade de seu pai, por tudo aquilo que só a idade a fez compreender. O resultado dessa experiência é algo difícil de esquecer. Uma obra que me comoveu profundamente e me fez ficar remoendo por muito tempo o que eu havia presenciado. Um filme que ecoa em nós. O melhor do ano.

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E para você? Qual o seu filme favorito 2022?

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As 15 melhores cenas de 2022

A retrospectiva continua por aqui para revelar o que teve de melhor no cinema em 2022. Venho agora listar as minhas cenas favoritas do ano.

Separei 15 momentos que, de alguma forma, me marcaram. Seja por um diálogo, pelo visual, pelas atuações. Seja pela forma como o diretor revelou aquele momento dentro do filme. Aqueles instantes que ficaram na cabeça e, por isso, merecem destaque.

Lembrando que todos os títulos citados são de produções lançadas entre janeiro e dezembro de 2022 aqui no Brasil, no cinema ou VOD, independente do lançamento no país de origem.

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15. Revelação
(Morte Morte Morte)

Seria trágico, se não fosse tão cômico. “Morte Morte Morte” traz uma situação aterrorizante, quando um grupo de “amigos” são assassinados dentro de uma mansão ao longo de um fim de semana. A cena final vem para revelar o grande mistério e, assim como toda a obra, choca pelo absurdo. Uma quebra de expectativa corajosa, porque entrega exatamente o que nenhum outro filme de terror ousaria, justamente porque não é o que o público espera. Quando as sobreviventes encontram o celular da suposta primeira vítima, assistem incrédulas o registro de sua morte. É um instante cômico e surpreendente. Para rir de nervoso.

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14. Fita métrica
(Noites Brutais)

Já na segunda parte de “Noites Brutais”, o personagem de Justin Long retorna para seu imóvel abandonado e ao chegar lá percebe que há um “puxadinho” misterioso. É então que ele decide medir aquele novo espaço. A tensão existe porque nós já sabemos o que habilita ali e vê-lo caminhando tranquilamente com sua fita métrica nos deixa imensamente apreensivos. O diretor Zach Cregger sabe como trabalhar o suspense e nos mantém hipnotizados ali, já esperando pelo pior.

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13. Monólogo na praia
(Mais Que Amigos)

Billy Eichner sempre abraçou com força esse papel do cara tagarela e áspero. Quando ele escreve “Mais Que Amigos”, é nítido que ele coloca muito de si na história. A cena em que ele vai à praia com seu “bro” é quando ele revela sua mais verdadeira essência. Longe de qualquer máscara, caricatura ou muro que ele construiu para si. É ele falando sobre ser um artista gay e como teve sua voz reduzida por tanto tempo dentro do mundo do entretenimento. Como ele precisou esperar até que histórias entre homossexuais pudessem ser lucrativas para que ele, enfim, pudesse falar sobre suas próprias vivências. É metalinguagem pura em um discurso honesto e extremamente necessário.

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12. Ensaio da Morte
(Competição Oficial)

A trama de “Competição Oficial” oferece uma metalinguagem bem saborosa e interessante. São dois atores que não se suportam, precisando dar vida a história de vingança entre dois irmãos. A cena em questão, é quando os astros precisam ensaiar o ápice do filme que vão gravar. A sequência que marcará a grande reviravolta, quando um dos irmãos assassina o outro e rouba seu lugar. É muito simbólico esse instante porque acaba refletindo muito sobre o que virá a acontecer na realidade. É fascinante também toda a construção desse momento, onde os cenários estão apenas demarcados e parece que estamos diante de uma peça de teatro, com pouca iluminação e uma atmosfera angustiante.

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11. Telescópio
(Marte Um)

“Marte Um” é um filme muito singelo e feito de muito coração também. O final deixa isso muito claro, quando a família Martins, depois de passar por vários perrengues, decide ouvir sobre os sonhos do filho mais novo, que almeja estudar astrofísica e participar de uma missão espacial. Ele, então, os leva a observar o céu com seu telescópio. É uma cena genuinamente bela, que traz finalmente um momento de paz para aqueles personagens e de esperança que eles tanto precisam.

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10. Crianças revoltadas
(Matilda: O Musical)

Nem todos os números musicais funcionam na versão de “Matilda” da Netflix. Mas se tem um que me fez me ajeitar na poltrona e dar um replay foi a sequência em que as crianças se rebelam na escola cantando “Revolting Children”. É uma coreografia assustadoramente bem coordenada, acelerada e empolgante. A câmera passeia pelos corredores do local em uma montagem fascinante.

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9. Jantar de pérolas
(Spencer)

Quando junta a trilha de Jonny Greenwood, a elegante condução de Pablo Larraín e as expressões de Kristen Stewart, temos o prato perfeito para uma cena agoniante e irretocável. É um jantar que explicita a relação conturbada entre a Princesa Diana e a família Real e, também, uma grande metáfora para os transtornos sofridos pela protagonista. Entre troca de olhares fuzilantes, ela se vê presa no local. Sufocada, ela arranca o próprio colar, deixando as pérolas caírem no prato, onde logo em seguida, as come.

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8. Trouble
(Elvis)

Eu poderia listar inúmeras cenas incríveis de “Elvis”, mas cito uma que me deixou extasiado. Quando o Rei sobe no palco para cantar “Trouble“, ele registra ali que está contra as regras, contra a ordem que rege aquela sociedade tão retrógrada. Com seus movimentos sensuais e gestos provocativos, ele leva o público à loucura, para a fúria dos policiais que acompanhavam o show e logo precisam interceder. É Elvis usando o poder de sua música para quebrar barreiras e incitando a rebeldia que muitas vezes é necessária.

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7. Naatu Naatu
(RRR)

Mais do que entregar uma música chiclete, temos aqui a cena mais fascinante de “RRR”, épico indiano da Netflix. É uma sequência musical no meio de sua aventura gloriosa, onde os dois protagonistas se unem, em uma festa, para ensinar aos convidados um passo de dança nada convencional. É um ato rebeldia ali, já que aqueles movimentos não são bem vindos na alta classe. A sequência é divertidíssima e eletrizante, onde os dois entregam uma coreografia insana e impossível de desgrudar os olhos.

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6. Última batalha
(O Homem do Norte)

O último ato da vingança de Amleth (Alexander Skarsgard), que finalmente entra em combate com seu tio. O diretor Robert Eggers faz deste instante algo esplêndido, quando os coloca para lutar pelados em um cenário devastado por lavas que queimam. O vermelho grita na tela em uma sequência pouco iluminada. A potente trilha traz ainda mais essa sensação de que estamos presenciando algo épico. Há tensão, emoção e tudo que é necessário para entregar um belíssimo clímax.

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5. Chuva de Sangue
(Não! Não Olhe!)

Um dos momentos mais tensos e brilhantes de “Nope”, quando Emerald (Keke Palmer) e Angel (Brandon Perea) estão dentro da casa e percebem que algo muito ruim está acontecendo do lado de fora. Eles começam a ouvir sons assustadores que se aproximam, como gritos desesperados. Logo depois, avistam pela janela, uma chuva de sangue acompanhada de vários objetos, como restos mortais sendo cuspidos por alguma criatura que sobrevoa a região. A trilha sonora de Michael Abels torna esse instante ainda mais impactante. Olhei para essa cena e gritei “ARTE!”.

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4. Pedras
(Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)

Curioso como uma das cenas mais sinceras e emocionantes de “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” seja protagonizada por duas pedras. É um filme que reúne várias sequências peculiares e essa é uma delas. Em um dos tantos universos propostos aqui, mãe e filha são duas pedras no topo de uma montanha. Ali elas tem uma pequena reflexão sobre a vida e como diante de todo universo são apenas criaturas pequenas e estúpidas.

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3. Tempo congelado
(A Pior Pessoa do Mundo)

Cansada da monotonia de seu relacionamento atual e da rotina sem emoção que segue, Julie (Renate Reinsve) vislumbra um mundo congelado. Ela sai de seu apartamento e atravessa a cidade, onde todos os moradores estão paralisados. Julie vai de encontro a única pessoa que também não teve o tempo parado, seu amante, que trabalha em um café. Eles passam um dia romântico juntos. Um dia só deles. Sem ninguém mais. Uma sequência belíssima e apaixonante, ainda que revela essa impulsividade autodestrutiva da protagonista. É leve, gostoso de ver e uma quebra interessante e fantasiosa dentro de um filme tão realista.

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2. Introdução
(Athena)

A notícia de um jovem morto por um policial dá início a uma revolta popular na França. A introdução de “Athena” nos coloca para dentro da cena, quando vemos o grupo de rebeldes em ação. Filmado em um eletrizante plano-sequência, o diretor Romain Gavras constrói ali um instante hipnotizante, imersivo e poderoso. É daqueles momentos do cinema que ficamos nos perguntando como tudo aquilo foi feito. É extremamente calculado cada passo ali e ficamos abismados com tamanha perfeição.

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1. Última dança
(Aftersun)

Começa como apenas uma cena adorável entre pai e filha, durante uma festa, quando ele a convida a dançar “Under Pressure”, clássica colaboração entre Queen e David Bowie. Uma música presente em muitos filmes, mas esse aqui trouxe uma nova perspectiva, que nos faz ouvi-la de forma diferente. A batida empolgante, de repente, ganha contornos mais dramáticos. “Você pode nos dar mais uma chance?”. “Esta é nossa última dança”. Essas frases ecoam em nós como um soco diante do que acontece ali. É o presente devastado tentando abraçar o passado incompreendido. É uma filha buscando seu pai, tentando viver aquela última lembrança com novos olhos. Uma cena incrível, que nos toca e causa um impacto gigante em nós.

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E para você? Qual a sua cena favorita de 2022?

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