Crítica | Finch

O Caminho para o fim

Tem alguns filmes que têm a cara de um determinado ator. “Finch” é o típico filme Tom Hanks. O homem carismático e solitário vagando pelo mundo com seu cachorro e um robô. Não haveria outra pessoa a estar aqui que não fosse ele. A obra é uma espécie de road movie rodeado pela ausência, onde as paisagens se foram e tudo o que vemos ao fundo é o que restou. Isso porque um desastre acabou com a civilização e o planeta se transformou em um imenso deserto constantemente atacado por tempestades de areia.

É neste cenário pós-apocalíptico que nosso herói caminha. Finch desenvolveu todo um maquinário para sua auto sobrevivência e, percebendo que pode não aguentar por muito mais tempo, cria um robô para que, no futuro, alguém possa cuidar de seu único companheiro, seu cachorro Goodyear. O filme, então, é esse homem ensinando um robô a viver e, consequentemente, protegendo a única coisa que importa em sua vida. É bela essa motivação do protagonista e essa inusitada relação que vai sendo construída. Diferente de muitas produções do gênero, o protagonista sofreu pelo abandono e julga não sentir mais falta desse contato humano. Ele está bem com a solitude e é apenas por seu cachorro que traça seus planos.

A direção é de Miguel Sapochnik, que tem uma carreira extensa em séries de TV e acabou ganhando reconhecimento ao comandar o épico episódio “Battle of The Bastards” de Game of Thrones. Ele demonstra muito cuidado com as cenas e entrega um trabalho bastante seguro. Sua obra não perde tempo mostrando essa humanidade degradante que tanto já vimos em produções pós-apocalípticas. Já vimos esse universo antes e, sabiamente, o roteiro tem plena consciência disso. Se concentra unicamente em Finch e nessa sua jornada para o fim.

Finch é um homem descrente, que sempre evitou contato com os outros. Praticamente sozinho no mundo, ele se vê obrigado a acreditar no próximo, na confiança e na solidariedade. No fim, o único legado que pode deixar são seus sentimentos e esses pequenos aprendizados que a vida lhe deu. É interessante esse contraponto do robô que, como um adolescente pronto para o futuro, suga todas as lições para compreender essas pequenas coisas que tornam a experiência humana tão enriquecedora.

Apesar de perder um pouco pela longa duração, se estendendo mais do que precisava, encanta e prova que não se precisa de muito para construir uma boa ficção. “Finch” não inova em muita coisa, mas nos envolve mesmo com sua simplicidade e claro, pela sempre marcante presença de Tom Hanks. Ele é aquele grande ator capaz de segurar um filme sozinho e aqui não é diferente.

NOTA: 8,5

País de origem: EUA
Ano: 2021
Duração: 105 minutos
Disponível: Apple TV+
Diretor: Miguel Sapochnik
Roteiro: Craig Luck, Ivor Powell
Elenco: Tom Hanks, Caleb Landry Jones

Crítica | O Grande Ivan

Por uma realidade melhor

Lançado no Disney+, “O Grande Ivan” é uma adaptação do livro infantil de Katherine Applegate, que por sua vez, é inspirado na história real do Gorila que viveu, ao longo de 27 anos, sozinho em um shopping beira-de-estrada, onde era a estrela principal de um circo.

Ivan é a grande atração deste evento. Ele tem bom coração, mas precisa ser assustador para conquistar novos ingressos. Divide este espaço enclausurado com outros animais cansados. Até que a chegada de uma pequena elefante o faz refletir se ali é realmente o lugar para todos eles e começa a elaborar seu plano de fuga.

Existe um tom melancólico que ilustra todo o filme. A voz espaçada dos personagens, a tristeza e desesperança de cada um deles. Eles vivem sem saber o que existe do lado de fora, mas precisam encontrar uma motivação para sonhar com essa possibilidade. É bonito toda essa trajetória e não foi à toa que deram este projeto nas mãos da cineasta Thea Sharrock, depois do sucesso de “Como Eu Era Antes de Você”. Há um cuidado imenso com esses tantos sentimentos e nos cativa, nos encanta. Mike White é um grande roteirista também e aqui ele realiza um belo trabalho. É sensível essas relações que costura, humanizando esses bons personagens. É um filme que eu, definitivamente, gostaria de ter visto quando criança. Apesar da simplicidade, é tão bem escrito que facilmente nos carrega junto, nos faz embarcar nesta fantasia, digna dos bons e antigos filmes da Disney.

Os efeitos especiais aqui, indicados ao Oscar neste ano, espantam pelo alto nível de qualidade. É um trabalho magnífico que coloca animais e seres humanos no mesmo espaço e em ambientes reais. É tudo tão bem feito que nem estranhamos o fato dos animais falarem, já que é um artifício não mais usual no cinema. Inclusive, a dublagem do elenco original é incrível. “O Grande Ivan”, porém, romantiza um final que não é tão feliz quanto o próprio filme acredita, o que soa inocente demais ou que se esquiva de um assunto ainda maior. É triste quando pensamos nesses “Ivans” que existem por aí e nesses animais enclausurados para o entretenimento humano. Ainda assim, entendo que, ao falar diretamente com crianças, esse tom de otimismo e esperança é necessário.

Os humanos gostam de colocar os outros em uma caixa e quando ousamos sair dessa caixa, somos considerados uma ameaça. Interessante quando a criança é a única a entender os desenhos de Ivan, porque ela representa justamente como os pequenos possuem esse dom de entender os outros ou de não ver essa maldade doutrinada pelos mais velhos. O Grande Ivan entende que precisa existir um mundo melhor quando se depara com um filhote. Não é porque sua realidade funcionou até ali que ela precisa funcionar para os mais pequenos. Eles estão crescendo e, definitivamente, possuem a sensibilidade de entender as modificações do mundo que, às vezes, os próprios adultos evitam enxergar. Eles estão crescendo e merecem um futuro melhor, que há de vir.

NOTA: 7,5

País de origem: EUA
Ano: 2020
Título original: The One and Only Ivan
Duração: 95 minutos
Disponível: Disney+
Diretor: Thea Sharrock
Roteiro: Mike White
Elenco: Sam Rockwell, Bryan Cranston, Danny DeVito, Angelina Jolie, Ariana Greenblatt

Crítica | Ferida

as batalhas da vida

Filmes sobre esportes são um campo certeiro para falar sobre superação. Essa ideia do lutador que apanha no ringue da vida também já foi altamente explorada na sétima arte. É assim que “Ferida” chega com um ar de desgaste, porque já vimos essa história inúmeras outras vezes e nos primeiros minutos de produção já sabemos exatamente como ela vai seguir. Dito e feito, o longa segue a cartilha e jamais surpreende. Aqui temos a ex-lutadora decadente de MMA, Jackie “Justice” (Halle Berry), que após o retorno de seu filho pequeno, decide aceitar a oportunidade de voltar aos holofotes.

As duas grandes decisões da carreira da protagonista foram tomadas devido ao filho. É um laço inexplicável que ocorre enquanto ela, no meio do caos que é sua vida, precisa aprender a ser mãe. É bela a relação ali na tela, mesmo que saibamos exatamente como ela será costurada e concluída. Jackie é uma personagem forte, onde Halle Berry, com presença marcante, escancara o cansaço e a dor em suas feições. Ela é a lutadora que teve que fugir, que viveu com o peso do abandono, de sua própria covardia. É curioso como o roteiro quebra um pouco esse estereótipo da guerreira que enfrenta, porque ela teve que se curvar aos outros, a temer uma voz mais alta que a dela. Foi tão apedrejada na vida que precisou entender as regras, se diminuindo para se encaixar. Em “Ferida”, não há a procura por redenção. É apenas uma mulher entendendo seu lugar de fato e encontrando forças para se reerguer e chegar ao topo.

A direção aqui é da própria Halle Berry e, apesar de não trazer um olhar novo dentro desse subgênero, acerta nesse campo de visão, onde ao início, é tudo muito fechado, pouco enxergamos além da personagem central. É embaçado, escuro, desenhando uma atmosfera densa e de pouco respiro. Ao decorrer, esse campo vai se abrindo, ganhando mais visão, mais espaço, mais cores. É Jackie aceitando esse mundo e enxergando as novas possibilidades que surgem.

“Ferida” é previsível e, infelizmente, apesar da longa duração, tudo se desenvolve muito apressadamente e pouco nos convence sobre suas evoluções. Até mesmo os recortes de treinos não passam verdade. Ainda assim, comove por essa dura jornada da protagonista. Aquele clichê que muitas vezes funciona na tela e traz boas recompensas ao final. E claro, vale por ver Halle Berry em um bom momento novamente.

NOTA: 6,5

País de origem: EUA
Ano: 2021
Título original: Bruised
Duração: 132 minutos
Disponível: Netflix
Diretor: Halle Berry
Roteiro: Michelle Rosenfarb
Elenco: Halle Berry, Shamier Anderson, Sheila Atim

Crítica | Imperdoável

Voltar a pertencer

Com boa atuação de Sandra Bullock, “Imperdoável”, da Netflix, é inspirado na minissérie britânica de mesmo nome lançada em 2009. A obra também marca o primeiro filme de língua inglesa da diretora alemã Nora Fingscheidt, depois do excelente “Transtorno Explosivo”. Apesar da premissa interessante, falta um bom roteiro para unificar suas tantas tramas, soando irregular na maior parte do tempo.

Já em seus primeiros minutos a produção escancara uma dura realidade. A vida daqueles que passam por um processo de ressocialização após anos encarcerados. Um retrato necessário ao dar visibilidade para aqueles que são jogados à margem, nos fazendo justamente refletir sobre segundas chances e quem somos nós para julgar o perdão do outro, sem antes conhecer a trajetória que cada um viveu. Surge, então, para dar voz a esse discurso, uma forte protagonista, que caminha com o peso da culpa e de seus traumas passados. Recém saída da prisão, Ruth (Bullock) agora tenta se readequar ao mundo depois de cumprir vinte anos de pena. Mas ela tem um plano ainda maior: ir atrás de sua irmã do qual nunca mais teve notícias.

Nesta sua jornada por encontrar aquela que ama, em um dos instantes mais potentes do filme, a protagonista grita “eu existo”. Ruth não está atrás do perdão, aceitou o preço que pagou e agora busca por ser vista, por pertencer. A obra, infelizmente, parece pouco acreditar na própria potência. Vai, aos poucos, deixando de escanteio esse drama social para dar espaço a um suspense tolo de vingança. O plot dos irmãos, além de ser digno de um SuperCine, leva a trama para um lugar desinteressante e previsível. E, infelizmente, acaba tendo mais peso na história do que merecia. Para piorar ainda mais esse cenário, o roteiro pouco sabe o que fazer com todos os seus personagens secundários, que possuem um ou outro momento de importância e logo depois são descartados. É assim que atores do calibre de Viola Davis, Vincent D’Onofrio e Jon Bernthal passam pela tela sem muito o que fazer.

“Imperdoável” tem seus bons instantes, como a revelação final que dá uma virada interessante na história. No entanto, acaba se sustentando demais na atuação de Sandra Bullock, que emociona em um produto pequeno demais para sua entrega. O texto é fraco e se perde em suas tantas narrativas, pincelando ideias, apressando eventos e nunca se aprofundando em seus temas. Vale em um sábado descompromissado, mas é sim uma bela de uma decepção.

NOTA: 6,5

País de origem: EUA
Ano: 2021
Título original: The Unforgivable
Duração: 112 minutos
Disponível: Netflix
Diretor: Nora Fingscheidt
Roteiro: Christopher McQuarrie
Elenco: Sandra Bullock, Viola Davis, Jon Bernthal, Vincent D’Onofrio, Rob Morgan

Crítica | Ataque dos Cães

A dor silenciosa

Interessante esse movimento atual do cinema, onde diretoras mulheres estão revisitando o faroeste. Um gênero que sempre explorou essa virilidade do homem e com “Ataque dos Cães”, a renomada Jane Campion, parece contestar esse universo tão bem estruturado pela sétima arte e dar voz a sentimentos não explorados. Uma obra contemplativa, onde esses ataques anunciados pelo título surgem de forma silenciosa e sádica e nunca na fúria que se espera de um animal selvagem.

Dividida em capítulos, a trama inicia-se quando, na década de 20, dois irmãos tentam administrar a fazenda que herdaram dos pais. Enquanto Phil (Benedict Cumberbatch) é o típico Cowboy grosseiro, George (Jesse Plemons) é tímido e educado. Ambos possuem visões distintas sobre negócios e sobre a vida. Essa brutalidade de Phil vai ganhando camadas ainda mais assustadoras quando seu irmão traz para dentro de casa a nova esposa, Rose (Kirsten Dunst), acompanhada do filho adolescente Peter (Kodi Smit-McPhee). Phil está decidido a confrontar esta união e fará de tudo para desestabilizar a mente de sua cunhada.

Nunca é claro o porquê das ações e o longa vai se transformando em um suspense enigmático e estranhamente convidativo. Uma guerra silenciosa em um faroeste introspectivo, onde as emoções contidas desses personagens são expressadas em pequenas ações, em detalhes e olhares. É assim que a obra se torna quase que uma experiência sensorial, porque nada vem de forma expositiva, mas ainda assim nos golpeia com força. Quando “Ataque dos Cães” terminou, me encontrei paralisado, tentando encaixar aquelas peças e tentando entender o porquê de tudo aquilo ter me afetado mais do que esperava. Acredito que seja porque, ao fim, entendemos o que estava aprisionado. Porque Phil é aquele lembrete doloroso que muita gente viveu sem ter a liberdade como opção.

Baseado no livro de Thomas Savage, o autor viveu no campo ao lado da esposa e manteve casos extraconjugais com homens. Talvez escrever sobre essa sua masculinidade aprisionada era seu escape, era a representação da sua dor, de tudo aquilo que não podia ser exposto. Phil, brilhantemente interpretado por Benedict Cumberbatch, é um grande personagem. Um dos mais complexos e fascinantes do cinema recente, eu arriscaria dizer. O filme acaba e ficamos revisitando seus passos, encontrando razões para sua violência, para sua fragilidade. É um ser que nos provoca, que nos causa ódio assim como também nos causa uma certa comoção. Kirsten Dunst também está impecável aqui, assim como Kodi Smit-McPhee, que surge como um surpreendente coadjuvante.

“Ataque dos Cães” é o melhor filme de Jane Campion desde “O Piano”, sua grande obra-prima. É o tipo de filme que vai crescendo em nossa mente mesmo depois de acabar. Que se mantém em nós. Um trabalho fascinante e um respiro necessário ao amontoado de produção que chega à Netflix.

NOTA: 9,0

País de origem: EUA, Reino Unido, Austrália
Ano: 2021
Título original: The Power of The Dog
Duração: 127 minutos
Disponível: Netflix
Diretor: Jane Campion
Roteiro: Jane Campion
Elenco: Benedict Cumberbatch, Kirsten Dunst, Kodi Smit-McPhee, Jesse Plemons

Crítica | Meios-Irmãos

Partidas e recomeços

Como é bom quando começamos a assistir a um filme e ele entrega algo, não apenas mais amplo, como muito melhor do que esperávamos. “Meios-Irmãos” se veste como uma comédia qualquer e, aos poucos, vai se revelando uma produção doce e emotiva, saindo do lugar comum que aparenta gostar. Iniciamos para passar o tempo e saímos dele com o coração tocado e imensamente feliz por ver uma obra tão singela e honesta.

A obra já acerta desde o começo, quando muito bem introduz seus personagens. Quando criança, Renato vê seu pai, que tanto era apegado, saindo de casa no México para morar nos Estados Unidos. Cresceu com a espera do retorno que nunca aconteceu. Adulto (Luis Gerardo Méndez), ele recebe o chamado desse pai ausente decidido a explicar tudo o que o ocorreu em sua vida e porque não pôde voltar. Nessa jornada para solucionar uma série de mistérios do passado, Renato precisa dividir a estrada com Asher (Connor Del Rio), seu meio-irmão que acabou de descobrir a existência.

É então que o filme dá largada para um divertido e imprevisível road movie. Claro que tem como base alguns clichês como quando reúne esses dois indivíduos que são obrigados a dividir o mesmo espaço mesmo se odiando. Eles são opostos e uma hora sabemos que vão se entender. Ainda que use desses elementos desgastados da comédia “pós-Se Beber Não Case” que envolve perseguições e gritarias, o roteiro é esperto e sabe explorar esses exageros sem perder a essência e sem esquecer de construir os personagens. É grosseiro, mas tem alma. Carrega consigo, nessa imprevisível viagem, muito carinho por esses encontros que narra, revelando boas intenções ao final.

Com um protagonista mexicano, “Meios-irmãos” faz uma bem-vinda crítica sobre como o país sempre foi retratado no cinema hollywoodiano. México sempre precisou do filtro amarelado para dizer sobre Cancún e cartéis de drogas. Existe muita história ali que ninguém se importou em conhecer. História, inclusive, de gente que largou tudo para tentar ter uma vida melhor em outro solo. A revelação que vem, ao fim, é bela e acaba sendo um registro surpreendentemente sensível sobre essas dolorosas partidas e recomeços. O final é de grande comoção e facilmente nos faz perder o riso e aceitar as lágrimas. É bonito e ganha ainda mais força pela ótima presença do ator Juan Pablo Espinosa.

Uma comédia prazerosa e que sabe muito bem trilhar ao drama, alcançando o ápice em um poderosíssimo encerramento. Bela surpresa.

NOTA: 8,5

País de origem: EUA, México
Ano: 202
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Título original: Half Brothers
Duração: 95 minutos
Diretor: Luke Greenfield
Roteiro: Jason Shuman
Elenco: Luis Gerardo Méndez, Connor Del Rio, Juan Pablo Espinosa

Crítica | Coquetel Explosivo

A virada no jogo

Filmes de ação com estética neon tem inundado o cinema. “Atômica”, “Kate” e até mesmo “John Wick” estão aí para provar. “Coquetel Explosivo” é mais um que mistura essa roupagem com elaboradas sequências de embate corporal. O que chama a atenção nessa produção, porém, é o forte protagonismo feminino, que ganha ainda mais destaque pelo o que há nas entrelinhas do texto. A graciosidade aqui é poder ver um elenco feminino, de certa forma subestimado, ocupando um espaço que até pouco tempo atrás só era ocupado por homens. Elas estão unidas e armadas e nós estamos ao lado delas nesse confronto.

A protagonista é Sam, interpretada por Karen Gillan, uma assassina de aluguel que, após uma missão de alto risco, acaba perdendo a proteção de sua organização, além de ter que proteger uma garota de oito anos, filha de uma de suas vítimas. É então que a obra oferece uma eletrizante perseguição, colocando em cena outras mulheres que irão ajudar a personagem nessa violenta jornada. Confesso que é divertidíssimo e inesperado ver Lena Headey, Carla Gugino, Michelle Yeoh e Angela Bassett mandando ver na ação. É ótimo vê-las aqui e o filme só cresce quando estão juntas.

“Coquetel Explosivo” é, visualmente, bem inventivo. Ao explorar diversos (e belos) cenários, o longa acaba por criar um universo muito único. Passa a sensação de que estamos desbravando um mundo desconhecido, com uma lógica própria. As personagens estão sempre adentrando novas passagens, fazendo com que o filme sempre siga uma outra direção, empolgando e nos mantendo atentos. Infelizmente, porém, ainda que acerte nesse visual, a direção de Navot Papushado enfraquece a ação. É tudo muito criativo, mas falta movimento, velocidade e algo que deixasse mais crível esses embates. Essa fraca condução acaba por diminuir o potencial de diversos momentos promissores, como a sequência no boliche ou a luta dos anestesiados. Mas é uma produção que tem estilo, trazendo, ainda, uma boa seleção musical.

Teria sido ótimo ver uma mulher na direção, isso só fortaleceria seus bons discursos. “Coquetel Explosivo” faz uma interessante analogia sobre esse mundo comandado por homens. Homens poderosos que, por anos, ditaram as regras e as alteraram quando foi preciso. Esses seres intocáveis e que sempre se safaram de seus crimes. Precisa haver uma ruptura, uma virada no jogo e, ao fim, a obra traz essa visão esperançosa. A visão de que mulheres estão ocupando os espaços que antes eram negados.

NOTA: 7,5

País de origem: EUA
Ano: 2021
Título original: Gunpowder Milkshake
Duração: 114 minutos
Disponível: Prime Video
Diretor: Navot Papushado
Roteiro: Navot Papushado, Ehud Lavski
Elenco: Karen Gillan, Lena Headey, Carla Gugino, Michelle Yeoh, Angela Bassett, Paul Giamatti

Crítica | Identidade

A cor dos privilégios

Baseado no elogiado livro de Nella Larsen, “Identidade” marca o debute na direção da atriz Rebecca Hall. É um primeiro passo audacioso por explorar um universo tão complexo, conseguindo, ainda, extrair belíssimas atuações das duas protagonistas.

Filmado em preto e branco e na proporção de tela 4:3, aquele mais quadrado, o longa parece vir de outro tempo. Seja, ainda, pela calmaria e interpretações, tudo nele indica esse cinema da época em que relata, quando se discutia o american way of Life e o jazz e a moda estavam tão presentes na arte. É uma produção elegante, até um tanto cansativa, preciso dizer, mas imensamente intrigante por seus temas.

A trama envolve o reencontro de duas velhas amigas nos anos 20. Como sendo uma mulher negra, Irene (Tessa Thompson) se choca ao perceber que Clare (Ruth Negga), se passa por branca e vive sob os privilégios de uma identidade que não é sua. Esse encontro inesperado abre uma rachadura na forma como ambas vivem naquela sociedade. Irene tenta manter uma pose de felicidade, acreditando nesse mundo perfeito para os negros nos Estados Unidos, no entanto, com a aproximação de sua amiga, essa sua crença vai se fragmentado e ela passa a refletir sobre sua existência, sobre como seria se estivesse do outro lado.

São duas mulheres desconexas na própria vida. E quanto mais Irene vê Clare se apropriando de sua rotina, mais ela se afasta, mais se sente sendo substituída por aqueles que ama, por aquele padrão de vida que ela achava ser tão correto. A protagonista, então, se afunda nesse campo entre receios, incertezas, inveja e até mesmo de desejos reprimidos, visto que sua aproximação com a amiga vai além de algo apenas fraternal. Além desse interessante debate sobre colorismo e também sobre como nunca saberemos como é estar na pele do outro, o roteiro se aprofunda na complexidade dessas relações, alçando um final enigmático. Causa uma certa estranheza pela resolução apressada, ao mesmo tempo em que causa uma angústia, uma revolta.

Uma pena, porém, pela baixa divulgação, que as atuações de “Identidade” não alcancem as grandes premiações. Tessa Thompson nunca esteve tão incrível como aqui, revelando tanta coisa com seus olhares e silêncio. Uma interpretação intimista e poderosa. Ruth Negga é outra atriz que merecia mais atenção. Sua presença é hipnotizante. Vê-las em cena é um presente e o texto extrai o que há de melhor nas duas. Um filme fascinante por trazer temas que, confesso, nunca vi sendo debatidos no cinema. Intriga ao se sensibilizar por sentimentos tão difíceis de serem expostos.

NOTA: 8,0

País de origem: EUA, Reino Unido
Ano: 2021

Título original: Passing
Duração: 98 minutos
Disponível: Netflix
Diretor: Rebecca Hall
Roteiro: Rebecca Hall
Elenco: Tessa Thompson, Ruth Negga, André Holland, Bill Camp, Alexander Skarsgård

Crítica | Maid

o poderoso e necessário retrato de uma jovem mãe

Inspirada na história real de Stephanie Land, relatada no livro “Superação: Trabalho Duro, Salário Baixo e o Dever de Uma Mãe Solo”, a trama acontece em 10 episódios e nos revela a emocionante jornada de Alex (Margaret Qualley), uma jovem que foge, com a pequena filha nos braços, do trailer em que vivia com o namorado, onde era vítima de um relacionamento abusivo. Fora dali, ela precisa se reestruturar para provar que tem condições de cuidar de uma criança, dependendo de burocráticos auxílios governamentais e trabalhando como empregada doméstica.

Um processo doloroso e solitário esse enfrentado pela protagonista. É ela se doando por inteira à filha sem qualquer tipo de recursos, enquanto não pode contar com ninguém, nem mesmo com a própria família. Alex é um misto de fragilidade e força. O mundo vai pesando em seus ombros quando ela não pode cair. Toda essa jornada é narrada com extrema sensibilidade pelo roteiro, por vezes, emocionando de forma intensa. Acompanhamos a personagem enfrentando diversos obstáculos com um aperto no peito. Nos toca porque é real, porque fala com honestidade. Porque é tudo, infelizmente, muito possível.

“Maid” surpreende pela forma como trabalha esse abuso psicológico enfrentado por Alex. Seu namorado é Sam, o bom moço, amigo de todos, aquele que todos querem por perto. O que torna essa situação tão assustadora é porque ninguém pode vê-lo como culpado a não ser ela, a única vítima. O texto trata tudo isso com maturidade e extrai reflexões necessárias. A relação da protagonista com os demais personagens são bastante complexas, seja dela com esse ex-namorado, com a mãe bipolar ou com a interessante presença de uma patroa do qual ela trabalha por um tempo. Todos esses indivíduos são escritos com inteligência e engrandecem essa caminhada.

“Maid” tem ainda a seu favor a potente atuação de Margaret Qualley. Ela entrega tudo ali e nos emociona. A troca dela com Andie MacDowell, sua mãe também na vida real, é brilhante. São duas grandes atrizes em cena e que fazem o show valer a pena. Recomendo fortemente e digo que, apesar das tantas lágrimas escorridas, a recompensa é altíssima. Facilmente, uma das minisséries mais incríveis desse ano.

NOTA: 9,5

País de origem: EUA
Ano: 2021
Duração: 10 episódios/ 539 minutos
Disponível: Netflix
Criadora: Molly Smith Metzler
Elenco: Margaret Qualley, Andie MacDowell, Nick Robinson, Anika Noni Rose, Billy Burke

Crítica | A Lenda de Candyman

Histórias de dor sobrevivem

Apesar de ser uma continuação direta do filme de 1992, “Candyman” também pode funcionar para quem desconhecia a história. Os eventos já ocorridos são relatados aqui como lendas e muito bem situam um novo público. Agora com direção de Nia DaCosta, é interessante como eles amplificam esse universo, trazendo questões raciais ainda mais escancaradas e situações mais pavorosas.

Criada pelo escritor britânico Clive Barker, o mesmo de Hellraiser, a lenda urbana de Candyman teve sua primeira aparição em 1984 no conto “The Forbidden”. Tem como base uma ação clássica de nossa infância: dizer o nome dele cinco vezes no espelho e ele aparecerá para te matar. Assim como no primeiro filme, aqui o roteiro também usa dessa premissa simples para discutir racismo estrutural e gentrificação. Mas também se atualiza e deixa suas intenções ainda mais claras e poderosas. Candyman era um homem negro que foi brutalmente assassinado no passado. Reviver sua lenda é não deixar essa dor da violência ser esquecida. Ela precisa sobreviver porque é um sinal de luta, de resistência.

O novo protagonista é Anthony, artista plástico vivido por Yahya Abdul-Mateen II, que vive com sua namorada em um condomínio de luxo. Para um novo projeto de pintura, ele passa a se inspirar nos eventos macabros ocorridos em Cabrini-Green. No entanto, sua arte acaba por despertar novamente a ira de Candyman, trazendo consigo novas vítimas. A trama traz algumas semelhanças com o primeiro filme, mas existe brilhantismo na forma como faz esse resgate, seja pelas pesquisas do passado feitas por Anthony, seja por sua nova obsessão pelo caso. O roteiro, que também é assinado por Jordan Peele, traz algumas sacadas brilhantes e muita reflexão. A produção vem requintada e a direção de Nia da Costa eleva o nível, encontrando saídas visuais que causam fascínio. As cenas são belas, existindo sempre esse equilíbrio desconfortavelmente simétrico, espelhado assim como esse plano em que Candyman ressurge.

Apesar de acentuar suas provocações, é um filme em que suas intenções são maiores que ele mesmo. Ainda que seja um resgate necessário e bastante atual, como saldo final, não fica muito à frente de seu antecessor, que já possuía suas falhas. O texto, infelizmente, conduz muito mal essa jornada do protagonista, do qual nunca estamos conectados. Suas transformações nunca são convincentes, assim como a dos personagens que o cercam. O ato final é de uma confusão absurda, não deixando claro como a história chegou naquele ponto. É corrido e decepciona, não estando a altura do que prometia lá no começo.

NOTA: 6,5

País de origem: EUA, Canadá
Ano: 2021

Título original: Candyman
Duração: 91 minutos
Diretor: Nia DaCosta
Roteiro: Nia DaCosta, Jordan Peele, Win Rosenfeld

Elenco:Yahya Abdul-Mateen II, Teyonah Parris, Colman Domingo, Vanessa Williams