Crítica: Matrix Resurrections

Uma aula de como não retomar uma franquia de sucesso

Passei por uma maratona de “Matrix” antes de chegar nesse quarto capítulo, reassistindo os outros três que tão pouco recordava. O primeiro continua excelente, de fato, um marco. O segundo, assim como o terceiro também, traz grandes ideias jogadas em um roteiro sem muita intenção de desenvolvê-las, revelando, infelizmente, uma filosofia que soa profunda, mas é apenas vazia e preguiçosa.

É assim que, quase vinte anos depois, a criadora Lana Wachowski, agora sem Lilly, retorna ao universo por alguma razão que em duas horas não consegue justificar. E mais uma vez, sua obra pretende ser profunda com seus diálogos extremamente expositivos, quando, na verdade, é só algo tolo e descartável. O filme inteiro é um personagem precisando descrever para outro o que está acontecendo. A aventura nunca flui, apenas é explicada. Parece ter sido escrita por um adolescente fanfiqueiro, que não sabia se faria uma homenagem, um reboot ou só uma paródia mesmo. Uma forma vergonhosa de revisitar algo que tanta gente respeita e admira.

“Pegaram a sua história, algo que significava tanto para as pessoas como eu e transformaram em algo trivial (…) Onde mais enterrar a verdade senão dentro de algo tão comum como um videogame.” A roteirista, através da metalinguagem, busca criticar os grandes estúdios do cinema e essa facilidade que eles possuem em destruir algo com significado apenas para ter uma franquia lucrativa. O discurso de Lana é ousado e afrontoso sim, mas infelizmente se torna patético quando decide ilustrá-lo com uma produção tão genérica. Bater de frente com o cinema blockbuster Hollywoodiano e sua trivialidade entregando um filme trivial me soa apenas preguiçoso. Ela consegue o feito de transformar sua bela criação em uma longa piada de mal gosto e extremamente desrespeitosa com aqueles que admiram a saga. É esperto não entregar o que os fãs querem, mas é decepcionante quando a obra se camufla dentro daquilo que pretende criticar.

Para piorar a situação, o texto aqui é fraquíssimo, deixando o elenco pouco à vontade. Entendo que Keanu Reeves é uma persona adorável, mas que brochante é assistir algo com alguém que nitidamente não tem a menor vontade de estar ali. Com soluções tolas, “Matrix Resurrections” mais parece um episódio ruim de Sense8 (ou uma desculpa para juntar o elenco de novo). O belo visual até desperta nossa atenção, mas aí perde novamente com suas sequências pouco inspiradas de ação e confronto corporal, que nada nos lembra a agilidade presente nos capítulos anteriores.

Houve, no cinema recente, uma saturada necessidade de revisitar franquias de sucesso. Poucas vezes, porém, me vi diante de um retorno tão podre como este. Lana precisava ter se esforçado um pouco mais para fazer um filme ruim. Esse está abaixo disso. Está no nível insulto mesmo.

NOTA: 4,0

País de origem: EUA
Ano: 2021
Duração: 148 minutos
Disponível: HBO Max
Diretor: Lana Wachowski
Roteiro: Lana Wachowski
Elenco: Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss, Jonathan Groff, Yahya Abdul-Mateen II, Jessica Henwick, Neil Patrick Harris, Jada Pinkett Smith, Priyanka Chopra Jonas, Lambert Wilson

Crítica | Mães Paralelas

dois filmes que não se encontram

Depois de tantos acertos na carreira, é inevitável não ficar empolgado com os retornos de Pedro Almodóvar. No auge de seus 70 anos, é lindo poder acompanhar esse seu cinema sempre aberto a tratar do universo feminino com tanta sensibilidade. Acontece que, apesar das cores fortes e estampas marcantes que ilustram seus cenários, poucas vezes sua arte foi tão pálida como aqui. “Mães Paralelas” tem boas intenções, mas falta um bom roteiro para unir todas elas.

O roteirista deixa registrado aqui seu manifesto político. Ao falar de herança, Almodóvar diz sobre a importância do resgate histórico na construção de nossa identidade. Ele revela a dívida que a Espanha tem com as mulheres que nunca puderam enterrar dignamente seus entes desaparecidos em tempos de guerra e os reflexos dessa ausência na vida de todas elas. Para desenhar isso, ele coloca em cena Janis, personagem brilhantemente defendida por Penélope Cruz, que decide buscar o corpo do bisavô. A história dessa mulher é uma repetição da de seus ancestrais. Ela carrega a herança de sua casa, mas também a tradição feminina de criar uma filha sem a presença do homem. Entender o passado é ter consciência sobre o presente e instrumento para poder mudar o futuro.

Em “Mães Paralelas”, o diretor constrói dois filmes que até se conectam diante de uma reflexão, mas que não fluem de forma harmônica. Um deles sempre precisa pausar para que o outro prossiga. Duas tramas não paralelas, que jamais caminham juntas. Almodóvar pincela o plot dos corpos enterrados ali no começo e volta ao final de maneira abrupta e sem muito cuidado. Já a história das mães, que se unem depois de realizarem o parto no mesmo dia, preenche grande parte da produção. Infelizmente, porém, o roteirista nunca revela ter muito apreço a ela, a construindo apenas para ilustrar um pensamento, sem jamais dar a alma que merecia. Existe um suspense fascinante ali entre as duas personagens centrais que nunca ganha vida, encerrando-se ainda de forma preguiçosa e sem emoção. Ele cria uma ideia novelesca que intriga, mas a finaliza de qualquer jeito, como se nada, além da escavação, tivesse realmente importância.

É assim que “Mães Paralelas” nunca empolga e nunca demonstra ter um propósito específico. É frustrante demais a maneira como finaliza a história das mães, sem ser justo com as personagens e nem com a belíssima entrega das duas atrizes. O fim até se esforça para ser poético, mas foi tudo guiado de forma tão morna até ali, que foi difícil comprar suas intenções. Tem muitos acertos sim, mas facilmente esquecemos.

NOTA: 6,5

País de origem: Espanha
Ano: 2022
Título original: Madres Paralelas
Duração: 120 minutos
Disponível: Netflix
Diretor: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Elenco: Penélope Cruz, Milena Smit, Israel Elejalde, Rossy de Palma