As histórias que não vivemos

Já se passaram alguns dias desde que assisti a esse filme e eu simplesmente não consigo parar de pensar nele. É tão bom quando o cinema provoca isso em nós. Quando ele continua acontecendo em nossa mente, mesmo depois de acabar. “Vidas Passadas” deixou de ser, pra mim, um mero indicado ao Oscar. É daqueles filmes que vou carregar comigo, guardado em um canto muito especial na memória. Celine Song, que escreve e dirige, narra uma jornada muito íntima e que, provavelmente, vai bater de uma forma diferente para cada um. E digo que aqui dentro me preencheu como eu não esperava, me fazendo chorar quando eu nem entendia o porquê. 

Perfeição é uma definição muito complexa dentro da arte, mas vou dizer que “Vidas Passadas” é um daqueles raros casos em que eu não mudaria absolutamente nada. Nem sequer uma vírgula. Tudo acontece por uma razão e cada pequeno detalhe está contando algo. E tudo flui, sempre, pelo melhor caminho possível, sem fraquejar, sem tropeçar, costurando ali uma bela sucessão de acertos. Por se tratar de uma trama semi autobiográfica, Celine escreve de uma forma muito pessoal e isso faz muita diferença. Há honestidade em cada linha e a sensação de que ela navega por uma lembrança que precisava de cura. Consegue extrair, também, muita naturalidade de cada situação, revelando uma história de amor madura, possível e extremamente realista. E é aí que ela nos machuca.

O filme narra o desencontro entre Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo). Os dois tiveram uma conexão profunda na infância, mas tiveram que se separar quando a família de Nora decide se mudar da Coreia do Sul para viver no Canadá. Eles se reencontram, vinte e quatro anos depois, em uma semana que os faz reviver o passado, as histórias que não viveram e as escolhas que fizeram ao longo de suas jornadas. 

É então que a obra nos apresenta o conceito de In-Yun, uma expressão coreana relacionada à destino. A união de duas almas que vão além do puro acaso, que possuem uma ligação de vidas passadas. Definitivamente, é muito bonito esse encontro dos dois personagens e mexe muito com nossos sentimentos justamente por esse fator cruel do “e se”. De pensarmos o que teria sido deles caso não tivessem sido separados, caso decidissem viver esse romance quando mais jovens. Por isso é tão potente o reencontro dos personagens já adultos. O silêncio entre eles diz tanto. Os olhares, os toques repentinos. Existe um mundo inteiro nas palavras não ditas e Celine Song capta isso de uma maneira muito sensível e verdadeira. E muita cativante também. 

“Vidas Passadas”, ao fim, nos faz pensar nessa coisa louca que é o destino. Nos caminhos improváveis que traçamos, sempre movimentados pelas escolhas que fazemos, mas também por aquelas que decidimos não fazer. As experiências perdidas também nos moldam, também nos levam para um outro lugar. Sinto que a presença de Hae Song na vida de Nora é mais do que um romance não vivido, mas também toda a relação de um país que ela deixou para trás. É ela precisando aceitar, como imigrante, que hoje vive um outro capítulo. Nunca é uma questão de culpa, mas sim de encarar as decisões que fez e fazer as pazes com elas. 

Greta Lee e Teo Yoo estão incríveis e eles são responsáveis por nos fazer viver essa experiência com o coração apertado e um nó na garganta. Me vi quase sem respiração na fatídica cena da calçada. E fazia muito tempo que um filme de romance não me fazia sentir isso. Por todas essas razões digo que “Vidas Passadas” é muito especial. Me comoveu de uma forma muito intensa, além de ser incrivelmente gostoso de assistir. Fiquei fascinado por todos os diálogos, por todas as cenas. Por cada segundo.

NOTA: 10

País de origem: EUA
Título original: Past Lives
Ano: 2023
Duração: 106 minutos
Diretor: Celine Song
Roteiro: Celine Song
Elenco: Greta Lee, Teo Yoo, John Magaro

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