Produzida por Tobey Maguire, a comédia “Get Duked!” é absurdamente insana. Pode afastar grande parte do público pelo nível elevado de brisa, mas pode surpreender positivamente também, o que é o meu caso. Trata-se de um produto original, revigorante e um prato cheio para os admiradores do humor ácido britânico.
A divertida trama gira em torno de um grupo de jovens infratores que são indicados à completar uma tradicional caminhada para ganhar um prêmio, símbolo de uma readequação social. No entanto, nas altas montanhas que caminham, passam a ser alvos de aristocratas que matam por puro esporte, eliminando, assim, aqueles indivíduos que arruinam a integridade da espécie.
Com roteiro ágil e ótimas sacadas, o filme é um experimento inventivo, que diverte sem deixar de passar suas poderosas mensagens. No meio de seu sarcasmo, o longa acerta essa ferida da alta sociedade que se sente ameaçada quando pessoas menos privilegiadas passam a ganhar oportunidades. Como é bom e raro encontrar comédias assim! Bizarro, inteligente e insanamente adorável.
NOTA: 8
Duração: 87 minutos Disponível: Prime Video Direção: Ninian Doff Elenco: Samuel Bottomley, Viraj Juneja, Rian Gordon, Lewis Gribben
Segundo longa-metragem de David Robert Mitchell após o elogiado “Corrente do Mal”. Ele volta a trabalhar em filme de gênero, mas amplia aqui suas possibilidades, sem receios de caminhar pela comédia e o suspense. Tem um toque de erotismo também e do estilo noir, onde um jovem caminha pela cidade para desvendar um cabuloso mistério. Há muita intenção condensada em único filme, buscando fortes referências à Hitchcock e esta força dos símbolos dentro de suas composições e, principalmente, às pirações de David Lynch. Enquanto que sua ação ocorre em Los Angeles, o cineasta aproveita para costurar uma grande homenagem ao cinema e as estes tantos nomes que deixaram um legado. No melhor estilo de “Cidades dos Sonhos”, que coloca Hollywood como parte central de sua trama, “O Mistério de Silver Lake” é o mais próximo de Lynch que o cinema recente alcançou.
É curioso como o filme vai sendo construído, onde seu protagonista traça uma jornada sem muito sentido e seguindo um rumo repleto de imprevisibilidades. Existe uma lógica que, até grande parte da trama, parece existir apenas em sua cabeça. Sam (Andrew Garfield) é um jovem perdido e punheteiro que entra em uma grande paranóia quando sua vizinha desaparece subitamente e um assassino de cachorros está a solta pelas ruas. Decidido a entender o que de errado está acontecendo, ele passa a procurar pistas nos mais improváveis lugares e achar uma razão para tanta insanidade. Seja em uma embalagem de sucrilhos ou nas HQs que coleciona, tudo passa a ser alvo de suas investigações. É uma busca um tanto quanto cômica e existe brilhantismo nesta aleatoriedade do roteiro. David Robert Mitchell cria uma cosmologia própria, que ganha proporções cada vez mais bizarras e fascinantes. Há uso de muitos simbolismos aqui, deixando rastros de significados que podem não ser claros à primeira visita.
Sam é o retrato de uma geração desmotivada, que segue sem grandes perspectivas. Vive sua vida banal sabendo que não haverá nenhuma recompensa por seus atos. Tem forte apego e é completamente dependente da cultura pop, que são uma das raras coisas com significado em sua rotina. “O Mistério em Silver Lake” diz muito sobre essa geração que não mais cria, vive apenas do reflexo do que já foi dito, escrito, inventado. Que aplica sentimentos e significados variados à qualquer item como forma de mantê-los motivados ou intrigados por alguma coisa nova. Nós não temos mais os vampiros e lobisomens, mas nem por isso deixamos de desenvolver nossas próprias paranoias. Criar este mistério para Sam é quase como uma necessidade, uma prova de que ainda está vivo. O longa ainda aproveita para debater justamente esta fragilidade da cultura atual, que ainda que depositemos sensações e representações à tantos ícones, muitas vezes essas criações são apenas fruto da ganância de alguém. No meio de toda essa loucura e da comicidade de tudo isso, a obra não deixa de plantar uma semente da dúvida em nós, que por alguns minutos passamos a vivenciar dessas conspirações e a questionar se de fato há mais significado por de trás de tudo aquilo que consumimos.
O grande acerto do filme é não se levar a sério. É entender o quão absurdo é e fazer piada de si mesmo. Há coragem em cada saída encontrada e uma originalidade que falta no cinema atual. Ser comparado com Lynch é o maior elogio que essa obra poderia receber e finalmente tivemos algo à altura dessa comparação. Claro, é preciso abstrair muito para se deixar levar por tantas pirações, mas é uma viagem gratificante, insana sim, mas altamente genial. David Robert Mitchell se mostra, mais uma vez, um diretor notável, nos fazendo mergulhar nas neuras de seu protagonista, muito bem defendido por Andrew Garfield. O que vale aqui não são as respostas ou as resoluções de sua trama, mas o caminho que percorre até chegar lá.
NOTA: 8,5
País de origem: EUA Ano: 2018 Duração: 136 minutos Título original: Under The Silver Lake Distribuidor: – Diretor: David Robert Mitchell Roteiro: David Robert Mitchell Elenco: Andrew Garfield, Riley Keough, Grace Van Patten, Jimmi Simpson, Topher Grace, Zosia Mamet
“Gabriel e a Montanha” é um filme especial. Daqueles que se visto no momento certo da vida, pode ter um significado ainda mais profundo. É assim que me encontro com esta obra que, mais do que contar uma trágica história real, faz um belo tributo a alma deste jovem chamado Gabriel que, aos 28 anos de idade, morreu nas altas montanhas no Malaui, enquanto fazia sua viagem de descobertas pela África, apenas 10 dias antes de retornar ao Brasil.
O estudante fazia sua jornada de forma sustentável, gastando pouco e buscando abrigo com estranhos, se permitindo conhecer de perto a cultura e história do povo africano. O diretor Fellipe Barbosa era amigo de Gabriel e realiza aqui um trabalho bastante pessoal. Há uma beleza indescritível que permeia por toda a obra e uma honestidade que torna tudo ainda mais intenso, mais doloroso. Ao visitar os locais e pessoas reais, o filme nos atinge e espanta pela qualidade e brilhantismo com o qual domina essa linha tênue entre ficção e documentário.
O longa evita o caminho mais fácil e não desenha Gabriel como herói ou uma santidade. Ele era humano, cheio de falhas e é fantástico como o roteiro não ignora seus privilégios. O ator João Pedro Zappa é gigante, traz força e uma espontaneidade adorável à seu personagem. Acreditamos em sua bondade, em sua paixão e em suas fragilidades. Existe poesia em cada minuto deste filme, que mergulha de coração nesta jornada solitária e libertadora. Um filme imenso, inundado de sentimento e verdade. Sem dúvidas, uma das produções nacionais mais incríveis que tive a chance de conhecer nos últimos anos.
NOTA: 9
Duração: 131 minutos Disponível: Telecine Play Direção: Fellipe Barbosa Elenco: João Pedro Zappa, Caroline Abras
O roteirista Aaron Sorkin chamou a atenção da crítica, há dez anos atrás, quando usou do tribunal para investigar a mente de Mark Zuckerberg no irreparável “A Rede Social”. Ele retorna a este ambiente para contar mais um evento real, desta vez, focando no longo e histórico julgamento dos “7 de Chicago”, quando um grupo de ativistas foi acusado de incitar tumulto enquanto protestava nas ruas contra a Guerra do Vietnã.
O filme quase todo é centrado dentro do tribunal, com alguns pouquíssimos flashbacks que nos situam ao que realmente aconteceu. Sorkin é mestre nessas longas discussões, contando sempre com um texto verborrágico e de poucas pausas. Ainda que narre um acontecimento do final da década de 60, os debates que consegue extrair de tudo isso é extremamente atual e relevante. É assustador e causa incômodo, não apenas pela postura violenta da polícia, como o despreparo do juiz diante do caso, criando um espetáculo do qual ele já tem certo sobre quem são os culpados e as vítimas da história.
Apesar das boas reflexões que deixa, “Os 7 de Chicago” é formulaico e frustra ao se deixar cair nas armadilhas do subgênero. O falatório é calculado e mais clama por um Oscar do que por honestidade. O grande pecado do texto é se apegar ao julgamento e esquecer daqueles que estão sendo julgados. Passamos o filme todo vendo detalhes ricos das discussões sem jamais conhecer os verdadeiros personagens da história. Aaron Sorkin pode demonstrar grande conhecimento de tribunais, mas esquece das vidas que preenchem aquele espaço. Sabemos o que eles fizeram, mas jamais sabemos quem eles foram.
Como diretor, Sorkin também segue as fórmulas e não reinventa aquele ambiente, sendo visualmente tedioso. Ao menos ele acerta na condução do elenco, extraindo ótimas atuações principalmente de Sacha Baron Cohen, Yahya Abdul-Mateen II, Frank Langella e Mark Rylance. Eddie Redmayne me surpreendeu também. Havia tempo que não o via tão livre de seus tantos trejeitos.
Ao fim, o diretor ainda nos presenteia com um momento surpreendentemente piegas, com trilha sonora pesada e bastante desconexo com o que havia apresentado até ali, optando por uma dramaticidade desastrosa que diminui a força de seus bons discursos.
NOTA: 6,5
País de origem: EUA Ano: 2020 Duração: 129 minutos Título original: The Trial of the Chicago 7 Distribuidor: Netflix Diretor: Aaron Sorkin Roteiro: Aaron Sorkin Elenco: Eddie Redmayne, Joseph Gordon-Levitt, Mark Rylance, Sacha Baron Cohen, Jeremy Strong, Alex Sharp, Frank Langella, Michael Keaton, Yahya Abdul-Mateen II, John Carroll Lynch
Nolan é daqueles cineastas que vale a pena esperar. Ele erra pouco, é audacioso, pretensioso ao máximo e talvez o diretor mais corajoso ainda em atividade. Não faz nada pela metade. Em sua brilhante jornada, que já trouxe obras-primas como “Dark Knight”, “Amnésia” e “Inception”, Nolan sempre soube trazer um equilíbrio entre entretenimento e inteligência, construindo uma linha interessante de blockbusters de alta qualidade. “Dunkirk” é, definitivamente, seu produto mais refinado. E isso não quer dizer o melhor.
A trama, que se baseia na Evacuação de Dunquerque, acontece na Segunda Guerra Mundial, quando um grupo de soldados britânicos são encurralados pelos alemães e não conseguem mais retornar para a casa. Sem contar sua história em ordem cronológica, o filme não foca em personagens, mas sim em diferentes planos e pontos de vista. Dessa forma, descobrimos o que acontecia no mar, na terra e no ar. Em um conjunto geral, por fim, “Dunkirk” aborda a luta de cada indivíduo ali dentro daquele ambiente extremamente vulnerável, fazendo o impossível para sobreviver. É bonito neste sentido, em como ele nos revela este instinto dos soldados em salvar o próximo, onde o tempo inteiro uma ação solidária está em ação. Nolan consegue criar um universo assombroso pelo caos da Guerra, mas também consegue transmitir este tom esperançoso, que emociona. O mundo pode estar no fim, mas a vontade de viver não. Ele acerta, também, ao trazer uma perspectiva diferente de todos os outros filmes de combate. Seus soldados não estão mais na batalha e não são mais heróis. O texto destrói este glamour que o cinema criou sobre a Guerra. Aqui ninguém quer estar nela e os que restam, não se sentem vitoriosos e patriotas, apenas desolados, corrompidos e o pior de tudo, fracassados.
É nítido que não há um roteiro aqui e isto não é um defeito. Nolan, pela primeira vez, esqueceu os personagens, diálogos fortes e reviravoltas mirabolantes. Focou nas sensações, mostrando sempre de um plano maior um único evento. Seu grande trunfo é que “Dunkirk” é sim uma grande experiência. Conseguiu com maestria nos colocar ali dentro da ação. Da primeira a última sequência, estamos completamente imersos em sua proposta. Com sua trilha sonora constante e épica, marcando mais uma bela parceria com Hans Zimmer, a movimentação de sua câmera que não nos permite fugir e principalmente seu alto e eloquente som que nos faz ouvir e, consequentemente, sentir o peso, a dor e a pressão de estar naquela Guerra. Batalhas não são silenciosas e a equipe de som não poupou nossos ouvidos. É estrondoso e, confesso, incomoda. Faz parte da proposta, torna a sensação ainda mais real. E tudo gira em torno disso. Nos colocar ali. Funciona. É doloroso, desconfortável, assustador.
Preciso dizer, porém, não ter um protagonista a quem seguir os passos diminui a força da obra. São personagens jogados, que estão sempre assistindo. Não sofremos e torcemos por alguém específico e isso querendo ou não, faz falta, principalmente quando os tantos indivíduos ali retratados ou não saem do lugar, como um dispensável Tom Hardy que permanece a trama inteira no ar – e cansa pela repetividade -, ou são insignificantes e não tem muito a dizer ou fazer em cena. Nolan, que sempre tão bom em construir e desenvolver personagens esqueceu de dar vida a todos eles que soam insignificantes na maior parte do tempo. Mesmo não existindo papéis a altura de talentos como os ótimos Cillian Murphy e Mark Rylance, ainda consegue entregar algumas boas revelações, como o jovem Fionn Whitehead e a grande surpresa, Harry Styles.
Visualmente, a obra choca pelo nível de realismo que alcança. Christopher Nolan é um diretor brilhante e domina cada sequência, nos fazendo sempre nos perguntar como tudo aquilo foi feito. É bonito de ver. Por outro lado, estranhamente, dentre os clássicos do diretor, “Dunkirk” pode até ser o mais refinado, no entanto, é um dos menos marcantes de sua carreira. Como experiência dentro de um cinema, é maravilhoso. Fora dele, não tem vida muito longa como seus outros trabalhos. É um filme excelente que se destaca, mas falta algo. Existe um vazio que permeia por toda a obra, que ao mesmo tempo que nos aproxima pelo realismo, nos afasta pela ausência de conteúdo, de uma história, de alma.
NOTA: 8
País de origem: EUA Ano: 2017 Duração: 106 minutos Título original: Dunkirk Distribuidor: Warner Bros. Diretor: Christopher Nolan Roteiro: Christopher Nolan Elenco: Fionn Whitehead, Mark Rylance, Kenneth Branagh, Cillian Murphy, Harry Styles, Barry Keoghan, Tom Hardy, James D’Arcy
O cinema sempre procura encontrar novas formas para falar sobre crescimento, sobre aquela fase complicada em que se deixa de ser adolescente e passa a encarar com mais seriedade os dilemas da vida. É o conhecido coming of age e “Rota Selvagem” vem para dar uma nova voz a este processo, seguindo um rumo nada óbvio para falar sobre um assunto comum. É um filme único, dono de uma beleza única.
Acompanhamos, então, a jornada de Charley (Charlie Plummer), um jovem que é forçado a crescer diante de inesperadas mudanças em sua vida. Após ver seu pai (Travis Fimmel) sendo gravemente ferido e ficar em coma em um hospital, o jovem decide, por não ter ninguém a quem possa pedir ajuda, buscar auxílio em um amigo recente, Del (Steve Buscemi), que cria e treina cavalos para corridas. Um desses cavalos é Lean On Pete – que dá nome ao título – que está fraco e pode ter seus dias contados. Nessa fragilidade e fim iminente do animal, Charley sente uma grande afinidade por ele, nascendo ali uma amizade e uma necessidade de proteção, de ambas as partes.
O que difere a obra é que ela está constantemente saindo do lugar comum, sempre seguindo um caminho que não suspeitávamos previamente. Quando o protagonista parece atingir sua zona de conforto, o roteiro o obriga a construir uma nova jornada. Desta maneira, “A Rota Selvagem” é dividido em alguns capítulos e, ainda que o cenário e as situações se alterem, mal percebemos essas transições tamanha a naturalidade com que apresenta cada fase. São vários personagens que vão entrando em cena, quase como atos com começo, meio e sem nunca apresentarem um fim, como um ciclo em movimento. O fascínio do filme está nesta trajetória costurada por etapas não planejadas, justamente como nossa vida é: imprevisível. O lado bom disso é que nunca sabemos o rumo que a história irá tomar e sempre somos surpreendidos por um novo início. O lado ruim é que os capítulos não possuem a mesma força, oscilando e nos fazendo perder o interesse em determinadas passagens. O elenco é bom e segura a qualidade, passando na tela nomes como Steve Buscemi, Chloë Sevigny e Steve Zahn.
O diretor Andrew Haigh, que já havia entregado outros bons trabalhos como “Weekend” e “45 Anos”, volta a oferecer uma obra singela, sensível e incrivelmente bem filmada. Suas sequências são belas e são enaltecidas pela fantástica fotografia. Claro que nada disso seria possível sem a potente performance de Charlie Plummer. É um papel que requer entrega e ele surpreende, ainda mais por ser tão jovem no cinema. É muito bom o que Plummer entrega, seus diálogos com Pete são delicados e enche a tela com honestidade. Sem uma explosão comum em filmes do gênero, conseguimos sentir o peso do mundo em suas costas apenas com suas expressões. “A Rota Selvagem” comove com suas sutilezas, com este poder de emocionar sem grandes esforços. Mais do que uma jornada de maturidade, temos aqui um road movie sincero e encantador, que revela com graciosidade essa busca por proteção, por abrigo, por não se sentir tão sozinho nesse mundo tão cheio de nada.
NOTA: 8
País de origem: França, EUA, Irlanda do Norte, Reino Unido Ano: 2017 Duração: 121 minutos Título original: Lean on Pete Distribuidor: Diamond Films Diretor: Andrew Haigh Roteiro: Andrew Haigh Elenco: Charlie Plummer, Steve Buscemi, Chloë Sevigny, Travis Fimmel, Steve Zhan, Lewis Pullman
Não há nada mais doloroso em nossa vida do que olharmos para trás e bater aquela dor diante da reflexão “e se”. E se tivéssemos feito diferente? Tomado outro rumo? O que teria sido de nós? De fato, cada oportunidade perdida nos leva para outra direção e é essa a interessante premissa de “Fim de Século”, filme LGBT argentino. Ao começo da trama, Ocho, um poeta que vive em Nova York, está viajando por Barcelona e desvendando a cidade com toda sua solidão e liberdade. Seu caminho acaba se cruzando com o de Javi, um belo jovem que logo desperta seu interesse. Entre conversas, ambos se dão conta de que esta não é a primeira vez que se encontraram e que, há 20 anos atrás, antes da virada do século, a história deles já tinha dado um início.
Um dos personagens, metaforicamente, é cineasta e tem dificuldades em finalizar seu projeto justamente porque se deu conta de que uma obra ilustrada por experiências pessoais é mais rica do que aquela que almeja alcançar sua inspiração. Primeiro longa-metragem dirigido por Lucio Castro, é nítido, em cada cena, o quanto aquele universo é particular à ele e o quanto o que vemos faz parte de uma experiência pessoal. Talvez não por completo, mas grande parte daquilo. Há muita honestidade em cada instante, em cada conversa jogada fora. Até mesmo a forma como Barcelona é registrada, há intimidade. Diante de tamanha naturalidade em captar sua história, nos sentimos parte daquilo. Parte daquele tempo.
O tempo aqui é dividido em dois. Diante de épocas tão distintas, é interessante o quanto a evolução dos anos, da mente de uma sociedade e da tecnologia acaba influenciando em nosso modo de vida. Se em 1999, época em que as pessoas vislumbraram a virada do século e uma iminente vida nova, homens agiam como héteros para serem aceitos, buscavam um esconderijo para serem eles mesmos. Ocho e Javi se encontram em um momento de ruptura, de novas descobertas e, inconscientemente, ambos se ajudam neste processo de auto aceitação, de que amor é possível. 20 anos depois, o sexo ganha a tecnologia como ferramenta principal, onde aplicativos tornam relações mais práticas. Ainda que Ocho procure na vitrine virtual algo que sacie seu tesão, é belo quando ele encontra alguém na rua, offline. Como se Javi fosse mais do que uma foto de perfil, fosse algo real. Mas nem tudo o que é real é alcançável.
“Fim do Século” diz muito sobre como amor não é o suficiente, mesmo quando se quer tanto aquela outra pessoa. Ocho e Javi parecem terem sido feitos um para o outro. E mesmo com duas ótimas oportunidades para que a história deles acontecesse, a vida simplesmente acontece de outra forma, o ciclo se move e eles não caminham juntos. É muito real esse desencontro. O sentimento mútuo existe, só não estão no mesmo passo, no mesmo momento. É lindo quando ao final, Ocho visualiza sua vida caso aquele encontro, 20 anos atrás, tivesse dado em alguma coisa. Talvez eles tivessem sido felizes, talvez não. Talvez eles teriam escrito a mais perfeita jornada para que no final eles se dessem conta de que sonhavam em estar em outro lugar. Porque a vida é isso. Nossa realidade nunca é suficiente. Talvez a grande história de amor entre Ocho e Javi era para ser esses pequenos encontros. Um conto breve. Dois capítulos apenas. Melhor lembrar como algo rápido e bom do que viver para sempre e ver o fim.
Ao optar por colocar seus atores fisicamente muito parecidos entre os dois tempos, enfraquece um pouco seus discursos. Pode até existir a intenção de mostrar o quão falha pode ser nossa memória, mas essa escolha torna um tanto quanto confusa essa alteração, ainda mais quando nem mesmo a fotografia ou a própria Barcelona são diferentes. Me pareceu uma opção preguiçosa da produção, que preferiu simplificar elementos cruciais para a narrativa. No mais, os dois atores se mostram bem a vontades em cena, se entregando a provocativas e bastante sensuais cenas de sexo. É bom ver esse ato tão natural em qualquer relacionamento ser mostrado sem muita censura, de forma crua e de gosto assertivo. Aliás, é ótimo poder ver uma trama tão madura e gostosa de se ver protagonizada por um casal gay. Poderia ser um casal hétero ali e é belo sentir que o cinema evoluiu o bastante para entender que dois homens ou duas mulheres também podem amar e também podem construir suas próprias histórias de amor. Que bom ter cineastas com esta coragem de captar isso com tamanha honestidade e sensibilidade. É aquela questão de representação que há anos atrás tanto fazia falta.
NOTA: 8
País de origem: Argentina Ano: 2019 Duração: 84 minutos Título original: Fin de Siglo Distribuidor: – Diretor: Lucio Castro Roteiro: Lucio Castro Elenco: Juan Barberini, Ramón Pujol
Grande sucesso no teatro, é até estranho pensar o porquê “Cats” demorou tanto para ganhar uma adaptação ao cinema. Lançado na década de 80, o premiado musical conta a história de uma tribo de gatos, os Jellicle Cats, que todo ano precisa realizar uma performance para o líder que dará ao vencedor a entrada para o Paraíso e a chance de uma vida melhor.
Com direção de Tom Hooper (Os Miseráveis), o longa recebeu uma enxurrada de críticas negativas em seu lançamento, principalmente devido ao seu visual. De fato, o resultado de “Cats” é bem desastroso, chegando a ser triste ver um produto com tamanho potencial, receber tal tratamento na tela grande. Os efeitos especiais são bizarros, causando estranhamento pela proporção dos elementos de cena – que ora são grandes demais, ora são pequenos demais – e principalmente pela opção de misturar os traços dos gatos com os dos atores. É tudo involuntariamente assustador, tirando o brilho das apresentações e, infelizmente, de todo o elenco.
Os mais prejudicados, com certeza, foram Jennifer Hudson, que apesar de impressionar pela potente voz, é ofuscada pelo visual e Idris Elba que precisa se esforçar para dar vida para um projeto mal feito de vilão. Rebel Wilson, por sua vez, precisa encarar o pior momento do filme, em um número musical assombroso envolvendo ratos e baratas. O roteiro jamais ajuda, onde tudo é narrado com pressa e um péssimo desenvolvimento. Nenhum personagem parece ter alguma importância, onde todos surgem como um mero adereço de luxo, sem meio e fim, o que enfraquece nosso envolvimento com a trama e com esta mísera trajetória de todos eles.
Nem tudo, aliás, é um desastre. Vale citar a bela performance dos atores novatos e bailarinos aqui, como Francesca Hayward, Robert Fairchild e Steven McRae, que realiza o mais belo instante de “Cats” com o sapateado do gato da estação de trem. Há, ainda, alguns bons respiros como as empolgantes apresentações de “Jellicle Song For Jellicle Cats” e “Mr. Mistoffelees“. Existe boas intenções e isso é nítido em diversos momentos. Mesmo que tudo tenha dado errado, sei que existe uma equipe talentosa por trás de tudo isso que, talvez, vítima de uma produção apressada e gananciosa, foi impedida de realizar algo melhor finalizado.
NOTA: 5
Duração: 110 minutos Disponível: Telecine Play Roteiro: Tom Hooper, Lee Hall Direção: Tom Hooper Elenco: Francesca Hayward, Robert Fairchild, Jennifer Hudson, Laurie Davidson, Idris Elba, Judi Dench, Ian McKellen, James Corden, Rabel Wilson, Jason Derulo, Taylor Swift
O terror foi um dos gêneros que mais nos trouxe filmes interessantes nesta última década. Foi notável a melhora na qualidade das produções que inovaram e conseguiram explorar todas os caminhos possíveis. Seja por um viés mais dramático, por um mais cômico. Seja pelo terror psicológico que ganhou belíssimos exemplares nesses 10 anos que passaram. O terror deixou de ser uma única coisa, de seguir uma fórmula e foi lindo como todas essas obras que cito aqui redefiniram, de alguma forma, o medo. Algumas pessoas até gostam de acreditar que nasceu uma nova fase: o post-horror, mas é apenas uma questão de denominação. O gênero continua o mesmo.
Com um prazer enorme, listo agora os 25 melhores filmes de terror que tivemos nesta década (2010 – 2019). Se lembrarem de outro título que merecia estar aqui, deixem nos comentários. Espero ter sido justo e espero que gostem da seleção. E caso não viram algum, deixo aqui como minhas dicas!
25. Garota Sombria Caminha Pela Noite 2014 | Ana Lily Amirpour
Nada é mais gótico que uma vampira de burca andando de skate pela noite. O terror iraniano revelou o talento da diretora Ana Lily Amirpour e nos mostrou uma nova forma de encarar os vampiros no cinema. O longa nos revela os ataques de uma jovem selvagem contra aqueles que desrespeitam mulheres no silêncio da noite. Filmado em preto e branco, o filme traz algumas sequências desconfortáveis de violência mas, ao mesmo tempo, encanta pela delicadeza ao narrar o romance entre a garota e um adolescente perdido.
24. Amizade Desfeita 2014 | Levan Gabriadze
“Amizade Desfeita”, no mínimo, oferece uma experiência diferente para o público. Apesar de não negar completamente os estereótipos do “terror adolescente”, a produção encontra inovação em sua técnica, narrando toda sua trama através de uma tela, deixando seus personagens interagirem por suas redes sociais e permitindo que o seu “vilão” se mantenha no anonimato. É um produto atual que dialoga com a nova geração, explorando o medo no ambiente online.
23. Pânico 4 2011 | Wes Craven
“Pânico 4” é aquela sequência que ninguém pediu mas veio para dar uma bela lição, no meio de suas tantas ironias e metalinguagens, que Hollywood deve parar de fazer continuações que desrespeitem as obras originais. O longa também marca o último registro de Wes Craven e seu belíssimo legado para o gênero. É um produto divertido, irreverente, que mesmo brincando com os clichês do slasher consegue nos entregar uma trama interessante, com boas sacadas e um final surpreendente.
22. A Morte Te dá Parabéns 2017 | Christopher Landon
Uma garota mesquinha do colégio é brutalmente assassinada por um indivíduo mascarado. Acontece que depois ela acorda e percebe estar vivendo em um eterno looping, no mesmo dia, até descobrir quem está por trás de sua própria morte. O filme resgata com louvor o slasher, subgênero que fez sucesso na década de 90, e brinca com inteligência com a fórmula. Um roteiro divertido, empolgante e que traz sempre ideias criativas para dentro das cenas.
21. O Babadook 2014 | Jennifer Kent
O filme independente de Jennifer Kent foi um dos títulos que marcaram esta nova era do gênero. Com poucos recursos, ela redefiniu o terror psicológico ao colocar em cena uma das criaturas mais assustadoras desses últimos anos: o babadook. O pesadelo que ganha vida e transforma a conturbada relação entre um garoto e sua mãe, que sofre pela morte de seu marido. Há muitas metáforas aqui e o pavor acaba sendo uma representação dos traumas vividos por seus protagonistas.
20. Vingança 2018 | Coralie Fargeat
A grande força de “Vingança” está em seu visual. Com cores vibrantes e uma fotografia estonteante, a diretora Coralie Fargeat constrói um produto sensorial e uma experiência de tirar o fôlego. A história nos revela a busca de vingança de sua protagonista, que luta por matar friamente aqueles que a assediaram. As mortes aqui são extremamente gráficas e chocam pela violência explícita.
19. Kill List 2011 | Ben Weathley
“Kill List” é um dos raros exemplares do terror britânico e facilmente entra na lista dos filmes mais perturbadores da década. É aquele tipo de produto que não deixa ninguém ileso e nos faz ficar remoendo em teorias por conta das tantas respostas que não nos dá. Definitivamente serviu de referência para algumas obras posteriores ao inovar na forma como revela uma seita pagã. Na trama, um pai de família aceita o serviço de matar três pessoas por dinheiro mas logo percebe que nada é o que parece. Um filme violento, brutal e explícito, que choca por diversos instantes e nos deixa atordoados por sua sequência final.
18. A Visita 2015 | M.Night Shyamalan
O mestre M.Night Shyamalan deixou sua marca no terror na década com uma das obras mais simples e caseiras que ele já realizou em sua carreira. Utilizando a técnica de found footage – que deixou de ser explorada nesses últimos 10 anos -, o filme coloca duas crianças como protagonistas enquanto elas visitam seus avós em uma remota fazenda, não demorando muito até elas perceberem que algo de muito estranho acontece por ali. Uma obra divertida e incrivelmente tensa, que nos reserva alguns bons sustos e instantes sufocantes.
17. It – A Coisa 2017 | Andy Muschietti
Baseado no livro de Stephen King, o filme de Andy Muschietti foi um grande sucesso de bilheteria, quebrando alguns recordes para o gênero. A trama gira em torno de um grupo de crianças que são aterrorizadas por um ser sobrenatural, o palhaço Pennywise, que se tornou uma das figuras mais emblemáticas desta década no cinema, graças a boa performance do ator Bill Skarsgård. A obra traz uma vibe nostálgica deliciosa de assistir e causa bastante impacto com suas belas sequências de terror.
16. Midsommar 2019 | Ari Aster
Um dos filmes mais bizarros que tivemos o prazer (ou desprazer) de assistir nesta década. O diretor e roteirista Ari Aster vai além do limite e explora com extrema perversão um misterioso culto pagão. O pavor aqui é entregue à luz do dia e nos deixa completamente aterrorizados e desconfortáveis por suas sequências. O roteiro tenta investigar os traumas e complexidade de sua forte protagonista, defendida com garra pela jovem Florence Pugh, enquanto ela imerge em uma nova e assustadora cultura.
15. Nós 2019 | Jordan Peele
O fascínio de “Nós”, criação do mestre Jordan Peele, vem justamente por ele ter conseguido criar, em seus belos minutos, toda uma mitologia que explique suas invenções. São inúmeras saídas inteligentes que fazem com que a trama ganhe cada vez mais complexidade e proporções imprevisíveis. O filme investiga a invasão das “cópias” que saem do submundo para matar sua matéria original, focando na jornada de uma família que precisa lutar contra seus respectivos duplos. É um produto original, divertido, que explora bem seu universo e sua grande protagonista, revelando uma potente atuação de Lupita Nyong’o.
14. Invasão Zumbi 2016 | Sang-ho Yeon
Grande sucesso do cinema sul-coreano, a trama toda, basicamente, acontece dentro de um trem, enquanto uma epidemia transforma os habitantes em zumbis. Mistura bem orquestrada de ação, terror e drama, a obra é daquelas que nos prende a atenção do começo ao fim. Um produto divertido, empolgante e satisfatoriamente eletrizante. Definitivamente, um ótimo exemplar de filme com zumbi.
13. Um Lugar Silencioso 2018 | John Krasinski
“Um Lugar Silencioso” foi uma grande surpresa. O som, que sempre foi a muleta do gênero, é retirado para que a tensão seja encontrada no silêncio. É genial acompanharmos seus protagonistas atravessando uma longa jornada sem se expressar verbalmente, fugindo de criaturas que atacam quando percebem algum ruído. É simplesmente agonizante essa situação e o filme faz bom proveito disso, entregando sequências eletrizantes e de pura tensão. De certa forma, surpreendentemente, ainda emociona quando seus personagens precisam encarar o luto mas jamais podem expressar o que sentem. Há sensibilidade em cada relação e este é o grande trunfo da obra.
12. A Bruxa 2015 | Robert Eggers
“A Bruxa” marcou uma grande ruptura do gênero nesta década, dando início a uma nova forma do cinema encarar o terror. Robert Eggers foi um dos maiores e mais relevantes nomes revelados nesses últimos anos e isso se deve pela riquíssima qualidade de seu trabalho. Ele basicamente nega as fórmulas que conhecemos e constrói algo novo, único e de grande impacto. O medo está presente em sua atmosfera densa, nos diálogos e em tudo o que seus personagens representam. A trama nos mostra uma Inglaterra Medieval, quando uma família é deserdada da Igreja e passa a suspeitar de forças malignas pelo sumiço do filho mais novo.
11. Rua Cloverfield, 10 2016 | Dan Trachtenberg
Sequência “espiritual” de Cloverfield de 2008 e produzido por J.J.Abrams, o filme merece respeito por conseguir criar uma atmosfera inquietante mesmo se utilizando de pouquíssimos recursos e espaços. O medo vem pela incerteza do que há no mundo de fora daquelas paredes e pela tensão existente entre seus três protagonistas, que vivem isolados dentro de um bunker. Mary Elizabeth Winstead é uma das mais respeitadas Scream Queen do cinema e prova seu talento aqui, ao lado dos ótimos John Goodman e John Gallagher Jr. A relação entre eles é o que torna a obra tão rica, assim como o belíssimo roteiro.
10. Corrente do Mal 2014 | David Robert Mitchell
Uma força maligna que é transmitida através do sexo parecia uma ideia bem bizarra e com grandes chances de dar errado. Felizmente não deu e o diretor e roteirista David Robert Mitchell soube muito bem como fazer isso funcionar e acabou por realizar uma das obras mais originais e fascinantes dentro do gênero que tivemos nesta década. Com uma deliciosa vibe oitentista e uma atmosfera de filme indie, o roteiro acerta ao compor sua forte protagonista e no dilema moral que enfrenta.
09. Você é o Próximo 2012 | Adam Wingard
Um reencontro de família é arruinado quando estranhos usando máscaras de animais começam a atacá-los. Com muita violência, sangue e boas surpresas, “Você é o Próximo” revelou o talento do diretor Adam Wingard dentro do gênero, que soube trazer frescor mesmo utilizando fórmulas tão batidas e recuperando com força elementos do terror da década de 90. A protagonista é excelente, se firmando com uma das grandes final girls que tivemos nos últimos anos.
08. O Lamento 2016 | Na Hong-jin
Uma grande pérola do cinema sul-coreano, “O Lamento” busca no folclore e na cultura do país para narrar uma história cheia de simbolismos e de possíveis interpretações. O filme fala sobre uma comunidade que passa a enfrentar uma praga após a chegada de um misterioso homem no local. Apesar de trazer elementos do terror, não aposta no medo e na tensão para nos manter atentos, mas sim em seu roteiro bem elaborado e em seus personagens carismáticos. Há bastante humor também, o que só nos aproxima ainda mais ao seu peculiar universo.
07. O Convite 2015 | Karyn Kusama
Uma reunião entre amigos. Um convite desconfortável. O filme dirigido por Karyn Kusama narra o retorno de um homem, em meio a um jantar entre conhecidos, à casa que dividia com sua, agora, ex-esposa. Há algo de incômodo em cada instante deste evento e nesta nossa paranoia que nasce por querer compreender o que existe ali, ficamos presos nas situações que revela, tentando decifrar seus mistérios. Muito bem dirigido e atuado, “O Convite” é a prova que a simplicidade também pode nos impactar.
06. O Segredo da Cabana 2011 | Drew Goddard
A paródia excepcional de Drew Goddard. A intenção era ser apenas um produto divertido que faz sátira ao terror, reunindo diversos clichês que fazem parte do gênero. No entanto, a piada foi tão bem elaborada que acabou dando muito certo. Entregaram um roteiro genial, original e bastante intrigante, onde um grupo de jovens bonitos se reúnem em uma cabana e acabam despertando a vida dos mais diversos vilões.
05. O Homem nas Trevas 2016 | Fede Alvarez
Três adolescentes decidem bolar o plano perfeito para assaltar a casa um homem idoso e cego. A simples premissa é apenas o início de um filme eletrizante e surpreendente. A grande reviravolta aqui é que os protagonistas acabam se deparando com um psicopata habilidoso, tornando o espaço limitado de uma casa em um cenário claustrofóbico de uma caçada hipnotizante. Um filme, definitivamente, de tirar o fôlego. Tem bons personagens, roteiro bem construído e uma direção fascinante de Fede Alvarez.
04. Invocação do Mal 2013 | James Wan
Se James Wan deixou um legado nos anos 2000 com “Jogos Mortais”, na década passada ele deixou sua marca com “Invocação do Mal”, provando ser um dos grandes nomes do terror. Uma casa mal-assombrada e afastada da civilização, uma família traumatizada e um casal de demonologistas. Tem susto, possessão e uma tensão hipnotizante presente em todas as cenas. O filme conseguiu recuperar diversos elementos do terror mais clássico e entregou um produto refinado, empolgante e prazeroso de ver pelo simples fato de ser bem escrito, bem dirigido. O grande destaque, também, vai pelo roteiro que desenvolveu tão bem suas ideias e seus personagens, nos fazendo acreditar em seu assustador universo.
O filme austríaco que pegou muita gente de surpresa. A trama é tão interessante que aos poucos foi ganhando fama na época de seu lançamento. Ao mostrar a relação conturbada entre uma mãe e seus dois filhos gêmeos, o longa provou ser um rico exemplar do terror psicológico. Poucos cenários, cenas impactantes e um final absurdamente genial. O plot twist é um dos mais brilhantes que tivemos nos últimos anos. É possível prever antes, mas a graça mesmo é deixar ser enganado.
02. Hereditário 2018 | Ari Aster
Gosto de afirmar que se o demônio tivesse a chance de fazer um filme, ele faria algo como “Hereditário”. Ari Aster, outra grande revelação no gênero, redefiniu o terror e construiu, em seus belos minutos, uma obra impactante e perturbadora. É simplesmente assombroso cada instante e nos choca ao colocar uma família precisando viver no mesmo espaço depois de presenciarem eventos tão traumáticos. Como um pesadelo que dificilmente esquecemos, o longa ainda nos deu o presente de ver uma das mais incríveis atuações da década: Toni Collette arrebenta.
01. Corra 2017 | Jordan Peele
“Corra” foi um grande marco nessa década e isso é inegável. O comediante Jordan Peele surpreendeu a todos e se revelou um grande diretor e roteirista. O filme é uma mistura interessante de comédia, terror e com umas boas pitadas de crítica social, revelando com ousadia o racismo estrutural presente em nossa atual sociedade. A história que envolve um jovem negro conhecendo a família branca de sua namorada nos deixou incrivelmente tensos e maravilhados por saídas tão inteligentes.
Comédia premiada no Festival de Sundance, “The 40-Year-Old Version” é facilmente uma das produções mais interessantes que a Netflix lançou recentemente. Esta é a estreia de Radha Blank na direção, que entrega aqui algo extremamente pessoal, imprimindo, em seu fascinante texto, sua luta diária como mulher, preta e artista. Ela se coloca como protagonista da própria história e traz honestidade em cada um de seus fortes relatos.
Filmada em preto e branco, a obra faz um recorte na vida de Radha que, próxima de completa 40 anos, começa a refletir sobre o rumo de sua carreira como escritora, que mesmo tendo vencido um importante prêmio da literatura – aos 30 anos – nunca teve, de fato, espaço para realizar sua arte. O longa narra este momento em que ela busca por renascimento e, principalmente, ter finalmente sua voz ouvida. “The 40-Year-Old Version” é o manifesto desta grande mulher. De forma ousada e sincera, Radha aponta uma ferida antiga dentro da arte, seja no cinema, seja no teatro, onde o preto apenas tem espaço para ilustrar uma pobreza estereotipada e servir de troféu para histórias de brancos salvadores. Ela traz humor em seu relato, sem jamais diminuir o impacto de seu poderoso e necessário discurso.
Debute na direção, Blank entrega um produto fascinante, bem conduzido. Seus discursos transbordam naturalidade e encanta ao colocar em cena, instantes tão prazerosos de assistir, guiados por personagens tão carismáticos. Um filme brilhante que, definitivamente, precisava existir.
NOTA: 9
Duração: 129 minutos Disponível: Netflix Roteiro: Radha Blank Direção: Radha Blank Elenco: Radha Blank, Peter Y. Kim, Reed Birney