Crítica: Querido Menino

O amor não salva tudo

“Querido Menino” marca o primeiro filme de língua inglesa do diretor Felix van Groeningen, que foi indicado ao Oscar, há seis anos atrás, por “Alabama Monroe”. Apesar de se tratar de um belo projeto, sua obra acaba que se sustentando quase que por completo na atuação de Timothée Chalamet. Há muita entrega sua nesse papel e me surpreende não tê-lo visto no Oscar na época do lançamento.

O filme nos mostra a forte relação existente entre um pai e um filho. David Sheff (Steve Carell) é um autor renomado que tem sua rotina abalada quando, pouco antes de entrar para a faculdade, seu filho mais velho Nic (Timothée Chalamet) se revela viciado em metanfetamina. Através de flash backs, vamos adentrando às memórias do pai, que busca entender quando foi que perdeu seu menino. Desta forma, o longa é quase como um amontoado de lembranças e entre passado e presente, vamos construindo, ao lado dos protagonistas, essa bela e conturbada união entre os dois. O grande acerto aqui é nos fazer acreditar neste carinho entre eles, nesta cumplicidade ferida. De fato, há algo muito terno presente em cada cena. É bonito porque o amor é visível ali e é ele que une cada um dos personagens do filme. O amor é aquilo que os move e que justifica suas ações, até mesmo aquelas mais condenáveis.

Ainda que seja muito doloroso o caminho percorrido por David e Nic, é difícil se emocionar com a jornada deles. Isso se deve principalmente porque a montagem parece impedir o filme de sair da superfície. Estamos sempre indo e voltando e quando algumas ações poderiam guiá-lo para um momento de comoção maior ou de transformação, somos cortados e levados para lugar algum. Como quando Nic quase mata uma de suas namoradas ou quando Karen, atual mulher de David, persegue Nic com seu carro. São sequências que poderiam resultar em algo muito maior, mas o filme se recusa a mostrar alguma consequência mais drástica de seus eventos. É muito picotado e dessa forma se torna em uma obra linear, que não sai do lugar e jamais emociona o quanto poderia. Não há tempo para se aprofundar nos sentimos expostos e tudo acaba ficando raso. Me incomoda, também, a inconstante trilha musical da obra, que não se decide entre o punk, o pop eletrônico ou o clássico. Ilustram bem as cenas em que aparecem, mas impedem o filme de ter uma identidade mais coerente.

É até admirável o esforço de Steve Carell em sua carreira em papéis mais dramáticos, no entanto, mais uma vez, ele se mostra limitado demais para encarar um desafio como esse. É assim que Timothée Chalamet, com pouquíssima idade, rouba a cena. Seu trabalho é fantástico e surpreende. Pena que o roteiro não dá espaço para as personagens femininas. Maura Tierney e Amy Ryan estão incríveis em cena, mas são pouco aproveitadas.

Apesar dos deslizes, “Querido Menino” é um filme bem realizado, que reserva alguns ótimos momentos como quando o pai explica para o filho o tamanho de seu amor por ele. É um retrato triste e muito real de muitas famílias, de pais que olham para aqueles que criaram e não os reconhecem mais. Ficamos a espera de uma salvação, de redenção para os personagens e é triste quando nada disso vem, assim como na vida. É doloroso quando o filme nos lembra de que, por mais grande que seja o amor, ele não é capaz de tudo. Ao fim, Felix van Groeningen deixa claro, quando opta pelo didatismo, que seu intuito era fazer uma obra informativa. E isso torna seu produto, de fato, importante, não necessariamente bom.

NOTA: 7

  • País de origem: EUA
    Ano: 2018
    Duração: 111 minutos
    Título original: Beautiful Boy
    Distribuidor: Diamond Films
    Diretor: Felix van Groeningen
    Roteiro: Felix van Groeningen, Luke Davies
    Elenco: Steve Carell, Timothée Chalamet, Maura Tierney, Kaitlyn Dever, Jack Dylan Grazer, Amy Ryan, Timothy Hutton

Crítica: Nós

O medo do outro

“Corra” foi um grande sucesso em 2017, vencendo o Oscar de Melhor Roteiro Original e levando o seu criador, Jordan Peele, aos holofotes. Era de se esperar que em um curto período ele voltaria e a expectativa quanto ao seu retorno seria grande. “Nós” traz muito do que já conhecemos de Peele, uma trama um tanto quanto fantasiosa – com traços de ficção científica – em um terror com tom satírico e simbolismos não tão claros à primeira visita. Pode não ser, obviamente, tão bom quanto seu trabalho anterior, mas ainda é admirável seu esforço como roteirista e diretor, conseguindo entregar um produto refinado, impactante e que mantém o respeito que conquistou em Hollywood.

Na trama, uma família decide viajar para a casa de praia, porém, lá, todos são confrontados por cópias deles mesmos. O que, de início, da a entender que teremos uma perseguição entre os originais e seus respectivos duplos, o filme se expande e ganha e muito ao fazer isso. “Nós” acaba nos apresentando uma interessante mitologia por trás do inusitado evento e ficamos hipnotizados ao seu decorrer, tentando desvendar as razões para tudo aquilo. No fim, uma grande reviravolta, que pode até ser bem previsível para alguns, mas confesso que gosto bastante das saídas que Peele cria, finalizando muito bem suas belíssimas pirações.

Quando os duplos invadem a casa da família são questionados sobre quem realmente são e eles prontamente respondem: “somos americanos”. Vemos, então, uma referência clara ao que os norte-americanos enfrentam desde a eleição de Trump. Há um medo geral naquela nova sociedade que emergiu, medo dos outros, do que vem de fora. É até curioso o uso da palavra “Us”, que pode também ser relacionada à United States. Interessante também em como ambiguidade é trabalhada durante o terror que se instaura. De fato, existe um questionamento sobre quem realmente são os vilões ali, visto que os personagens apresentados como “heróis” são justamente aqueles que praticam a violência em cena. Nós somos nosso pior inimigo e isso é aplicado de forma literal aqui. Ao término, claro, tudo isso ganha uma razão e vamos, aos poucos, juntando as peças apresentadas e quando fazemos isso compreendemos o quão grande é esta ideia. São pequenos e ricos detalhes que tornam a obra ainda mais admirável. A produção também acerta e Jordan Peele finaliza seu produto com grande capricho. A montagem, a fotografia e até mesmo a escolha das canções inseridas. Tudo em excelente estado.

O que me incomoda em “Nós” e me incomoda bastante é seu humor. Em “Get Out” a comédia causava um incômodo proposital, tinha uma razão para estar ali. Já neste novo filme, os instantes cômicos são tantos que quebra o tom, impede de levarmos suas tantas ideias a sério. Há uma constante quebra de clima que nunca se justifica. É compreensível que Jordan Peele enquanto comediante traga isso para suas obras, mas é necessário saber quando e porque e em “Nós” não há isso. Teria sido uma experiência muito mais impactante se ele tratasse sua criação com um pouco mais de seriedade. É difícil de acreditar no que o roteirista diz quando se dá a impressão que nem mesmo ele acredita. Outro problema que vejo é a conveniência do roteiro, que da aquela facilitada quando seus personagens precisam, como quando sempre faz com que um encontre o outro na hora certa, ou quando objetos que podem ser usados como armas sempre surgem ao alcance dos heróis quando eles estão em perigo.

“Nós” ainda traz uma excelente performance de Lupita Nyong’o. Acredito que este papel, que ela abraça com tanta garra, possa abrir novas portas para ela, até então uma atriz pouco valorizada, mesmo com um Oscar na prateleira. O restante do elenco também está ótimo, principalmente os mais pequenos. Se trata de um filme tenso, inteligente e que te fará repensar muitas e muitas vezes depois que terminar. É o tipo de obra que merece uma revisita e uma atenção especial. O terror vive sua melhor era em muitos anos e “Nós” entra facilmente para essa consagrada lista.

NOTA: 8

  • País de origem: EUA
    Ano: 2019
    Duração: 116 minutos
    Título original: Us
    Distribuidor: Universal Pictures
    Diretor: Jordan Peele
    Roteiro: Jordan Peele
    Elenco: Lupita Nyong’o, Winston Duke, Shahadi Wright Joseph, Evan Alex, Elizabeth Moss

Crítica: A Arte de Ser Adulto

O agridoce da vida adulta

Pete Davidson é um jovem ator conhecido por suas sketches do Saturday Night Live. Ele veste com perfeição esse conceito do adulto que não abandonou a adolescência, desajeitado e despreocupado. O filme “The King of Staten Island” lhe dá o palco para brilhar e espaço para expor sobre si, sobre sua jornada peculiar, sobre sua dor pessoal. Davidson, que também assina o roteiro, revela de forma bastante honesta sua relação com o pai, bombeiro que morreu no 11 de setembro. Logo, sua parceria com o cineasta Judd Apatow não poderia ter sido mais certeira. Ele, que veio de outras tantas comédias, sempre soube muito bem construir essas obras que usam do humor para relatar algo tão melancólico. Sua escrita é agridoce e emociona quando não tem pretensão.

The King of Staten Island” faz um recorte na vida de Scott Darlin, o alter ego de Davidson, e nesta sua fase de transição, de amadurecimento tardio. Aos vinte e quatro anos, ele mora com a mãe, não tem emprego e passa suas horas fumando com seus amigos. Não se compromete com absolutamente nada, nem mesmo em seus relacionamentos e hobbies. Ele, que sofre de alguns distúrbios psicológicos, sempre foi alvo de preocupação a todos ao redor, logo que nada o faz seguir em frente, estagnado desde a morte do pai. Sua vida acaba perdendo as estruturas quando sua irmã mais nova (Maude Apatow) vai para a faculdade e sua mãe (Marisa Tomei) passa a se relacionar com outro homem. Toda a situação é narrada de forma cômica e ganha graça pelo carisma de seus tantos personagens. O humor, porém, vem quase como um escape à melancolia existente em cada instante do filme.

É incômodo assistir essa persona tão autodestrutiva, que se diminui o máximo que pode para não ter que arcar com qualquer consequência. Que não vê perspectiva para o futuro e que se protege dentro do caótico universo que criou para si. O filme narra o limite dessa situação, o instante em que ele é forcado a dar um outro tipo de passo, a aceitar outra coisa em sua vida além da dor. Nesse sentido, é belo a jornada do protagonista. Encanta pela sensibilidade e honestidade de cada relato, de cada discurso, de cada relação ali mostrada. Todos os personagens em cena parecem exigir algo novo em Scott, não por pressão, mas por todos acreditarem no brilho existente naquela alma que somente ele não vê. O roteiro é brilhante e mantém o alto nível por seus longos 137 minutos. Há esperteza e originalidade em seus bons diálogos, que nos fazem criar uma afeição a esses indivíduos. Ajuda, claro, ter um elenco tão afinado como este. Destaque para Marisa Tomei e a jovem Bel Powley, que estão fantásticas em cena.

A primeira sequência da obra revela esse estado perturbado do protagonista, de olhos fechados, pronto para ser esmagado. A última, em contrapartida, Scott caminha sem rumo e avista um horizonte cheio de possibilidades. “The King of Staten Island” é mais do que o renascimento e amadurecimento do personagem, é o espaço onde um artista usa para superar seus traumas, expor os tantos fantasmas que guarda dentro de si. Até mesmo a canção escolhida para finalizar o longa – “Persuit of Happiness” do Kid Cudi – foi a que ajudou o ator a superar sua depressão. O filme em si já é bastante delicado mas ganha tons mais profundos quando traçamos um paralelo com a vida do ator. É, de certa forma, fácil criar empatia pelas reflexões que deixa, desse sentimento de fracasso quando se chega à fase adulta, quando se tem a mesma idade daqueles que estão vencendo. E ainda que seja um produto muito íntimo, Judd Apatow revela tudo com seu olhar peculiar, não deixando de fazer seu próprio cinema, entregando um filme que se encaixa perfeitamente dentro de sua filmografia, dentro dos temas que sempre debateu. Confesso que senti uma conexão muito grande com tudo o que vi e fiquei devastado por toda a honestidade e sentimentos expostos. Nem sempre a comédia tem esse poder. Mas essa não é uma comédia qualquer e esse não é um filme qualquer.

NOTA: 9

  • País de origem: EUA
    Ano: 2020
    Duração: 137 minutos
    Título original: The King of Staten Island
    Distribuidor: Apple TV
    Diretor: Judd Apatow
    Roteiro: Pete Davidson, Judd Apatow, Dave Sirus
    Elenco: Pete Davidson, Bill Burr, Marisa Tomei, Bel Powley, Maude Apatow, Steve Buscemi

Crítica: Climax

O inferno de Gaspar Noé

O diretor francês Gaspar Noé (Irreversível, Love 3D) continua sendo um dos grandes provocadores do cinema. E que bom que ele existe porque não há ninguém que faça algo parecido com o que ele faz, não com a mesma coragem e ousadia. Não com a mesma intensidade. “Climax” é uma obra muito coerente com toda sua filmografia, trazendo muitos elementos que já esperamos dele como a violência, o excesso, o sexo e a psicodelia. Diante de cores fortes e movimentos expressivos de sua câmera e seu elenco, somos levados para o inferno em um filme sensorial e insanamente imersivo.

Com um roteiro de apenas cinco páginas e filmado em quinze dias, “Climax” é um espetáculo improvisado. Seu único momento coreografado é a sequência de dança inicial e se trata de um momento marcante ali. Não só nos deixa hipnotizados pela beleza do plano sequência e pela qualidade dos movimentos dos atores, como também nos convida a adentrar em seu universo único que está prestes a começar (e que até então, não fazíamos ideia para onde o diretor nos levaria). Quase como um ode a bad trip, a partir dali, Noé nos leva a uma viagem sem volta a um interminável pesadelo, perturbador, claustrofóbico e histérico. Tudo isso porque um grupo de dançarinos se reúne em um prédio aparentemente seguro, logo que o lado de fora congelado pela neve parece um lugar inabitável, e em um evento de confraternização, alguém coloca algo na sangria que bebem e todos acabam embarcando em uma grande viagem repleta de alucinação e paranoia.

É bastante incômoda essa experiência que o filme propõe. Filmado em um único espaço, é desesperador acompanhar seus personagens, que completamente entregues ao que ingeriram, perdem a noção do que é real. Aos poucos aquilo vai perdendo sua cor, os diálogos se tornam ruídos, a humanidade se desfaz e todos se tornam selvagens. Os humanos se tornam macacos no fim e esta auto destruição é aterrorizante. Segundo Noé, viver é uma impossibilidade coletiva e morrer parece a saída mais segura. É muito interessante como isso vai se desenvolvendo na trama e como o filme que começa como um musical energético se transforma em um circo pavoroso. A iluminação, os cortes e a maneira como o diretor usa de suas referências, que vai de “Suspiria” (1977) até “Possession”(1981), mostram um domínio surpreendente do diretor por trás das câmeras, que constrói aqui sua obra menos expositiva, mas ainda assim visceral e impactante.

Claro que como todo projeto experimental, “Clímax” não deixa de ter suas falhas. O despreparo dos atores por vezes enfraquecem o produto como um todo e tornam algumas situações muito difíceis de acreditar, como quando (do nada) todos decidem encontrar um culpado por tudo aquilo. Há uma solução abrupta e sem sentido algum. Todos são ótimos improvisando na dança, mas só. Como consequência disso, os melhores momentos do filme são os musicais. É nos movimentos que eles melhor se expressam. No entanto, confesso, me admira ver Sofia Boutella ali. Saída de alguns blockbusters norte-americanos, ela se entrega com força a sua personagem e domina aquele espaço. É admirável como ela se transforma de um trabalho para o outro. A trilha musical é fraca, também. Fez falta terem explorado melhor as músicas, era um cenário que permitia e pedia por isso. Em alguns instantes cruciais, era optado por um eletrônico genérico no fundo, quando uma canção melhor inserida tornaria seus eventos ainda mais interessantes.

“Climax” é agressivo. É alvoroço. É expressão. Uma experiência insana, sádica, propositalmente desagradável, de difícil digestão. Nada pode nos preparar para o que o filme nos revela. No entanto, penso que a necessidade de chocar é maior do que o preparo que Gaspar Noé teve com seu filme. Falta cuidado, falta desenvolver melhor suas ideias. É um produto original, instigante mas arriscado demais para não ser melhor elaborado.

NOTA: 7,5

  • País de origem: França
    Ano: 2018
    Duração: 95 minutos
    Título original: Climax
    Distribuidor: Imovision
    Diretor: Gaspar Noé
    Roteiro: Garspar Noé
    Elenco: Sofia Boutella

17 filmes realistas sobre relacionamentos

Confesso que sempre gostei de ver filmes de romance. Até mesmo as comédias românticas…nunca neguei. No entanto, não são todos os títulos que representam muito bem a realidade e quando isso acontece a experiência acaba sendo ainda melhor. Pensando nisso, pensei em fazer esta lista com 17 obras que me marcaram justamente por trazerem uma visão mais honesta sobre relacionamentos, por evitar firulas e um romantismo desnecessário. Filmes que falaram a verdade, por mais dolorosa que seja. Filmes que conseguimos olhar para tela e nos ver ali, representados.

17. Celeste e Jesse Para Sempre (2012)

O filme acompanha a vida de Jesse (Andy Samberg) e Celeste (Rashida Jones) que decidem, após um longo tempo juntos, se separar. No entanto, são mais do que um simples casal, eles são melhores amigos e por isso decidem fazer esta separação amigavelmente. O filme encanta pela naturalidade com que trata essa situação tão delicada e aos poucos vamos percebendo que este rompimento não está sendo fácil para nenhum dos dois. É gostoso de acompanhar essa cumplicidade entre eles, mas ao mesmo tempo é triste ver o quanto um completa o outro, mesmo que ambos nunca estejam no mesmo caminho, seguindo os mesmo passos.

16. Apenas uma Vez (2006)

Não existe aqui um romance explícito, na verdade só me dei conta do que realmente acontece na trama depois de rever a obra. E quando nos damos conta é um pouco doloroso sim. O filme pode ter outras interpretações, mas ao meu ver, “Apenas Uma Vez” diz muito sobre as chances que perdemos quando se trata de relacionamentos, sobre tudo aquilo que muitas vezes deixamos de falar. Sobre aquele momento rápido e intenso que vivemos ao lado de alguém e logo se apaga, logo se torna passado.

15. Me Chame Pelo Seu Nome (2017)

Apesar de se tratar de uma realidade muito distante da nossa, a história de Elio e Oliver representa a história de muitas pessoas. Aquele amor de verão, que é tão intenso quanto verdadeiro. Aquela paixão não correspondida da forma como queríamos e a busca por encontrar uma pessoa que se doa tanto quanto nos doamos a ela. É aquela famosa parte que falta mas que não está tão preparada para nós. O instante final do filme é um soco na alma porque nos vemos ali, naquele olhar distante e devastado de Timothée Chalamet. “Me Chame Pelo Seu Nome” também revela, de forma bastante singela, uma fase de amadurecimento e em como aquele primeiro grande envolvimento com outra pessoa nos molda para experiências futuras.

14. Eu Estava Justamente Pensando em Você (2014)

Passado, presente e futuro. Um universo paralelo ou apenas um sonho. Mesmo que nunca seja claro como a história acontece, o filme é muito honesto ao mostrar a convivência entre duas pessoas. A espontaneidade das conversas aleatórias, as discussões acaloradas sem razão alguma para acontecer. Do início aventureiro, passando pelo amor intenso do desenvolver até o caótico término. Todas as fases que o casal enfrenta é fácil se identificar porque são reais e são verdadeiras em cada sentimento.

13. Azul é a Cor Mais Quente (2013)

Baseado em uma graphic novel, acompanhamos ao longo de vários anos o relacionamento entre duas garotas extremamente apaixonadas uma pela outra, Adèle (Adèle Exarchopoulos) e Emma (Léa Seydoux). O filme alcança um nível de realismo muito grande justamente por mostrar esta evolução das duas, em como esta relação as transforma em outras pessoas, mais agressivas, mais complexas. O filme também fala desta obsessão e como a simples possibilidade de um rompimento as destroem, deste medo que ambas sentem de viver uma sem a outra.

12. Blue Jay (2016)

“Blue Jay” nos revela o reencontro de um casal que não está mais junto. Em um final de semana, entre diálogos incrivelmente espontâneos, eles relembram a vida que dividiam. É lindo porque as lembranças deles são tão naturais que poderiam ser as lembranças de qualquer outro casal. As risadas, as lágrimas e toda a triste farsa que eles inventam como se ainda vivessem juntos, tudo nos encanta porque é honesto demais.

11. Dois Lados do Amor (2013)

O mais interessante nesse filme é que ele foi dividido em duas partes, então temos a chance de ver a mesma história pelo olhar da mulher (Jessica Chastain) e do homem (James McAvoy). A obra mostra a vida de um casal que se separou após um trágico acontecimento. É emocionante e triste porque ao seu decorrer vamos tendo acesso às boas lembranças que eles tiveram e é sempre um baque ver o que eles eram e no que eles se transformaram anos depois, o que o amor fez com eles e o quanto um significa para o outro.

10. Ponte Aérea (2014)

Filme nacional com Letícia Colin e Caio Blat, vemos um casal tentando se manter juntos apesar da distância. Mais do que debater esta dificuldade, o longa acerta ao falar sobre as relações líquidas e sobre esta facilidade que temos em descartar o que há pouco tempo nos preenchia. “Ponte Aérea” também mostra como duas pessoas nem sempre caminham juntas mesmo quando estão em um relacionamento. A distância aqui acaba sendo apenas um detalhe, porque mesmo quando estão perto, os dois personagens nunca estão no mesmo passo, não possuem os mesmos anseios e planos. Se amam, mas de alguma forma natural, estão sempre distantes.

09. Weekend (2012)

Leve e descompromissado, “Weekend” é muito real em sua proposta de mostrar dois homens que se conhecem e vivem uma história de amor com prazo de validade já marcado. Entre festas, bebidas e novos amigos, os dois vão vivendo sem saber como o fim poderia os afetar. A naturalidade das cenas o faz parecer um documentário sobre as relações modernas.

08. Antes do Adeus (2014)

Dirigido pelo ator Chris Evans – que também protagoniza ao lado da bela Alice Eve – “Antes do Adeus” é um delicioso achado. O filme mostra as últimas horas que dois desconhecidos viveram em uma noite em Nova York. Entre diálogos espontâneos e discussões sobre a vida, passado, futuro e relacionamentos de cada um, nos apegamos aqueles dois indivíduos e torcemos para que algo de bom aconteça com eles. A obra, também, de certa forma é um relato intimista sobre essas pessoas que surgem, de repente, em nossas vidas e se tornam inesperadamente tão importantes.

07. Antes do Amanhecer (1995)

Toda a Trilogia do Amanhecer (1995 – 2013) merecia estar nesta lista, mas vou citar apenas o primeiro capítulo aqui. O momento em que Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) se conhecem e vivem um breve romance na Europa. O grande acerto do filme são os diálogos e como um vai conhecendo o outro e se apaixonando ao decorrer da viagem. É apaixonante este encontro e muito sincero em cada palavra pronunciada.

06. Loucamente Apaixonados (2011)

Esse é um daqueles filmes adoráveis de se ver, que mostra com muita sensibilidade o começo de um namoro. No entanto, quanto mais a obra vai se aprofundando na vida do casal, que vivem em países diferentes, mais vamos sofrendo junto com eles. A cena final é dolorosa, porque é quando nos damos conta o tudo o que os dois enfrentaram juntos e tudo o que eles perderam no fim.

05. Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004)

Mais do que ter um dos roteiros mais geniais desse século, o filme escrito por Charlie Kaufman fala tão bem sobre relacionamentos, sobre a dor de perder alguém e sobre aquele desconforto de ter que viver com as lembranças de uma época que não volta mais. A obra brinca justamente com essa ideia de como seria se pudéssemos ter a chance de apagar todos os momentos em que vivemos ao lado daquela pessoa que amávamos. O resultado de tudo isso é soberbo e apesar das “viagens” da trama, sabemos e sentimos o quanto tudo aquilo é real. A cena em que Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet) se reencontram no final e se encaram no corredor é poderosa. Quando, enfim, aceitam os defeitos um do outro e aceitam que a vida a dois pode ser uma grande e fodida desgraça e…tudo bem que seja assim.

04. Closer: Perto Demais (2004)

“Closer” é um filme de romance que apaga todo o glamour de estar com alguém. É agressivo em suas ações e palavras. Seus personagens estão sempre feridos e ferindo uns aos outros. São quatro indivíduos que se cruzam e conhecemos um período em que se envolvem emocionalmente, entre traições e inúmeras mentiras. A obra, no fim, fala muito sobre confiança, sobre amar alguém a ponto de não querer saber todas as suas verdades, porque honestidade é bom mas muitas vezes machuca.

03. Newness (2017)

É o filme mais real que vi nos últimos anos quando se trata de relacionamentos. A obra é desconfortavelmente atual e relata com muita honestidade como é dividir a vida com alguém no tempo das redes sociais e no tempo onde tudo é muito efêmero, rápido e descartável. É muito verdadeiro a história entre Gabi (Laia Costa) e Martin (Nicholas Hoult) e tudo o que eles vivem em cena. Desde o primeiro encontro até as intensas brigas e as soluções que criam para reacender a paixão que vão perdendo no meio do caminho. É muito fácil se identificar com tudo o que vemos aqui.

02. 500 Dias Com Ela (2009)

Apesar do humor e dos toques fantasiosos, poucos filmes falaram tão bem sobre o que é estar com alguém, sobre se apaixonar e principalmente, sobre romper. O filme trouxe um conceito interessante sobre expectativa e realidade e revelou, com bastante maturidade, que nem sempre a parte que encontramos é a parte que nos falta. Os protagonistas Tom (Joseph Gordon-Levitt) e Summer (Zooey Deschanel) se tornaram referência quando falamos de relação a dois justamente porque o filme é um retrato muito preciso dos tipos que existem dentro de um relacionamento. Você, com certeza, já foi ou ainda será Tom ou Summer.

01. Namorados Para Sempre (2010)

Um dos romances mais melancólicos já produzidos, o longa parece completamente descrente na vida a dois. Só há um único momento feliz na história dos personagens vividos por Michelle Williams e Ryan Gosling, o resto desta jornada é dolorosa, onde duas pessoas que tanto se amam se tornam tóxicas, cruéis e indispostas a tornarem aquela relação possível. É triste, mas infelizmente, um retrato muito real sobre relacionamentos.

Crítica: O Chalé

A pressão do parafuso

“The Lodge” é um filme de terror que tem ganhado fama, aos poucos, aqui no Brasil. É o mesmo caminho que a dupla de diretores e roteiristas, Veronika Franz e Severin Fiala, enfrentou em 2014 quando lançaram “Boa Noite, Mamãe”, que surgiu tímido mas não demorou até ganhar reconhecimento. O trabalho anterior deles foi definitivo para o que hoje é realizado dentro do gênero e este retorno vem para reafirmar a grande habilidade deles em construir obras perturbadoras e de forte impacto. Alguns elementos voltam como o fato da trama se concentrar na relação conturbada entre duas crianças e uma enigmática figura materna. Além, é claro, a interessante construção do roteiro, que tem a capacidade de nos confundir e de driblar nosso olhar para a verdade.

O começo do filme é lento mas é crucial para revelar sua potente intenção. A protagonista Grace (Riley Keough) demora a se revelar, propositadamente. Ela é capturada de costas ou através de vidros esfumaçados. Essa escolha é interessante porque nos guia a criar uma imagem dela pelo olhar e impressão de outras pessoas. A julgamos previamente, não apenas por seu passado mas por ela ser a representação daquilo que, teoricamente, destruiu uma família. Grace está noiva de Richard, cujo os dois filhos pequenos, Aidan e Mia acabaram de perder a mãe que se suicidou. Ainda abalados pela perda, os dois são obrigados a se aproximar da nova madrasta no feriado de Natal, dentro de um chalé em uma região remota e afastada. O filme, então, nos leva a enfrentar esta desconfortável relação entre os três. A tensão piora quando estranhos eventos passam a acontecer ali, levando à protagonista a questionar sua fé e reviver as escolhas de seu passado.

Veronika Franz e Severin Fiala entregam sequências visualmente bem interessantes, capturando seus ambientes por planos bem abertos e até mesmo vertiginosos, construindo uma atmosfera de tensão e constante desconforto. É ainda curioso o uso da casa de bonecas, que recria com perfeição o chalé e nos leva a este sentido dúbio sobre o que é invenção, manipulação ou reconstrução da realidade. Quando o roteiro entrega sua primeira reviravolta, ele bifurca suas interpretações e passamos a questionar o que, de fato, está acontecendo ali. Até que ponto aquilo é real ou alucinação. Os roteiristas apostam em nossas lembranças, até mesmo de outros filmes, para criar um jogo audacioso e um tanto quanto divertido. Eles nos enganam porque sabem onde já fomos enganados outras vezes. Com fortes referências à obra clássica de Henry James, “A Volta do Parafuso” – que serviu de base à muito do que conhecemos no terror dentro do cinema – somos manipulados a enxergar algo através desses símbolos que eles usam, inclusive o próprio nome da protagonista, Grace, logo nos remete à personagem de Nicole Kidman em “Os Outros”, talvez a mais memorável adaptação do conto e que muito se assemelha aos acontecimentos daqui. O grande brilhantismo vem quando ele quebra essa nossa previsão e entrega algo mais palpável, surpreendente e ainda assim, assustador.

A expressão “a volta do parafuso” diz muito sobre o filme também. Ainda que em português não faça muito sentido, o termo é uma metáfora para aquilo que está ruim e pressionamos para ficar pior. As crianças aqui usam da fraqueza de Grace para construir um jogo perverso, a levando a enfrentar seus próprios fantasmas, se afundando dentro de si. O terror psicológico vem justamente dessa mente desestabilizada dela e desta relação que tem com a fé, deste pavor que sente diante dos símbolos religiosos que repreendem seus pecados. Esta perigosa oscilação da personagem é muito bem representada pela atriz Riley Keough, que entrega um de seus melhores momentos no cinema até agora. O filme, no entanto, perde um pouco pela pressa de se revelar, não nos permitindo aproveitar dessa tensão que se constrói e de suas próprias reviravoltas. O final, aliás, é bastante caótico e não explora todo o potencial que tinha, entregando suas revelações de forma fria, longe do climax que poderia alcançar. Sinto falta de conhecer um pouco mais sobre as crianças e entender melhor as motivações delas também. O longa carece ainda de originalidade, desde sua trilha sonora com ruídos à condução dos diretores, tudo nos remete à um cinema ainda muito recente como “Hereditário”, “O Sacrifício do Cervo Sagrado” e outras obras mais potentes do terror moderno.

Apesar das falhas, “The Lodge” funciona e nos deixa bastante atordoados ao fim, tentando digerir tudo o que nos foi mostrado. Pode não ter o mesmo impacto que outros filmes do gênero, mas merece ser descoberto.

NOTA: 7,5

  • País de origem: EUA
    Ano: 2019
    Duração: 100 minutos
    Título original: The Lodge
    Distribuidor: –
    Diretor: Severin Fiala, Veronika Franz
    Roteiro: Severin Fiala, Veronika Franz
    Elenco: Riley Keough, Jaeden Martell, Lia McHugh, Richard Armitage, Alicia Silverstone

Crítica: Viveiro

O padrão da vida padrão

Viver uma vida padronizada pode ser assustador e em “Vivarium” essa ideia é levada muito a sério. Imogen Poots e Jesse Eisenberg interpretam um casal de namorados que decidem procurar um novo lugar para morar. Lhes é apresentado o belíssimo projeto Yonder, onde uma vizinhança perfeita é composta por casas idênticas. Sem muita empolgação, eles decidem conhecer, no entanto, acabam caindo em uma armadilha e se veem presos no local. Uma espécie de condomínio fechado, um labirinto sem saída. Não importando por onde caminham, sempre retornam para o ponto de início. O nível mais bizarro acontece quando é entregado, à eles, um bebê e um comunicado dizendo que o único jeito de sair é cuidando dele.

A premissa de “Vivarium” é bem absurda e esta acaba sendo a grande graça do filme, por nos permitir adentrar a uma possibilidade bizarra e estranhamente assustadora. Ruas limpas, casas perfeitas, o cenário do terror aqui se difere do convencional e o pavor que se instaura nos protagonistas é ter que viver uma vida que não programaram, pelo contrário, parece ter sido friamente calculada para eles. O universo proposto pelo diretor Lorcan Finnegan, ainda que bizarro, tem sua própria lógica. No entanto, a cosmologia aqui apresentada, não é explorada da melhor forma. O filme vai deixando de ser instigante quando encontra o tédio e a falta de elementos, até mesmo visuais, o torna repetitivo e desinteressante ao seu decorrer. Sinto que eles não encontraram os melhores caminhos para explorarem a belíssima ideia que tinham lá no começo. É um tipo de proposta que existe espaço para maior imersão, mais detalhes, mais loucura. Mas o próprio roteiro parece se cansar da ideia. A presença do garoto na trama que é, na verdade, o grande foco da história, é de difícil digestão. Mais irritante do que intrigante, como deveria ser. O fim, ao menos, fecha suas pontas de forma coesa e acaba conseguindo despertar em nós, provavelmente, seu intuito. Nos deixar reflexivos sobre seu mundo e um tanto quando fascinados por essa inventiva realidade.

Falta ao filme, também, uma noção de tempo. A trama acontece de forma rápida e pouco entendemos qual foi a duração de tudo aquilo. O tipo de informação que não precisa ser clara, mas não existe nem sugestão disso, o que dificulta ainda mais nossa conexão com os protagonistas, porque nunca sabemos exatamente o quanto de tudo aquilo eles precisaram aturar. É mais difícil ainda quando temos um ator tão limitado quanto Jesse Eisenberg, que em uma repetição de trejeitos, não consegue passar o mínimo de desespero e angústia que o personagem exige. Acaba ficando tudo muito nas costas da talentosa Imongen Poots, que de fato, é a alma do filme.

Na primeira cena de “Vivarium”, uma representação clara da crueldade cíclica da natureza. Um passarinho mata um filhote para que pudesse ocupar seu ninho. Curiosamente, isso revela muito sobre esse universo criado dentro da obra. Podendo haver outras interpretações, vejo Yonder como o ninho desses extraterrestres, que precisam sequestrar um casal jovem que pudesse cria-los e inseri-los na sociedade. Provavelmente por isso eles repetem os gestos e imitam os humanos, como forma de aprendizado. Um ciclo que se repete e se mantém em segredo. Cruel, mas parte da natureza deles, da necessária sobrevivência.

“Vivarium” é um thriller que traz ideias interessantes, que nos faz questionar e tentar encontrar possíveis interpretações ao que nos mostra. No entanto, sinto ser uma grande ideia desperdiçada em uma produção simples, em um filme pequeno demais perto da boa premissa que tinha. Suas boas intenções não são exploradas ao máximo e isso frustra. Termina e deixa a sensação de que poderia ter voado muito mais alto, ter mergulhado de vez à suas bizarrices e não ficado na superfície como ficou. A obra acaba por dizer sobre esse nosso aprisionamento, nesse labirinto cíclico que vivemos. Crescer, casar, ter uma bela casa, um filho. Aprendemos a querer todas essas coisas e vivemos para tê-las. Nossa jornada está traçada e é difícil encontrar uma nova saída. Talvez não queremos essa vida padronizada e “Vivarium” entendeu que não há nada mais aterrorizante que viver o que não se quer.

NOTA: 6,5

  • País de origem: EUA
    Ano: 2019
    Duração: 97 minutos
    Título original: Vivarium
    Distribuidor: –
    Diretor: Lorcan Finnegan
    Roteiro: Lorcan Finnegan, Garret Shanley
    Elenco: Imogen Poots, Jesse Eisenberg

Crítica: Corpus Christi

A farsa do bom cristão

Representante da Polônia no Oscar 2020 na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, “Corpus Christi” vem para questionar o cristianismo e a hipocrisia dos cidadãos de bem que pregam a religião. Provavelmente seu aparente tema tenha afastado parte de público, mas é um produto necessário, que surpreende pelas reflexões que deixa pelo caminho e dialoga tão bem com tantas culturas, inclusive a nossa.

O filme é incrivelmente bem escrito e já em seus primeiros minutos nos revela sua potente premissa, que jamais perde o fôlego ou interesse. Somos apresentados à Daniel, um jovem que enfrenta uma transformação espiritual em um reformatório e sonha em ser padre, no entanto, sua ficha criminal o impede de realizar isso. Assim que ele é levado para trabalhar em uma serralharia em uma região distante, Daniel renega seu destino e, vestindo sua batina, acidentalmente ele passa a assumir uma paróquia do local. Sua farsa, porém, acaba transformando a relação dos moradores com a religião, com o luto e perdão.

É muito curioso e intrigante toda a jornada do protagonista. Enquanto que no começo, Daniel parece um jovem perdido em busca de encrenca, logo ele assume um papel de grande importância ali, confrontando tantos pensamentos e tradições daquele local. Ainda que ele seja um parasita, passamos a questionar se aquele, de fato, não deveria ser o seu lugar. Que a fé dele não é menos valida que a de ninguém. Ele que vem de uma realidade tão distante, traz uma nova e necessária perspectiva, uma renovação para atos tão calculados de uma religião estagnada. Sua adoração é espontânea e isso acaba gerando uma série de embates que ganham proporções grandiosas na tela. É fascinante toda a discussão que o protagonista traz sobre perdão, logo que aqueles cidadãos tão corretos destilam palavras de ódio quando se veem como donos da justiça e da razão. Eles vivem de uma bondade seletiva, que julga o resto, que exclui. A farsa, ironicamente, deixa de ser a de Daniel, mas de toda aquela comunidade que assume o papel de bom cristão.

Quando o passado do protagonista é revelado, “Corpus Christi” ganha uma camada ainda mais profunda. O longa nos coloca no papel de julgadores, de refletir se deve existir redenção ao jovem criminoso. Existe transformação? Ele merece encontrar seu lugar de paz? O filme termina e nos deixa desolados por sua resolução, longe de ser previsível e tão doloroso quanto realista. Daniel carrega a culpa, o peso de suas escolhas, e mesmo que haja bondade naquele coração, ele está inserido em uma realidade que não lhe dá chances, precisando encarar seu próprio inferno na Terra. Longe do maniqueísmo, longe das tantas definições pregadas pela igreja, a obra expõe a humanidade existente nesses grandes personagens, tão falhos, tão corruptíveis. Qual deles merece a salvação é uma questão cruel e que, dolorosamente, acaba tendo uma resposta ao fim. É a mesma resposta e o mesmo senso de justiça aplicado pela hipócrita fé cristã.

Esta poderosa jornada não teria o mesmo impacto sem a grande performance do ator Bartosz Bielena. Há muitos sentimentos expostos por seu olhar e que nos faz ter empatia por seus passos. Me encanta muito também a relação de seu personagem com a jovem Marta, em como eles se entendem no meio de pensamentos e crenças tão distantes das deles. “Corpus Christi” me pegou de surpresa, por todas essas reflexões e temas tão bem debatidos por este brilhante roteiro. Existe coragem em seus discursos, que vem não para questionar a fé ou diminuir o valor do cristianismo. Vem para indagar, nos fazer olhar para a hipocrisia. Nos fazer olhar para a farsa. Não a farsa do jovem que se faz de padre, mas da farsa que vemos todos os dias, da de pessoas que usam da fé como discurso de ódio. Desta “religião” sem nenhum senso de bondade, igualdade e perdão.

NOTA: 9,5

  • País de origem: Polônia, França
    Ano: 2019
    Duração: 115 minutos
    Título original: Boze Cialo
    Distribuidor: Elite Filmes
    Diretor: Jan Komasa
    Roteiro: Mateusz Pacewicz
    Elenco: Bartosz Bielenia

Crítica: Um Mergulho no Passado

Passado, presente e futuro.

Inspirado no filme francês “La Piscine” de 1969, temos aqui uma versão ousada e bastante provocativa. Os atores se destacam em uma trama intrigante que envolve quatro personagens, vividos pelos britânicos Tilda Swinton e Ralph Fiennes, pela norte americana Dakota Johnson e pelo belga Matthias Schoenaerts. Gosto desses filmes que me lembram uma peça de teatro, que não permite que seus personagens escapem de seus limites muito bem demarcados, sendo obrigados e se enfrentarem dentro deste pequeno espaço. O cenário é uma província italiana, com belas paisagens e uma casa que abriga uma piscina. É nesta piscina que grandes eventos ocorrem, que sentimentos são expostos e algumas verdades são ditas.

Marianne Lane (Swinton) é uma famosa cantora de rock, que deixou seus anos dourados para trás e tenta viver tranquilamente com seu namorado (Schoenaerts). Seu novo estilo de vida pacato, porém, não convence seu ex, Harry (Fiennes), que resolve, sem aviso prévio, passar uns dias de descanso em sua casa, ao lado de sua recém descoberta filha (Johnson). O filme, então, narra os acontecimentos imprevisíveis destes dias intensos, onde as lembranças do passado retornam e os passos do futuro se tornam incertos.

Cada um dos dois lados de um EP possui seis canções. O roteiro faz aqui uma interessante analogia a isso, onde a protagonista, cantora de rock, teve sua vida amorosa dividida por dois homens, cada um com suas características, durante seis anos cada. E cada lado deste álbum possui seus altos e baixos e ambos representam uma vida completamente diferente. Marianne, então, precisa lidar, dentro de um espaço pequeno, com seu passado e presente. Neste sentido, é conflituoso todas essas relações, onde nos olhares e pequenos gestos parecem esconder toda uma história e inúmeras intenções não reveladas. Todos os personagens aqui são ambíguos e nada é claro o suficiente para qualquer tipo de julgamento. Seja do pai que trata a filha desconhecida com um certo desejo, seja da ninfeta que parece seduzir tudo aquilo que é proibido, seja do homem que não aceita o rumo que a vida de sua ex tomou. Nada exige resoluções fáceis e o roteiro brilha quando insere naturalidade e espontaneidade neste grupo de indivíduos, que age com uma certa felicidade sobre o momento atual, mas que nitidamente lutam por dentro por uma nova ruptura, uma mudança, um novo rumo que lhes tire de onde estão.

O química entre os atores funciona e é um dos pontos fortes do filme. O elenco oferece atuações sólidas e se entregam a seus belos personagens. Dakota Johnson surpreende, aparece sexy e distinta de sua Anastasia de “50 tons” e isso é ótimo. Matthias Schoenaerts sempre introspectivo, mas não decepciona. No entanto, o palco é mesmo dos veteranos Ralph Fiennes e Tilda Swinton, que brilham, divertem e seduzem em cena. Aliás, todos eles se despem literalmente e o diretor revela seus corpos nus de forma natural, às vezes até impactante, mas sem glamour e que, de certa forma, é ousado por quebrar alguns tabus do cinema atual.

A Bigger Splash” foi o primeiro sinal de Luca Guadagnino, lançando posteriormente filmes como “Me Chame Pelo Seu Nome” e “Suspiria”. Aqui ele já prova ser um excepcional diretor e mesmo tendo um mãos uma trama tão simples – brilhantemente escrita, aliás – entrega sequências revigorantes e cheias de energia e personalidade. É sexy, insano, visceral. A cena em que Ralph Fiennes dança, enquanto escuta sua amada canção do Rolling Stones, sintetiza a força da obra. É um momento estranhamente memorável, que remete a liberdade dos bons musicais e encanta por ser tão vibrante.

NOTA: 8,5

  • País de origem: EUA, França, Itália
    Ano: 2015
    Duração: 125 minutos
    Título original: A Bigger Splash
    Distribuidor: –
    Diretor: Luca Guadagnino
    Roteiro: David Kajganich
    Elenco: Tilda Swinton, Ralph Fiennes, Matthias Schoenaerts, Dakota Johnson.

Crítica: Uma Vida Oculta

O herói secreto

Terrence Malick é um cineasta interessante. Sempre foi. Há certas características que somente podemos encontrar em seu minucioso trabalho. Não há mais ninguém fazendo o que ele faz. Ainda que ele tenha nos dado razões para tamanha aclamação ao longo de sua carreira, seus últimos filmes demonstraram, estranhamente, uma grande decaída. Títulos como “Cavaleiro de Copas” e “De Canção em Canção” revelaram um desgaste na sua forma de compor e provaram que Malick se tornou vítima de seus próprios maneirismos. “Uma Vida Oculta” vem, então, quase como um resgate ao que ele era. Pode não ser uma obra-prima, mas finalmente podemos dizer que este é seu melhor filme desde “A Árvore da Vida”, lançado há nove anos atrás.

Mais do que nos remeter a um de seus maiores clássicos, “Cinzas do Paraíso” (1978), a obra traz alguns pontos que, felizmente, se diferem de seus projetos mais recentes. É a primeira vez que vejo Malick contando uma história que não é sua, dando sua visão sobre um acontecimento real. Isso faz muito diferença em sua narrativa, porque finalmente os personagens não perambulam pelas cenas sem nada a dizer e sem um propósito a seguir. Afinal, o cineasta tem fama de não seguir um roteiro. Aqui, seu protagonista tem uma jornada a traçar e um foco muito bem definido a seguir. Franz (August Diehl) é um austríaco que precisa enfrentar um grande dilema em sua vida. Ao início da Segunda Guerra Mundial, ele é obrigado a exercer sua função como soldado, no entanto, ele é completamente contra aos ideias e discursos de Hitler, se negando a lutar ao lado daquilo que não acredita. Porém, este ato é visto como traição da Nação e Franz, assim como sua esposa, passa a ser mal visto por todos ao seu redor, se tornando um fugitivo dentro de seu próprio país.

É novo ver o cineasta contando uma história real e me causa bastante fascínio a forma como ele acabou construindo sua trama. Mesmo que aqui exista um começo, meio e fim – algo raro em sua filmografia – ele ainda traz sua forte assinatura para a tela. É um cinema contemplativo, poético, reflexivo. Que nos faz mergulhar pelos pensamentos e pelas crises existenciais de seus personagens. Através de belas palavras de um texto extremamente delicado, conhecemos o íntimo de seu bravo protagonista. Sua garra, seus sonhos destruídos, sua dor, suas crenças. Malick ainda fala muito de natureza e encontra alma nos campos, nas paisagens. Encontra humanidade em seus poderosos discursos, que divagam sobre fé, integridade e justiça. A jornada de Franz é dolorosa, ainda que encante pela poesia, nos traz um certo pavor e uma angústia diante das consequências que precisa enfrentar devido seu ato corajoso. “Ninguém se beneficia com seu sacrifício”. Este é o peso carregado pelo homem que não quer lutar, que prefere a morte do que trair seus ideais. Desta forma, os últimos minutos do filme são incríveis, de uma profundidade e sensibilidade ímpar.

A produção de “Uma Vida Oculta” é deslumbrante e nos faz brilhar os olhos tamanha a beleza de cada frame. Fotografia, trilha sonora e a rápida e interessante montagem. Tudo ali alcança um nível extremo de perfeição. Terrence Malick continua longe de fazer algo ordinário. Seu pecado continua sendo o fato de não conseguir se desvincular de seus fortes maneirismos. Ele acaba caindo na repetição, de falar a mesma coisa inúmeras vezes e construir sequências com uma similaridade que cansa. É lindo, extremamente bem realizado, mas não foge de sua zona de conforto. Pelo contrário. Poderia ser a chance dele fazer algo realmente novo e ele puxa para mais perto do que já sabe fazer. No mais, ainda é um cinema raro, belo de se ver e sentir. É poesia em forma de filme e somente ele é capaz de fazer isso ainda funcionar. “Uma Vida Oculta” é sobre essas pessoas desconhecidas que quebram regras, que em um ato de loucura, mudam o rumo da história. É sobre esses heróis invisíveis que deixaram um legado. A liberdade que temos hoje foi o sacrifício de alguém lá atrás.

NOTA: 8

  • País de origem: Alemanha, EUA
    Ano: 2019
    Duração: 180 minutos
    Título original: A Hidden Life
    Distribuidor: 20th Century Studios Brasil
    Diretor: Terrence Malick
    Roteiro: Terrence Malick
    Elenco: August Diehl, Valerie Pachner, Bruno Ganz, Matthias Schoenaerts