Inspirada na coluna semanal do The New York Times, “Modern Love” traz crônicas reais de pessoas que tem algo especial a dizer. A série antológica chega em sua segunda temporada no Prime Video e, ainda, com uma leveza adorável. Tem muito do cinema de John Carney (Apenas Uma Vez, Sing Street), que aqui encabeça o projeto. São tramas apaixonantes, confortáveis e que, de alguma forma, nos fazem muito bem.
É natural, como em qualquer série que conte com episódios independentes, que alguns deles nos toquem mais. Logo, assim como a primeira leva, esses também não agradam sempre. Vai acontecer, em alguns instantes, que aquele personagem fale diretamente com você e outras vezes não. É assim, porém, que a temporada termina com a sensação de ser irregular, porque nem sempre segue no mesmo nível. Falha, ainda, por apostar, em alguns momentos, em uma narrativa mais fantasiosa, se afastando daquele realismo que lhe faz tão bem, como no episódio In the Waiting Room of Estranged Spouses, que destoa de todo o resto.
Ainda assim, existe inteligência em todas as histórias contadas e uma maturidade surpreendente no desenvolvimento de cada uma delas. Mesmo que seja simples e rotineiro, aquele recorte foi importante para alguém. Uma viagem, um reencontro, o primeiro beijo. “Modern Love” nos faz pensar que em cada canto do mundo, neste exato segundo, histórias estão sendo traçadas. E ao nos identificarmos com essas crônicas de vida, traz aconchego, conforto.
A temporada já inicia com o momento de maior inspiração do show. On a Serpentine Road, With the Top Down é emotivo e facilmente nos leva às lágrimas. Os episódios 2, 3 e o último também se destacam ali. Um tema que permeia algumas dessas histórias e dá o tom da temporada é que todos nós carregamos em nós um background. Uma história passada que definiu o que somos hoje e nenhuma experiência que vamos viver irá apagar o que já existiu. Vamos carregar essas lembranças com a gente. Sempre aptos a mudanças, a seguir novos passos, mas sem apagar o aquilo que, um dia, foi importante para nós.
Gosto, ainda, de como todos esses episódios terminam. Paula, personagem de Lucy Boynton, no instante mais metalinguístico da temporada (episódio 3, no trem), revela que prefere os finais sem ponto final, aqueles que terminam como um recorte, com a incógnita dessa vida que continua. “Modern Love” deixa um sentimento bom em nós mesmo que nunca saibamos exatamente como todos esses contos irão seguir. Deixa um sentimento de “quero mais” e, atualmente, são poucas as produções que deixam esse gosto. Aquela sensação de que não se esgotou, de que ainda precisamos ouvir aquelas pessoas falando, aquelas jornadas sendo contadas.
NOTA: 8,0
País de origem: EUA Ano: 2021 Disponível: Prime Video Duração: 256 minutos / 8 episódios Diretor: John Carney, John Crowley, Andrew Rannells Elenco: Minnie Driver, Kit Harington, Lucy Boynton, Dominique Fishback, Sophie Okonedo, Tobias Menzias, Zoe Chao, Garrett Hedlund, Anna Paquin, Jack Raynor, Tom Burke
Representante de Hong Kong no Oscar de Melhor Filme Internacional deste ano, “Dias Melhores” é um drama impactante e traz um debate social bastante necessário sobre bullying. O diretor Derek Tsang evita qualquer sutileza ao narrar a dolorosa jornada de uma estudante, Chen Nian, que às vésperas de realizar uma tão esperada prova de vestibular, é vítima de perseguições violentas no colégio. Seu destino acaba cruzando com o de Xiao Bei, membro de uma gangue local e que tem uma vida tão solitária e hostil como a dela. Nessa rápida identificação, ela acaba encontrando no desconhecido um guardião, alguém que finalmente possa protegê-la nesse mundo desolador que tanto a rejeita.
O longa faz um registro interessante sobre esse ritual de passagem para a maturidade. São jovens que sonham em ter suas vidas transformadas por uma prova. Sonham com esses dias melhores que virão. A protagonista busca por se ver livre deste ambiente tão opressor que é a escola, pronta para atravessar essa linha em que exista empatia e esquecimento. O diretor entrega um contraste entre a beleza do crescimento, da pureza, com a solidão, com a vivência desses traumas que não se apagam. Na primeira sequência, conhecemos nossa protagonista no tempo atual lecionando uma aula de inglês, no qual ensina a sentença “Costumava ser”. Existe poesia nessa passagem, ao falar sobre como esta não é uma frase comum do passado, porque ela envolve uma perda. Algo que existiu e não existe mais. E assim mergulhamos em suas dolorosas lembranças e tudo o que ela perdeu, tudo o que não é mais.
Apesar da sensibilidade com que narra esse encontro entre os dois personagens, Derek Tsang pesa a mão nesse filme denúncia sobre bullying que tenta construir. Na necessidade de deixar excessivamente clara suas intenções, peca pelo didatismo. Isso pode até auxiliar um debate em uma sala de aula, mas perde como cinema. Como quando para enfatizar a violência sofrida pelos personagens, constrói antagonistas quase como vilões cartunescos. Ao oscilar entre instantes delicados com outros piegas e pouco inspirados, o diretor acaba entregando um produto irregular. Também por culpa da longuíssima duração, que se prolonga muito mais do que o necessário.
“Dias Melhores” traz discussões e reflexões necessárias, mas pesa demais no drama, dificultando nosso envolvimento. Acaba valendo, porém, pela potente entrega dos dois atores principais. Existe honestidade e garra em cada um, e são eles que nos trazem de volta ao filme constantemente.
NOTA: 7,5
País de origem: Hong Kong Ano: 2020 Título original: Shao Nian de Ni/Better Days Disponível: Telecine Play Duração: 135 minutos Diretor: Derek Tsang Roteiro: Wing-Sum Lam Elenco: Dongyu Zhou, Jackson Yee
Já vou iniciar o texto dizendo que fiquei impressionado com esse filme. É muito interessante como eles conseguiram pegar uma ideia tão boa para uma sequência e distorcê-la e estragá-la a cada nova cena. A obra vai ficando pior a cada minuto que passa, existindo assim, uma diferença gritante entre aquela que vimos nos vinte primeiros minutos – com direito uma baita cena de exorcismo – com aquela que termina. Não é apenas frustrante ver o que os roteiristas fizeram com a boa premissa, mas principalmente com o que fizeram com a franquia. Não tem nem como comparar isso com aquele filmaço de terror que conhecemos em 2013.
A intenção era das boas. Esse terceiro capítulo de “Invocação do Mal” iria levar o casal de demonologistas, Ed e Lorraine Warren para o tribunal. Isso porque eles são convocados a provar uma possessão demoníaca para livrar o jovem Arne da prisão, visto que ele alega ter assassinado um homem a comando do Demônio. É um campo interessantíssimo, não apenas por ser baseado em uma história real, mas porque abriria discussões curiosas sobre como a lei reagiria diante de afirmações como essas, podendo trabalhar dois lados ali da trama, assim como o instigante “O Exorcismo de Emily Rose”.
Infelizmente, mais uma vez, tudo vira sobre o casal Warren. Aquele mistério de um processo jurídico some e rapidamente estamos diante de uma aventura vergonhosa, com visões, perseguições e uma vilã tosquisima. Isso porque “o mal” ganha rosto e todo interessante caminho inicial sobre possessão demoníaca se desfaz. O ato final, inclusive, é tão podre que é difícil de assistir.
O excesso de efeitos visuais também quebra essa sensação de “realismo” e imersão que tão bem era trabalhado nas mãos de James Wan. A direção aqui é de Michael Chaves e ele fica devendo e muito. É simplório, piegas e pouco causa tensão. Salva a química entre Vera Farmiga e Patrick Wilson e o bom trabalho do elenco coadjuvante, porque de resto, só lamentação.
NOTA: 5,0 / 10
País de origem: EUA Ano: 2021 Título original: The Conjuring: The Devil Made Me Do It Disponível: HBO Max Duração: 112 minutos Diretor: Michael Chaves Roteiro: David Leslie Johnson-McGoldrick Elenco: Vera Farmiga, Patrick Wilson, Sarah Catherine Hook, Ruairi O’Connor, Julian Hilliard
Difícil falar sobre essa minissérie. A produção me levou a sentir e a refletir sobre tanta coisa ao mesmo tempo, tornando a digestão quase impossível. Escrita, produzida e protagonizada pela talentosíssima Michaela Coel, “I May Destroy You” vai te destruir. Para cada pessoa, claro, de uma forma diferente. Para uma mulher preta terá, com certeza, um impacto ainda maior do que eu tive e será uma experiência diferente da que eu tive. E ainda que eu tenha apreciado muito, não posso negar que, ao fim, senti uma leve ponta de decepção também.
Durante 12 episódios, a minissérie nos faz mergulhar no trauma da protagonista. Arabella (Coel) é uma escritora promissora, rodeada de bons amigos e dos bons rolês londrinos. Depois de sofrer um lapso de memória pelo alto nível de álcool, tenta buscar em suas falhas lembranças os eventos da noite anterior. Vem com muito humor essa descoberta, mas é uma comédia que provoca, que não faz rir. O brilhante texto nos leva a desvendar o que aconteceu ao seu lado, a revirar os detalhes e a sentir sua dor diante do ocorrido. Assim como Arabella, não queremos ter que ver. É então que “I May Destroy You” vem em tom confessional e bastante íntimo de Michaela Coel ao falar sobre estupro e diversos tipos de abuso sexual que encontramos em nossa sociedade e nem mesmo nos damos conta. É um relato poderoso, chocante e assombroso.
“O meu grito pode ajudar o grito silencioso delas”. O show é o grito de uma artista que se viu acuada diante de uma situação tão delicada e precisava exteriorizar isso. Ao revelar sua dor, ela revela a de muitas pessoas. É fácil criar essa identificação com os personagens, não necessariamente pelo o que eles viveram, mas porque eles são escritos com uma naturalidade absurda. Porque eles são tão falhos como todos nós, sempre aptos a fazerem as escolhas mais equivocadas. É, ainda, interessante em como a narrativa se expande para os amigos da protagonista, onde vivenciam algo que lhes causam dúvida. E essas dúvidas passam a ser as nossas também. Para nenhum personagem essa certeza existe, estão todos com esta indagação do que ocorreu no passado. O trauma nunca é claro. Ele vem em lapsos, em revisitar o momento com outros olhos. “I May Destroy You” nos provoca ao fazer perguntas difíceis ao invés de nos dar respostas suaves.
O que me frustra, porém, é que ao decorrer dos episódios, o roteiro dá vários saltos temporais. Ainda que isso agilize a trama e a evolução dos personagens, é um pouco incômodo essa escolha por omitir do público alguns instantes cruciais da história, como o fato de nunca ouvirmos as confissões e os relatos de seus traumas um para o outro. Simplesmente pula para um tempo em que os conflitos dessas relações já foram superados. Avança na história, mas perde na dramaticidade e na profundidade desses indivíduos. Não que eu ache que tudo precisa ser revelado, mas infelizmente em “I May Destroy You” o que alcança a superfície nem sempre é mais interessante daquilo que não é falado.
A minissérie terminou e me deixou um sentimento misto, confesso. O incômodo é proposital, aceito. Mas além desse desconforto, vem a frustração porque a trama parece não alcançar seu altíssimo potencial. O final entrega uma saída interessante e muito dialoga com seu ousado texto metalinguístico. “Ego Death” vem com um conceito lindo, mas pouco acrescenta para a narrativa. Disse tanto ao longo dos episódios para, ao fim, preferir se esquivar.
A produção, por sua vez, é fantástica, bela de se ver e impressiona por esse roteiro em que faz tanta coisa caber em apenas trinta minutos. Além de Coel, que está incrível, vale prestar atenção em Weruche Opia, impecável como Terry, a melhor amiga. O texto é ótimo e apesar de perder o fôlego nos últimos e gastar tempo com subtramas nem sempre interessantes, vale muito dar uma chance. Não são temas fáceis e a minissérie vem com uma abordagem completamente nova e necessária. Michaela Coel levanta debates urgentes e, por vezes, com a agressividade que precisávamos.
NOTA: 8,0
País de origem: EUA Ano: 2020 Disponível: HBO Max Duração: 360 minutos / 12 episódios Diretor: Sam Miller, Michaela Coel Roteiro: Michaela Coel Elenco: Michaela Coel, Weruche Opia, Paapa Essiedu
Steven Soderbergh é um dos cineastas mais inquietantes de nosso tempo. É curioso como um diretor veterano ainda se arrisca em produções menores, de baixo orçamento, sempre disposto a oferecer algo novo. Foi em 2018, impressionado pelas novas tecnologias, que ele trocou sua câmera pelo IPhone. É assim que ele lança “Let Them All Talk”, desafiando o cinema tradicional que conhecemos. Equipe enxuta, um celular na mão e uma filmagem que durou uma semana.
O longa conta com o roteiro da estreante Deborah Eisenberg, que escreveu poucas páginas com algumas sequências-base e deixou que os atores improvisassem o resto. O filme quase todo acontece em um transatlântico, onde uma renomada escritora (Meryl Streep) aceita fazer uma viagem para a Inglaterra para receber um prêmio. Ela tem a permissão de levar mais três acompanhantes, é então que entra em cena seu sobrinho e auxiliar Tyler (Lucas Hedges) e duas amigas que não vê por trinta anos, Roberta (Candice Bergen) e Susan (Dianne Wiest).
“Let Them All Talk” é um exercício cinematográfico intrigante, ainda mais quando Soderbergh também se responsabiliza pela fotografia e montagem. É um trabalho soberbo, que jamais escancara suas tantas limitações. Ele ousa nessa possibilidade do improviso também, deixando seus atores à vontade em cena. Nessa intenção de “deixar eles falando”, o longa acerta ao não ser verborrágico e apreciar o silêncio. É assim que o filme se torna um convite a desaceleração, a apreciarmos esse tempo pausado em que a trama segue. Navegamos por essas conversas e por esses desencontros dos personagens. Tem tudo para ser entediante para muita gente, mas de alguma forma me senti seduzido por esse universo e por esses diálogos tão naturais.
A obra mostra essas três mulheres se reunindo depois de um longo período. No entanto, são relações fragilizadas, que não sobreviveram a esse tempo de rompimento. Apesar de terem a mesma idade, cada uma vive um momento distinto na vida, com motivações e aspirações opostas. Enquanto Alice e Roberta travam uma disputa silenciosa ali, Susan parece ser o elo pacificador. Dianne Wiest brilha e entrega o melhor momento do filme em seu discurso inspirador sobre como todos são privilegiados por serem os últimos a verem as estrelas em seu estado natural. As três estão incríveis, na verdade, mas curiosamente Meryl acaba sendo ofuscada pelo carisma das duas coadjuvantes.
Acaba sendo um desperdício, então, juntar três atrizes fantásticas e não lhes entregar o devido espaço, onde tão pouco dividem a mesma cena. Uma escolha equivocada apostar na persona apática e abobalhada de Lucas Hedges quando seu personagem tem quase nada a dizer e, infelizmente, acaba tendo mais destaque do que queríamos e mais do que a obra pedia.
“Let Them All Talk” diverte com sua simplicidade e encanta pela naturalidade das situações. Flui na mesma velocidade da vida, sem encanto, sem grandes momentos, apenas sendo o que é. Pode não causar muito impacto em nós apesar das boas reflexões e diálogos, mas ainda assim é uma experiência agradável e um presente poder assistir três grandes atrizes na tela.
NOTA: 8,0
País de origem: EUA Ano: 2020 Disponível: HBO Max Duração: 113 minutos Diretor: Steven Soderbergh Roteiro: Deborah Eisenberg Elenco: Meryl Streep, Lucas Hedges, Candice Bergen, Dianne Wiest, Gemma Chan
Romance com tons de mistérios, “Verão de 85” é uma viagem deliciosa de François Ozon aos anos oitenta. Já em sua apresentação, ele nos lança à batida de “In Between Day” do The Cure e nossa relação com o tempo que ilustra está rapidamente estabelecida. O diretor consegue trazer em cada imagem uma sensação nostálgica, jamais caricata. Seja nos cenários, na trilha, nos cuidadosos figurinos. Cada elemento nos transporta para a época e vivenciamos essas experiências juvenis do qual narra com muito carinho.
Para entendermos quem nós somos é preciso investigar as dores que os nossos antigos relacionamentos já nos deixaram. É assim que nos apresenta o jovem Alexis (Félix Lefebvre), que decide nos contar sobre como viu o amor de sua vida virar um cadáver. Como todo filme de mistério do qual já sabemos o fim previamente, o roteiro vai, aos poucos, juntando as pontas dessa trágica jornada. Alexis, então, relata sobre seu encontro com o homem de seus sonhos, David (Benjamin Voisin), que surge ao mar para lhe salvar. Tudo nos é mostrado como um sonho, um deslumbre surreal de um rapaz apaixonado que só quer ter uma boa história para contar. Ao mesmo tempo em que existe beleza nessa intenção, François Ozon também falha ao tentar emular o próprio cinema aqui, reproduzindo narrativas como a relação aluno-professor e a metalinguagem de “Dentro de Casa”. Essas semelhanças com seus trabalhos anteriores soa mais preguiçoso do que inventivo e autoral.
Um filme que começa pelo fim. Até boa parte da projeção, essa sacada funciona, transitando entre um romance e o suspense. Quando o ato que aguardamos enfim chega, o roteiro pouco sabe trabalhar o que lhe resta. Quase como se tivesse elaborado a história só até aquele momento crucial e pouco se importou com o que faltava. O final desanda bem, perdendo aquele brilho da experiência e se tornando enfadonho.
Ainda que a obra fale justamente sobre como nossos relacionamentos são incompreensíveis aos outros, enquanto público, é desanimador não fazer parte do drama dos personagens e simplesmente assistir, sem conseguir entender o que os motiva. O conflito mais importante entre o casal poderia até gerar questões interessantes sobre expectativas, mas é confuso e mal desenvolvido. Isso quebra demais com a relação que criamos com a obra, principalmente porque nos abandona justamente no clímax. Ao menos, as últimas sequências ajudam e finaliza na simplicidade e doçura do qual, infelizmente, abandonou durante o caminho. Ainda assim, é uma obra que me causou boas sensações, fala da juventude com coração e cativa.
NOTA: 7,5
País de origem: França Ano: 2020 Título original: Eté 85 Duração: 100 minutos Diretor: François Ozon Roteiro: François Ozon Elenco: Félix Lefebvre, Benjamin Voisin, Philippine Velge, Valeria Bruni Tedeschi
Indicado ao Oscar, neste ano, na categoria de Melhor Filme Internacional, “Quo Vadis, Aida?” é um drama que mexe com os nervos do público. É difícil sair ileso por tudo o que nos apresenta. Dirigido por Jasmila Zbanic, o longa relembra um dos atos mais violentos da Guerra Civil iugoslava, durante os conflitos entre as Nações do Leste Europeu ao início da década de 90. Mais especificamente quando o exército Sérvio invade as fronteiras da Bósnia.
Nossa corajosa protagonista, Aida, está no meio do fogo. Ela atua como tradutora de um campo de refugiados da ONU e entra em desespero quando todos os cidadãos da pequena cidade de Srebrenica são forçados a deixarem suas casas. Além de lidar com a burocracia da organização, Aida passa a lutar com todas as suas forças pela segurança de sua família, que está no meio dos desabrigados. É curioso tê-la como tradutora neste cenário desolador, sendo obrigada a ser voz de um conflito em que ela também é uma vítima, precisando ser clara quando a tradução é apenas sem lógica e desumana.
“Quo Vadis, Aida?” é, acima de tudo, a dolorosa trajetória de uma mulher, consciente de um possível massacre, em salvar aqueles que ama. Aqueles que protegeria com sua alma. A diretora entrega um filme devastador, dilacerante, nos fazendo acompanhar cada passo da protagonista e sentir esse desespero da impotência. A impotência diante de um genocídio, diante do silêncio daqueles que não podem ajudar. É sufocante a frieza e descaso como tudo é guiado e como tantas vidas são tratadas. Há medo e tensão em cada segundo dessa jornada, nos deixando sem chão e sem ar ao seu fim.
Nada é tão cruel quanto a realidade e o longa nos relembra de maneira dolorosa um episódio da história que jamais deve ser esquecido. Como cinema, temos aqui um exercício narrativo primoroso, repleto de sensações e que facilmente nos causa impacto. É tudo incrivelmente bem guiado pela diretora e pela potente atuação da atriz Jasna Đuričić.
NOTA: 9,5
País de origem: Bósnia Ano: 2020 Duração: 102 minutos Diretor: Jasmila Zbanic Roteiro: Jasmila Zbanic Elenco: Jasna Djuricic, Dino Bajrovic
Um gênio subestimado? Um diretor de apenas um acerto? Por muitos anos e até hoje as pessoas e a crítica tentam definir M.Night Shyamalan. Parece existir um peso em suas costas a cada novo lançamento. Algumas manchetes parecem já vir prontas: “O pior filme da carreira”, “O melhor desde O Sexto Sentido”, “O retorno às origens”. Seu primeiro grande sucesso foi lançado há mais de vinte anos e ainda assim existe muita expectativa sobre suas criações.
Confesso que sempre fui um defensor de Shyamalan. Ele acerta sempre? Claro que não. Já fez bombas? Sim, mais de uma vez. Mas também não entendo essa cobrança que nasceu desde quando queriam que ele fosse o novo Spielberg. Ele nunca foi o novo Spielberg e ele nunca tentou ser.
Admiro as escolhas do cineasta porque elas são corajosas, mesmo quando dão muito errado. Porque mesmo diante de tanta cobrança, ele nunca cedeu. Nunca tentou ser aquilo que todos esperam dele. Seguiu seu rumo próprio, sua linha de raciocínio e até hoje se manteve relevante. Isso é para poucos. Nem todo criador sobrevive.
Aproveitando que recentemente foi aniversário do diretor (dia 6 de agosto) e o lançamento do filme “Tempo”, venho aqui para fazer aquele famigerado ranking, listando todos os seus títulos, do pior ao melhor (que bem, este vocês já conhecem).
E para você? Qual o melhor filme do Shyamalan?
14. Praying with Anger (1992)
O filme de estreia de M.Night Shyamalan, que escreve, dirige, produz e atua como protagonista. Tem tons autobiográficos ao narrar a jornada de um jovem indiano naturalizado nos Estados Unidos. É caseirão, feito com baixíssimo orçamento. Mais difícil de assistir e mais difícil compará-lo com suas outras produções porque funciona quase como um experimento inicial do diretor.
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13. O Último Mestre do Ar (2010)
Adaptação da aclamada série animada “Avatar”. O resultado final é bem fraco e me surpreende M.Night ter se envolvido nisso. A começar pela péssima escalação do elenco, que em nenhum momento respeita as origens de seus personagens. Uma aventura que não empolga, com roteiro apressado e sem jamais se aprofundar na riqueza da obra original.
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12. Vidro (2019)
Também não sei como essa ideia saiu do papel. Shyamalan parecia super empolgado em unir as tramas de “Fragmentado” com “Corpo Fechado”, mas infelizmente seguiu os piores caminhos possíveis. É ambicioso, mas tolo demais para ser levado a sério. Para piorar, um Bruce Willis no piloto automático que claramente não queria estar ali. James McAvoy se entrega e prova que merecia um filme melhor para seu bom personagem. Um universo curioso, mas infelizmente não soube como conduzir.
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11. Olhos Abertos (1998)
Com um olhar mais leve, temos uma obra bem sessão da tarde, que fala muito sobre crença e religião, temas que ele costuma abordar em sua filmografia. No entanto, é tudo tão ingênuo que fica difícil criar alguma conexão. Simpático, mas esquecível.
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10. Depois da Terra (2013)
Confesso que não acho de todo ruim essa ficção científica sentimental. Foca na relação entre pai e filho e consegue extrair algumas boas ideias dali, não muito óbvias. Infelizmente, a fraca presença de Jaden Smith diminui seu potencial como um todo. É difícil encontrar a emoção que o roteiro exige em sua performance, enfraquecendo seus discursos.
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9. Fim dos Tempos (2008)
Penso que se tivesse sido lançado hoje, talvez tenha sido melhor aceito. É um filme de terror que não se leva a sério, mas acabou não conquistando o público na época. Tem brilho e boa dose de ousadia nesse thriller apocalíptico. Infelizmente, as soluções que encontra ao fim são tolas, não causando o impacto que prometia. A fraca atuação de Mark Wahlberg também não ajuda.
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8. Tempo (2021)
O mais recente trabalho do diretor tem muito do que vimos em “Fim dos Tempos” e nesse body horror ao ar livre. Um espetáculo visual intrigante, colocando alguns personagens presos em uma praia onde o tempo corre acelerado. Suas ideias são boas e nos mantém atentos aos seus mistérios do começo ao fim. No entanto, peca quando decide deixar tudo extremamente explicado ao fim. Tudo se resolve na tela, não sobrando quase nada na mente do público assim que termina.
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7. A Visita (2015)
O filme mais cômico do diretor e o mais aterrorizante também. A visita de dois jovens para a casa de campo dos avós resulta em uma história tensa e de sequências de tirar o fôlego. A técnica do found footage é muito bem empregada aqui e nos faz mergulhar dentro da trama. A comicidade extrema, porém, às vezes atrapalha a experiência.
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6. Fragmentado (2016)
A produção que levou Hollywood a apostar novamente em Shyamalan, que havia se afundado nos anos anteriores. É um produto que revitaliza essa sua força como criador de histórias intensas e explora todo o potencial deste grande personagem que possui 23 personalidades. James McAvoy está soberbo e faz a brincadeira dar ainda mais certo.
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5. A Dama na Água (2006)
Curioso como em sua trama, um escritor revela uma obra incompreendida ao seu tempo, mas que faria mais sentido no futuro. Penso que “A Dama na Água” ainda possa encontrar seu público. Ainda possa ser reconhecido como um dos grandes filmes que ele já realizou. É o projeto mais íntimo de sua carreira, que fala sobre sua paixão por cinema e sua relação com seu filho, para quem contava contos de dormir. É sensível, belo e tem, nitidamente, muito coração.
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4. Corpo Fechado (2000)
Um dos precursores dos filmes de super-heróis. Ainda assim, veio com uma abordagem completamente nova e jamais vista até hoje. Ele humaniza essa figura do homem comum que, de repente, descobre ter super poderes. É bastante delicado a forma como narra essa jornada, impressionando pela excelente construção de sua trama e seus bons personagens.
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3. Sinais (2002)
Confesso que gosto bastante de filmes sobre alienígenas e “Sinais” foi, definitivamente, um dos melhores já realizados sobre a temática. É incrível como Shyamalan vai construindo a tensão, cena após cena, e ao mesmo tempo consegue dar vida a seus personagens e neste belíssimo conto sobre luto e traumas familiares. Tudo se encaixa ao fim e é lindo de ver como tudo funciona.
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2. A Vila (2004)
Uma obra-prima do terror contemporâneo. Subestimado por muitos, “A Vila” reúne o que há de melhor em Shyamalan. Boas ideias, a atmosfera tensa, o final brilhante e a comovente condução dos personagens. É fantástica toda a ambientação do filme, suas boas metáforas e as tantas reflexões que conseguimos tirar dali. Emociona pela belíssima trajetória da protagonista, que cega, precisa atravessar uma floresta habitada por monstros para salvar aquele que ama. Bryce Dallas Howard está impecável.
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1. O Sexto Sentido (1999)
Dizer que este é o melhor momento de M.Night Shyamalan é chover no molhado, eu sei. Foi um dos primeiros filmes que assisti e tive aquele real impacto. Quando senti o poder do cinema, finalmente. Vi e revi inúmeras vezes e ainda assim O Sexto Sentido trouxe algo novo e sempre vai trazer. Vai sobreviver ao tempo como os grandes clássicos sobrevivem. Temos aqui umas das reviravoltas mais sensacionais de toda a história. Não apenas porque surpreende, mas principalmente porque emociona, porque nos toca.
Mesmo com uma carreira de altos e baixos, M.Night Shyamalan é um dos poucos cineastas que causam essa comoção. Essa curiosidade sobre suas criações, sobre o que sua mente ainda é capaz de produzir. Em um momento em que o cinema quase que depende de sequências de grandes franquias, ele consegue criar um alvoroço sobre uma ideia nova. E o cinema carece desse tipo de ideia. Aquela trama mirabolante que mantém a audiência atenta e sedenta por falar sobre.
Apesar de se inspirar na HQ “Castelo de Areia”, Shyamalan a traduz com sua própria linguagem, em um filme que muito bem se encaixa em sua filmografia, principalmente nesse body horror ao ar livre de “Fim dos Tempos”. Aqui, um casal em crise decide passar as férias em um local paradisíaco ao lado dos dois filhos pequenos. Como todo bom material de suspense, cada detalhe de seu início já nos indica que algo de estranho está acontecendo ali. E de fato está. Eles aceitam a sugestão do gerente do hotel em conhecer uma praia isolada onde viverão uma experiência inigualável. Lá, eles se deparam com outros turistas que também aceitaram o estranho convite e logo percebem que jamais conseguirão sair de lá.
O tempo neste local fechado corre de outra forma, acelerado, fazendo com que seus habitantes envelheçam em questão de minutos. O terror de “Old” vem justamente dessa ausência de controle do tempo, de possíveis perdas. De assistir a vida de quem se ama chegar mais rápido ao fim. A trama é extremamente instigante e não nos permite escapar dela nem por um segundo. Shyamalan desenha um mundo inteiro na beira de uma praia. É brilhante o que ele faz naquele pequeno espaço, sempre em movimento, sempre entregando imagens de grande impacto visual. Ousa em seus enquadramentos não convencionais, estando sempre posicionado a favor de sua narrativa e de seus bons mistérios.
A ideia é realmente incrível, mas o roteiro nem sempre a explora da melhor forma. Tudo acontece muito rápido e não dá tempo de desfrutarmos de suas boas soluções, de vivenciar esse pavor dos personagens, que pouco se aprofundam, mesmo com um campo incrível a ser trabalhado. No entanto, perde ainda mais pontos com seu final explicativo. Existe um filme incrível ali na praia deserta, mas quando a obra se expande, rapidamente empobrece. Confesso que gosto das respostas que ele cria, mas a forma mastigada que entrega é brochante. Quando Shyamalan decide deixar extremamente claro o que estava acontecendo, perde o brilho e perde a chance de se manter remoendo na mente do público. É um filme de mistério que tudo se resolve ali na tela e não sobra muito em nós.
Em “Old”, o diretor acerta na escalação do elenco diverso e extrai boas atuações ali, se destacando Vicky Krieps que desde “Trama Fantasma” merecia um outro papel de destaque e a jovem talentosíssima Thomasin McKenzie. Fiquei sem entender a escalação da ótima Eliza Scanlan, completamente descartada em cena. Apesar de não conseguir se aprofundar muito, a grande força da obra está na humanidade desses personagens e nas metáforas e reflexões que é possível tirar dali. Todos eles se concentram na praia com histórias não resolvidas, conflitos a serem acertados. O tempo, ao fim, com todos os tropeços, lágrimas e perdas, resolve tudo. “Porque precisávamos sair dessa praia mesmo?”. Lá na frente o que era grande se torna pequeno. Insignificante, às vezes. Só queremos que fique tudo bem. E, no tempo certo, tudo fica.
NOTA: 7,0
País de origem: EUA Ano: 2021 Título original: Old Disponível: cinemas Duração: 121 minutos Diretor: M.Night Shyamalan Roteiro: M.Night Shyamalan Elenco: Gael García Bernal, Vicky Krieps, Thomasin McKenzie, Rufus Sewell, Alex Wolff, Ken Leung, Eliza Scanlen, Abbey Lee
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