Crítica: Duna

Ambicioso e sem alma

Projeto dos sonhos do cineasta Denis Villeneuve, “Duna” tem como base uma obra de extrema complexidade e um dos pilares da ficção científica. Escrita por Frank Herbert em 1965, a história já teve algumas outras adaptações sem sucesso. É assim que o filme chega com grandes expectativas, porque é um universo que merecia esse cuidado e sabíamos que não haveria diretor mais competente a estar a frente de tudo isso que Villeneuve. Ele entrega um produto épico e que precisa ser vivenciado em uma tela grande.

Este primeiro filme nos introduz muito bem ao universo, que acontece em um futuro distante e tem suas próprias leis. Ainda que algumas passagens soem enigmáticas, logo essas peças vão ganhando significado. O herói dessa jornada é Paul Atreides (Timothée Chalamet) que tem sua vida transformada quando seu pai, o duque Leto (Oscar Isaac), aceita administrar o perigoso planeta Arrakis, que é fonte de uma especiaria valiosa. Além de ter inúmeras visões com nativos do local, Paul passa a carregar consigo o peso de ser o herdeiro de sua família e Messias para o novo povo.

“Duna” é uma experiência hipnotizante. Villeneuve constrói uma obra ambiciosa, que choca por sua beleza majestosa. É aquele filme que dá gosto ver em uma tela grande, tamanha imersão que entrega. Diferente da megalomania presente no gênero, aqui o cineasta propõe um jogo de pura contemplação, de caminhar pelos espaços, de dar tempo ao tempo. Todas as cenas são potentes e revelam o belo trabalho de toda a equipe. Dos efeitos visuais, aos figurinos e claro, a fascinante trilha de Hans Zimmer, que traduz muito bem esse novo mundo e nos lança para dentro dele.

É uma pena, porém, quando há toda essa ambição e pouco o que se fazer com ela. Sinto que é um filme que nunca decola, nunca acontece de fato, sendo aquele eterno “vem aí”. Tudo é uma preparação para o que está por vir. Tanto a história como seus personagens estão neste campo de espera, do que acontecerá no futuro. “Duna” nunca é sobre o agora, e é então que nos perde, porque tudo não passa de uma promessa.

Gosto muito do Villeneuve, mas sinto ele seguindo um rumo na carreira muito semelhante ao Nolan e isso não é bom. Ambos cineastas ambiciosos, rigorosos na técnica, mas falta sentimento, falta vida que torne essa grandiosidade próxima de nós. Falta alma. Para uma primeira parte de uma franquia, ele estabelece o universo bem, mas não há carisma nos personagens. Acima de tudo, isso é o que nos faz aguardar os próximos passos e pouco nos importamos com esses indivíduos que ele narra, onde o roteiro é incapaz de criar essa conexão. A maior prova disso é que quando algum deles morre, não sentimos. Falta, ainda, aquela adrenalina pulsando nas sequências de ação. Os embates corpo a corpo são decepcionantes. Nada nos deixa apreensivos ou esperançosos.

Dito tudo isso, não consigo destacar alguém do elenco porque não vejo nenhum personagem sendo trabalhado ali na tela. Todos ficam na superfície, inclusive o protagonista, que tão pouco conhecemos. Para um filme de duas horas e meia é bastante frustrante sentir que o roteiro não soube desenvolver nenhum deles. “Duna” é lindo, hipnotizante e, como franquia, promete muito para o futuro. Mas, por enquanto, ficamos só na promessa.

NOTA: 7

País de origem: EUA, Canadá
Ano: 2021

Título original: Dune
Duração: 155 minutos

Disponível: Cinemas
Diretor: Denis Villeneuve
Roteiro: Eric Roth, Jon Spaihts, Denis Villeneuve
Elenco: Timothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Oscar Isaac, Josh Brolin, Stellan Skarsgård, Jason Momoa, Javier Bardem, Dave Bautista, Chen Chang, Zendaya, Charlotte Rampling

Crítica: 007 – Sem Tempo para Morrer

A despedida que merecíamos

Depois de quinze anos na pele de James Bond, Daniel Craig se despede do personagem neste filme que encerra com grande êxito os capítulos comandados pelo ator. A franquia se renovou ao longo desses últimos anos e alcançou um patamar de altíssima qualidade. “007” fez bonito nessas últimas duas décadas e, por isso, é tão comovente chegarmos nesse encerramento. Ainda mais devido às inúmeras mudanças de data de lançamento devido à pandemia, a expectativa só aumentou. Felizmente, “Sem Tempo Para Morrer” vale a espera e finaliza com a grandiosidade que merecia.

Diferente daquela antiga estrutura episódica, aqui a obra retorna para fechar as pontas que deixou em aberto nos filmes anteriores, principalmente aquelas iniciadas em “Spectre”. James (Craig), mesmo depois de se afastar do MI6, entende que o passado não pode simplesmente ser deixado para trás e volta a confrontar o vilão Blofeld (Christoph Waltz) e os planos da organização terrorista. No entanto, ele se vê envolvido em uma ameaça ainda mais poderosa, precisando correr para salvar o mundo e sua amada Madeleine (Léa Seydoux).

O diretor Cary Joji Fukunaga vem com a difícil missão de manter o bom nível dos filmes anteriores e não só acerta muito como consegue entregar uma das produções mais belas do ano. É uma obra que não descansa, que está sempre seguindo uma nova direção e jamais perdendo a empolgação ou nosso interesse. “Sem Tempo Para Morrer” nos fisga e jamais solta nossa mão. A excelente montagem dá vida a sequências de ação primorosas, que ganham ainda o reforço do talento de Hans Zimmer, que assina a trilha. Além, é claro, de toda a elegância comum na franquia que nos seduz ao seu luxuoso universo.

O que causa um pouco de frustração é o fato da produção retirar o peso de personagens que claramente mereciam mais destaque. O vilão Blofeld de Christoph Waltz some, dando espaço para Safin, vivido por Rami Malek, uma figura de motivações não muito claras e diálogos rasos, que infelizmente enfraquece todo o conflito da obra. Dói, ainda, ter que assistir Ana de Armas por pouquíssimos minutos. Seu carisma preenche a cena e deixa um vazio depois. No mais, a presença e as relações dos demais coadjuvantes é sempre muito bem conduzida pelo roteiro. É um texto que sabe dosar humor, seriedade e sentimentalismo.

Ao início do filme, James Bond já não mais consegue andar tranquilamente na rua sem olhar para trás, sempre com a dúvida da perseguição. É um personagem atordoado pelas perdas, por tudo aquilo que fez no passado e sempre se reflete no presente. James sempre teve tempo para matar, só não teve o tempo necessário para viver. É assim que os cinco capítulos se encerram de forma emotiva e heroica. “Sem Tempo Para Morrer” é uma bela homenagem ao personagem, respeitando sua trajetória e, principalmente, respeitando o público que esteve ao seu lado nesses últimos anos.

NOTA: 8,5

País de origem: EUA, Reino Unido, Irlanda do Norte
Ano: 2021

Título original: No Time to Die
Duração: 163 minutos

Disponível: Cinemas
Diretor: Cary Joji Fukunaga
Roteiro: Neal Purvis, Robert Wade, Cary Joji Fukunaga, Phoebe Waller-Bridge
Elenco: Daniel Craig, Léa Seydoux, Rami Malek, Lashana Lynch, Ralph Fiennes, Ben Whishaw, Naomie Harris, Rory Kinnear, Jeffrey Wright, Billy Magnussen, Christoph Waltz, Ana de Armas

Crítica: Maligno

Entre o bizarro e o sofisticado

Um dos nomes mais fortes do terror atual certamente é James Wan. Depois de “Jogos Mortais”, “Sobrenatural” e “Invocação do Mal”, ele retorna com mais um produto digno de atenção. “Maligno” resgata um cinema não mais usual e vai na completa contramão do que tem sido produzido atualmente no gênero. Apesar de ter visto elogios de muitos colegas cinéfilos, confesso que não terminei de vê-lo tão empolgado como a maioria. É uma produção interessantíssima, mas a bagunça é tanta que me afastou um pouco da brincadeira que propõe.

O que é mais assustador: estar na pele da vítima ou daquele mata? É com essa mudança curiosa de perspectiva que “Maligno” fisga nossa atenção. A protagonista Madison (Annabelle Wallis) passa a ter visões de assassinatos, enquanto os assiste imóvel. Logo, ela busca entender, ao lado da irmã, como isso tem sido possível, enquanto, para uma dupla de detetives, passa a ser a principal suspeita dos crimes. O filme guarda muito bem seus mistérios, nos deixando boquiabertos quando revela suas verdadeiras intenções.

Fazia tempo que o cinema não me impactava nessa medida. É bizarro, chocante e imensamente brilhante o que James Wan nos entrega aqui. Tentei prever, mas não pude imaginar uma reviravolta tão incrível como a que ele dá. É uma pena, porém, que a produção abrace o filme B de horror corporal tão tardiamente, quando já havia gastado tempo demais tentando sofisticar o terror ou tudo aquilo que ele não era. Existe um conflito muito grande entre ser bizarro ou requintado e o diretor nunca decide o que quer ser, entregando um produto osciloso, irregular. A verdade é que eu gosto muito dessa produção que nasce ao final, mas quando olho para o todo, decepciona.

“Maligno” é uma bagunça lindamente produzida, mas sem as amarras de um bom roteiro. Há um belo trabalho de iluminação e sequências incrivelmente bem dirigidas por Wan, mas ainda assim falta um bom texto para sustentar suas boas intenções. Tanto a construção dos personagens como os diálogos são simplórios, onde às vezes até divertem pela breguice, mas também afastam pelo desleixo. Até mesmo para um filme que pretende fazer piada de si mesmo, é preciso ter um bom roteiro para a brincadeira funcionar. A gente se diverte sim, mas nem sempre pelas razões certas.

Não acho que filme de terror precisa necessariamente dar medo e também não acho que filmes precisam se encaixar em um gênero definido. É ótimo, inclusive, quando uma obra sabe dosar essa pluralidade. James Wan joga de tudo ali no meio, do terror giallo ao slasher, do thriller psicológico às tramas policiais. É uma loucura que prende a atenção, mas o cinema não sobrevive somente de referência e ousadia. Infelizmente, o longa ainda não sabe se desvincular dos tantos clichês, encerrando-se com um discurso enfadonho e sem o brilho que merecia.

Apesar dos defeitos, “Maligno” é um filme que sai da caixa e merece reconhecimento sim, e não apenas pela belíssima reviravolta que dá. Penso que é uma obra que vale uma revisita e que pode ter um novo impacto nos anos que virão. É absurdo e propõe uma nova forma de encararmos o terror.

NOTA: 7,0

País de origem: EUA
Ano: 2021

Título original: Malignant
Duração: 111 minutos

Disponível: HBO Max
Diretor: James Wan
Roteiro: James Wan, Akela Cooper, Ingrid Bisu
Elenco: Annabelle Wallis, Mckenna Grace

Crítica: Mais Que Especiais

Investigando a bondade

Inspirado em uma história real, o filme marca o retorno da dupla Olivier Nakache e Éric Toledano, responsáveis pelo hit “Intocáveis” de 2011. Eles continuam a revelar um cinema social de peso, narrando com sensibilidade a história real de dois homens que criaram duas organizações sem fins lucrativos para abrigar e dar assistência a pessoas com transtornos autistas severos. A trama inicia-se quando inspetores passam a investigar a rotina desta instituição que há anos trabalha sem autorização e corre o risco de fechar as portas.

Interessante como a obra usa dessa narrativa de investigação para decifrar um ato de bondade, de altruísmo. Bruno (Vincent Cassel) e Malik (Reda Kateb) estão à frente da organização que responde a necessidades extremas, abrindo portas até mesmo para pacientes sem possibilidades de melhora. A excelente montagem acelerada, além de nos colocar para dentro dessas ações corriqueiras, também revela a correria das tarefas diárias e como os envolvidos acabam por deixar a própria vida de escanteio. Essas batalhas são mostradas em tom documental e comovem pela honestidade, construindo uma teia de afeto e de transformações milagrosas. “Mais Que Especiais” diz muito sobre as burocracias que o sistema de saúde enfrenta e como a medicina é, primordialmente, guiada por protocolos. Existe algo que move os protagonistas e não é uma autorização que vai definir isso.

Ao colocar em cena atores amadores e com Transtorno do Espectro Autista, o filme se torna ainda mais poderoso. Revela essas relações com responsabilidade e muito respeito, além de ser um registro muito fiel sobre o comportamento e atitudes de pessoas que vivem nessa realidade. Não me recordo de outra obra que tratasse do tema com tanta coragem e realismo. Ao fim, soa como uma bela celebração à vida, a apostar no próximo, a lutar pela inclusão do outro. Emociona porque fala com verdade, porque tem coração presente em cada instante.

“Mais Que Especiais” pode afastar alguns pela lentidão com que tudo se desenvolve, mas confesso que me pagou, me cativou desde o início. O carisma de Vincent Cassel e Reda Kateb enche a tela em um misto de doçura e força. A trilha sonora composta pela dupla germânica Grandbrothers nos envolve ainda mais nesse universo. A cena em que os pacientes dançam é de uma beleza que não cabe na tela e a prova maior de que estamos diante de uma obra poderosa. É um filme inspirador, que nos permite sair dele renovados.

NOTA: 9

País de origem: França
Ano: 2019

Título original: Hors Normes
Duração: 114 minutos

Disponível: Telecine Play
Diretor: Olivier Nakache, Éric Toledano
Roteiro: Olivier Nakache, Éric Toledano
Elenco: Vincent Cassel, Reda Kateb

Crítica: Caminhos da Memória

O passado que assombramos

Escrito e dirigido por Lisa Joy, roteirista da série “Westworld“, o filme segue a mesma linha do show da HBO, tão ambicioso quanto vazio. É aquele prato lindo no cardápio, feito com os ingredientes mais saborosos, mas frio e sem sabor quando chega à mesa. Aqui, ela reúne todos os elementos de um ótimo blockbuster: elenco de peso, premissa intrigante e uma belíssima ambientação. Falta roteiro para dar vida a essa super produção que, infelizmente, não tem fôlego para nos carregar e morre minutos depois que começa.

Em um futuro distópico, Miami vive quase que submersa devido ao aquecimento global. Em um cenário de caos e pessimismo, o investigador Nick (Hugh Jackman), ganha a vida com seu lucrativo estabelecimento: possui uma tecnologia que permite que pessoas retornem ao passado, revivendo suas lembranças favoritas. Porém, ele acaba se apaixonando por uma de suas clientes que, misteriosamente, desaparece. É então que ele mergulha em suas próprias memórias e em uma rede de intrigas que podem revelar as razões do sumiço de sua amada.

Nada é mais viciante que o passado. É com esse pensamento que o nosso protagonista tenta recuperar a felicidade dos outros. É triste, porém, quando o próprio filme não entende a força dessa premissa, onde o roteiro jamais consegue explorar esse real potencial, desperdiçando tudo em prol de um suspense investigativo simplório, que circula repetidamente pelas mesmas ideias. A história de amor, base de toda a narrativa, não convence. Hugh Jackman e Rebecca Ferguson funcionam juntos e é uma química que vem desde “O Rei do Show”, mas sem um bom texto que nos faça acreditar, é difícil funcionar. Tudo é desenhado por uma plasticidade fake de comercial de perfume e as frases de efeito o tornam ainda mais enfadonho e tolo.

Há fortes referências de “Blade Runner” aqui, mas mesmo bebendo das fontes certas o produto não alavanca. É fato que o cinema atual carece dessas ideias originais e, por isso, é uma pena que tenham desperdiçado tanta coisa aqui. “Caminhos da Memória” tinha potencial mas insiste em seguir os piores rumos possíveis. Ao menos, ao fim, traz uma reflexão interessante sobre como nosso passado está intacto e somos nós, aqui no presente, que o assombramos.

NOTA: 5 / 10

País de origem: EUA
Ano: 2021

Título original: Reminiscence
Duração: 116 minutos

Disponível: HBO Max
Diretor: Lisa Joy
Roteiro: Lisa Joy
Elenco: Hugh Jackman, Rebecca Ferguson
, Thandiwe Newton

Crítica: A Vida Extraordinária de David Copperfield

O observador de histórias

Com grande elenco e uma narrativa dinâmica, “A Vida Extraordinária de David Copperfield” vem com o intuito de trazer uma nova roupagem a um dos maiores clássicos do autor britânico Charles Dickens. A adaptação, que vem recheada de humor e personagens caricatos, também pretende ser uma homenagem ao romancista, logo que a jornada deste excêntrico protagonista tem tons autobiográficos.

Dev Patel é quem dá vida a David Copperfield. É um personagem clássico, que enfrenta diversas fases na vida, desde maus tratos por seu padrasto, exploração no trabalho, até enfrentar dificuldades quando adulto. É ele se encontrando nesse mundo, buscando sua própria voz, sua identidade e seu talento como contador de histórias. Copperfield encontrará diversas pessoas em seu caminho, cada uma com suas características peculiares do qual ele observa com muita atenção. Tudo isso é ilustrado com um belíssimo visual, que espanta pela riqueza de cores e detalhes. Os figurinos e cenários são de uma beleza hipnotizante.

Encontramos aqui uma obra ambiciosa, que pretende ser épica, mas infelizmente não tem força. Seu fôlego se desgasta rápido e logo nos vemos presos a inúmeras situações do qual não sentimos nenhuma conexão ou interesse. Armando Iannucci, criador e roteirista da série Veep, parecia a escolha certa para o projeto, mas ainda que ele capriche na direção, seu roteiro não tem vida. Ele acelera o passo para dar tempo de contar tudo o que pretende, mas esses tantos personagens que nos apresenta dentro desse universo tão lúdico, pouco desperta afeição ou algum tipo de sentimento. Vemos belas palavras condensadas em um texto que pouco diz.

Dev Patel é um ótimo ator e aqui se esforça, apesar de ser um protagonista confuso e não muito interessante. Ele divide a cena com um grandioso elenco que faz a obra valer mais a pena. Tilda Swinton está impecável. Temos ainda boas presenças de Hugh Laurie, Peter Capaldi e da carismática revelação de Rosalind Eleazar.

“A Vida Extraordinária de David Copperfield” falha nesta missão de modernizar a literatura de Charles Dickens. Acerta na produção, que é deslumbrante, mas peca na construção de seu universo e nesses tantos personagens que tão pouco nos importamos.

NOTA: 6,0

País de origem: EUA, Reino Unido, Irlanda do Norte
Ano: 2019

Título original: The Personal History of David Copperfield
Duração: 119 minutos

Disponível: HBO Max
Diretor: Armando Iannucci
Roteiro: Armando Iannucci, Simon Blackwell
Elenco: Dev Patel, Hugh Laurie, Peter Capaldi, Tilda Swinton, Morfydd Clark

Crítica: A Subida

Os tropeços de uma longa caminhada

Baseado no curta-metragem de mesmo nome, “The Climb” traz novamente a direção e roteiro de Michael Angelo Covino, que aqui também protagoniza. O filme, que venceu a Mostra “Um Certo Olhar” em Cannes de 2019, é uma grata surpresa e diverte ao falar sobre uma inusitada amizade ao longo de vários anos. Existe autenticidade nessa jornada e brilhantismo ao conduzir a evolução desses personagens tão humanos e tão aptos a cometerem os piores erros.

A obra inicia-se registrando a subida de dois amigos ciclistas em uma pista íngreme. É ali que Mike (Michael Angelo Covino) revela a seu melhor amigo, Kyle (Kyle Marvin), que dormiu com sua esposa, dias antes do casamento acontecer. O que poderia ser o momento de separação, é quando o elo se torna ainda mais forte. É uma relação tóxica, narrada por péssimas decisões. Separado por capítulos, o longa nos lança a diversas fases da vida de cada um deles, onde enfrentam o luto, novas mudanças, o envelhecimento. E eles odeiam a si próprios a ponto de nunca se abandonarem.

A subida inicial é filmada em um plano sequência bem arquitetado, onde a fluidez se mantém ao longo da obra e a câmera nunca perde esse ritmo da escalada. Sempre em movimento, adentrando por seus cenários, invadindo a intimidade de seus personagens e tudo aquilo que ninguém se sentiria à vontade em revelar. A produção transmite naturalidade ao falar sobre os tropeços da vida e essas conexões inesperadas que construímos ao longo do caminho. Até mesmo as transformações físicas dos atores em cena, ajudam nessa imersão.

Uma comédia brilhante, incrivelmente bem escrita, colocando em evidência o talento de Michael Angelo Covino. Ele aqui também entrega sequências muito bem filmadas, que possuem uma certa complexidade apesar do baixo orçamento. É um debute potente em um longa-metragem. “A Subida” causa um riso pelo desconforto e uma dúvida inquietante em nós assim que termina. Simples, mas surpreendentemente genial.

NOTA: 8,5

País de origem: EUA
Ano: 2019

Título original: The Climb
Duração: 94 minutos

Disponível: HBO Max
Diretor: Michael Angelo Covino
Roteiro: Michael Angelo Covino
Elenco: Michael Angelo Covino, Kyle Marvin, Gayle Rankin

Crítica: Observadores

O fascínio pela realidade dos outros

Intrigante esse suspense à la Super Cine do Prime Video. Parte porque nos seduz para dentro de seu bom suspense, parte porque derrapa tanto ao final que ficamos nos perguntando quando foi que decidiram jogar a merda no ventilador. O filme vai muito que bem até seus instantes finais, quando o roteiro opta por reviravoltas bizarras e desfaz todo aquele bom envolvimento que tinha nos causado até então. É uma pena porque claramente existia um baita potencial aqui.

Observar a vida alheia dos vizinhos não é novidade no cinema. Hitchcock foi mestre em “Janela Indiscreta” e a sétima arte nunca perdeu o fascínio por essa situação. De certa forma, o próprio cinema é um ato de voyeurismo, de assistir de longe uma vida que não é nossa, de querer entender, fazer parte daquilo que não nos pertence. É assim que se torna tão fácil compreender as motivações da protagonista de “Observadores”. Pippa (Sydney Sweeney) acabou de se mudar para um apartamento junto com seu recente marido, Tom (Justice Smith). Existe uma certa ingenuidade na forma como eles se interagem, é então que notam a possibilidade de assistir, através da janela, a vida de casados dos vizinhos, que soa muito mais interessante que a realidade que eles vivem. É um casal fogoso e logo uma narrativa de traição e mistério suga toda a atenção da jovem observadora.

“A grama do vizinho é sempre mais verde”. É curioso como a vida de Pippa vai perdendo cada vez mais sentido, quanto mais ela observa a dos outros. A paixão do vizinho é mais ardente, o sexo, as conquistas, os conflitos. Ela vai perdendo a si mesma e se preenchendo com tudo aquilo que consome. Existe uma relação fascinante aqui com o nosso envolvimento nas redes sociais e como dedicamos horas de nosso dia assistindo essa versão filtrada e repleta de sucesso da vida alheia. Um recorte encenado, bem enquadrado e irreal. A comparação com nós mesmos, porém, é inevitável e logo nos vemos diminuídos pela grandeza do outro.

Ainda que traga boas reflexões, o filme se prolonga mais do que devia, abrindo espaço para reviravoltas forçadas e inverossímeis. Tudo caminhava bem até sua meia hora final, surpreendendo pelas saídas absurdamente tolas que decide seguir. Não convence e é de um mal gosto extremo. A atriz Sydney Sweeney está à vontade aqui e entrega uma performance provocativa. Mesmo assim, tanto sua escalação como a de Justice soam equivocadas pelo background dos personagens que nitidamente são “mais vividos”.

Dirigido por Michael Mohan, “Observadores” é um filme sexy e abraça esse thriller erótico sem culpa. A produção tem seu charme e assim como os protagonistas, assistimos tudo com tesão e atenção. Apesar de se perder completamente ao decorrer, confesso que achei a sessão divertida, brega e um tanto quanto audaciosa. É uma pena que erre tanto em sua conclusão, porque aí é um caminho sem volta e esses pontos perdidos não se recuperam mais.

NOTA: 6,5

País de origem: EUA
Ano: 202
1
Título original: The Voyeurs
Duração: 116 minutos

Disponível: Prime Video
Diretor: Michael Mohan
Roteiro: Michael Mohan
Elenco: Sydney Sweeney, Ben Hardy, Natasha Liu Bordizzo, Justice Smith

Crítica: Loucos por Justiça

A imprevisibilidade milagrosa da vida

Uma grata surpresa de 2021, “Loucos por Justiça” vai muito além da história de luto e vingança do qual tão bem já conhecemos. É uma obra bem amarrada, que se revela, aos poucos, uma sensível e surpreendente dramédia.

A trama gira em torno de coincidências e como nossa jornada é impulsionada por atos improváveis. É curioso como, ao centro de tudo isso, está Otto (Nikolaj Lie Kaas), um homem que trabalha com estatísticas e cálculos de probabilidade. Após estar no exato vagão colidido de um trem que deixa algumas vítimas, ele se coloca na missão de provar que tudo aquilo não foi um acidente e tudo teve uma razão para acontecer. É então que ele entra em contato com Markus (Mads Mikkelsen), que perdeu a esposa nesse mesmo trem e decide ir atrás de vingança, seguindo os cálculos precisos de Otto, convictos de se tratar de uma ação extremista de uma gangue.

A grande graça da obra é acompanhar a evolução dessas relações tão improváveis, de um grupo de homens comuns buscando por justiça. O humor é dosado, mas diverte nessa jornada insanamente intrigante. O roteiro do renomado Anders Thomas Jensen (Em Um Mundo Melhor, Depois do Casamento) é esperto e navega bem por diversos gêneros. Fala, também, com bastante sensibilidade sobre luto, ao colocar em ação esses personagens solitários, que perderam alguém e buscam, no meio do caos, uma razão, uma pessoa a ser punida. É sempre mais fácil quando temos alguém a atribuir uma culpa e não viver com o fardo do “tinha que ser assim”, “aconteceu porque tinha que acontecer”.

Tem muita sintonia esse elenco que faz tudo ser ainda mais agradável de se acompanhar. Mads é dono de um carisma imenso, mesmo quando surge tão carrancudo. Sua presença tem força, sempre. Os coadjuvantes são incríveis também, se destacando o brilho de Nikolaj Lie Kaas, que emociona na pele do desajustado Otto. Esse homem que usa de seus estudos e dados para se certificar de que nem tudo é por acaso, que nem todo acidente é uma simples coincidência. Ao fim, no entanto, esses laços de amizade que se fortalecem revelam a imprevisibilidade milagrosa que a vida pode ser, um evento do destino que reúne pessoas tão distantes no mesmo rumo. Encontrar a lógica na vida pode ser um ato desgastante. Mesmo que liguemos todos os pontos, nada fará sentido. Nunca fará.

NOTA: 9,0

País de origem: Dinamarca
Ano: 2020
Título original: Retfærdighedens Ryttere / Riders of Justice
Duração: 116 minutos
Diretor: Anders Thomas Jensen
Roteiro: Anders Thomas Jensen
Elenco: Mads Mikkelsen, Nikolaj Lie Kaas, Andrea Heick Gadeberg, Nicolas Bro, Gustav Lindh

Crítica: Godzilla vs Kong

Melhor que a encomenda

Como já comentei por aqui, às vezes gosto de ver uns filmes apenas pelo prazer de comer minha pipoca e desligar meu cérebro. Encontramos aqui aquele embate que ninguém esperava, mas já que fizeram, vamos ver. A bem da verdade é que essa franquia é toda bagunçada e por isso digo que foi uma surpresa bem positiva esse aqui. Juntar duas produções distintas, no caso “Godzilla II: Rei dos Monstros” (2019) e “Kong: Ilha da Caveira” (2017) e tentar criar uma unidade não é das tarefas mais fáceis. Vejo, então, o belo esforço do talentoso diretor Adam Wingard em fazer essa loucura dar muito certo. É como aqueles pedidos sem noção de cliente, mas que na mão do profissional certo, acaba saindo melhor que a encomenda.

“Godzilla vs Kong” é, acima de tudo, bem divertido. É aquele cinemão blockbuster na medida. Entretém com seus exageros e, milagrosamente, funciona. Preciso ressaltar, ainda, que temos aqui um dos melhores efeitos visuais que entregaram nos últimos anos. Fazia tempo que não via efeitos tão grandiosos e tão bem aplicados como aqui. Sem aquelas luzes e movimentação de câmera que só atrapalham nossa visão. Aqui, tudo é muito claro, nítido e espanta a qualidade e realismo que alcançaram. Tá bonito de ver. Ou seja, para quem chega aqui apenas pelo embate entre King Kong e Godzilla pode ser um prato bem cheio e delicioso. Os confrontos não decepcionam e somos presenteados com sequências de ação primorosas.

Não é novidade, porém, que a franquia nunca soube como administrar os personagens humanos, chamando um elenco de peso para dar vida a um texto mequetrefe. Os reféns da vez são Rebecca Hall, Alexander Skarsgård e Demián Bichir, entre outros talentos. Ainda que todos se esforcem para extrair algo de bom dos diálogos, é uma missão nitidamente impossível. O excesso de núcleos atrapalha também o desenvolver da trama, onde nem todos possuem o mesmo carisma e atenção do roteiro. Millie Bobby Brown e sua turma de alívio cômico são completamente descartáveis, inclusive. A boa surpresa, vale destacar, acaba sendo a pequena Kaylee Hotte, atriz surda que se torna a alma e coração do filme. No entanto, ao fim, tanto a produção como nós pouco nos importamos com esses indivíduos e estamos atentos apenas por ver as criaturas gigantescas se degladiando. E esse show, meus amigos, é esplendoroso.

NOTA: 7,0

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País de origem: EUA
Ano: 2021
Disponível: HBO Max
Duração: 113 minutos
Diretor: Adam Wingard
Roteiro: Eric Pearson, Max Borenstein
Elenco: Rebecca Hall, Alexander Skarsgård, Millie Bobby Brown, Brian Tyree Henry, Demián Bichir, Eiza Gonzáles, Kyle Chandler