Crítica | Glass Onion: Um Mistério Knives Out

Uma continuação divertida, mas bem menos inteligente do que acredita que seja

“Entre Facas e Segredos” foi um sucesso inesperado em 2019, o que fez com que seu criador, Rian Johnson, logo entregasse uma continuação, agora nas mãos da Netflix. Na época, ele havia recuperado com muito charme o clássico “whodunit” e aquelas histórias sobre qual dos personagens é o verdadeiro assassino. Aqui, mais do que trazer o detetive Benoit Blanc de volta, o diretor e roteirista teve a difícil missão de manter essa essência ainda viva. Infelizmente, ele entrega algo bastante inferior ao primeiro, principalmente porque no lugar do descompromisso, entra a necessidade da demanda, em um filme que se esforça demais para ser icônico.

Um excêntrico milionário convida um grupo de amigos, junto com o detetive Benoit, para um jogo onde todos deverão, em um fim de semana em sua ilha perticular na Grécia, desvendar seu fictício assassinato. Até que acaba ocorrendo uma morte, de fato, os fazendo questionar qual deles teriam reais motivos para dar um fim na vítima. O grande pecado de “Glass Onion”, porém, é não nos permitir fazer parte dessa investigação. Quando o crime acontece, logo o roteiro corre para nos explicar os porquês. Não há tempo para saborear os mistérios e o texto não se esforça em mudar nossas percepções sobre os personagens. Benoit deixa de ser detetive e passa a ser um mero narrador dos acontecimentos.

Apesar de uma pequena reviravolta em sua metade, o texto enfraquece quando centraliza sua trama em dois únicos personagens, Miles (Edward Norton) e Andi (Janelle Monáe), tornando todos os outros coadjuvantes peças inúteis desse tabuleiro. Mais do que um desperdício de um grande elenco, a trama perde o brilho quando já sabemos quem é a vítima e o vilão dessa história. Janelle, inclusive, está boa no papel, mas me parece muito surto toda essa aclamação que tem tido e já ser considerada uma das favoritas ao Oscar de atriz coadjuvante. No geral, pouco me convenci sobre essa relação e conexão que todos esses indivíduos possuem, principalmente porque nenhum deles (tirando a contagiante Kate Hudson e Norton) me parece confortável no papel. Não há aquela divertida sintonia que havia no elenco original. Falta carisma.

Sou péssimo com trocadilhos, mas “Glass Onion” é como uma cebola de vidro mesmo. De longe, parece uma peça requintada e cheia de camadas, mas de perto, podemos enxergar facilmente seu miolo e seus segredos. Não que um filme precise de reviravolta para ser bom, afinal o que importa é o caminho até chegar lá, mas essa sequência entrega um mistério pouco envolvente, com seus fracos personagens já muito demarcados em suas posições, sem nos permitir se deliciar com a investigação e resolução e sem ter espaço para nos fazer duvidar do caráter ou cada passo que eles dão. Aposta em situações bobas como falsa morte, irmã gêmea, entre outras coisas vindas de um roteiro pouco inspirado. Não nego que esse seja divertido sim e segura bem a atenção pela boa produção, mas é inferior em absolutamente todos os aspectos quanto ao primeiro filme.

NOTA: 6,5

País de origem: Estados Unidos
Ano: 2022
Titulo original: Glass Onion: A Knives Out Mystery
Duração: 140 minutos
Disponível: Netflix
Diretor: Rian Johnson
Roteiro: Rian Johnson
Elenco: Daniel Craig, Janelle Monáe, Edward Norton, Kate Hudson, Kathryn Hahn, Jessica Henwick, Madelyn Cline, Leslie Odom Jr., Dave Bautista

Crítica: The White Lotus

Os comedores de lótus

Quando uma produção é lançada sem alarde e, aos poucos, ganha sucesso pelo o boca a boca, algo de muito incrível tem ali. Às vezes é puro hype, outras, é o nascimento de algo original, digno da atenção da recebe. “The White Lotus” é, de fato, uma das séries mais brilhantes do ano. É uma sátira sagaz ao privilégio branco e há genialidade em cada pequeno detalhe que nos entrega.

Toda a ação acontece em um paradisíaco resort hotel no Havaí. A trama se concentra nas relações de um grupo de visitantes ao local e nos percalços que esses ricos surtados enfrentam por ali. A escolha do elenco é certeira e facilmente nos envolvemos com esses excêntricos personagens. A grande verdade é que todos ali estão em sintonia e todos revelam uma faceta que desconhecíamos. Seja dos jovens que passamos a ver com mais respeito como Sydney Sweeney, Alexandra Daddario e Fred Hechinger, como os mais experientes que renascem em cena. Murray Bartlett, Steve Zahn, Jennifer Coolidge e Connie Britton estão impecáveis. É muito bom ver um show onde nenhuma dessas peças estão fora do lugar e todos embarcam na bizarrice das situações apresentadas.

“The White Lotus” firma Mike White com um roteirista a se prestar mais atenção. Seu texto é fascinante, guiando o show com ritmo e uma originalidade que encanta. Tudo nos causa um desconforto, um riso nervoso, mas ao mesmo tempo nos deixa imensamente hipnotizados por seu sedutor universo. A trilha sonora composta por Cristobal Tapia de Veer, com seus sons tribais, invade nossa mente e nos faz sentir tão surtados quanto seus personagens. A trama caminha como se algo fosse explodir a qualquer instante, nos deixando vidrados por seus imprevisíveis desdobramentos.

Insanamente divertido, o roteiro provoca nessa sátira pungente ao privilégio branco e aos homens héteros castrados pela cultura do cancelamento. Os diálogos são geniais e nos deixam constrangidos ao dar voz à esta elite que hoje se sente tão excluída e por tudo o de mais bizarro que sai de suas mentes. São indivíduos que se sentem injustiçados pelos erros históricos dos brancos, incomodados por essa nova recentralização. “The White Lotus” faz rir na mesma medida que incomoda, assusta porque é desconfortavelmente atual.

Esses hóspedes afortunados são os lotófogos, os comedores de lótus. Na mitologia grega, ao digerirem a flor se colocam em estado alterado, distantes dos problemas reais do mundo. Mas esses lótus não são deles, eles se apropriaram. E não é roubo se você sente que já é seu. Se toda sua vida lhe ensinaram que é seu. Todas as portas estiveram abertas, nada lhe foi negado. Por mais distintos que sejam ali na tela, todos fazem parte de uma mesma tribo. Confortáveis demais em suas posições privilegiadas e fragilizados por essa nova hierarquia que emerge.

Existe inteligência nas entrelinhas de “The White Lotus” é reflexões que ficam muito tempo depois que a minissérie termina. É um espetáculo de ver e eu, com toda a certeza, teria mais fôlego para devorar muito mais do que só 6 episódios.

NOTA: 9,5

País de origem: EUA
Ano: 2021

Disponível: HBO Max
Duração: 358 minutos / 6 episódios
Diretor: Mike White
Roteiro: Mike White
Elenco: Murray Bartlett, Alexandra Daddario, Jake Lacy, Jennifer Coolidge, Steve Zhan, Connie Britton, Sydney Sweeney, Fred Hechinger, Molly Shannon

Crítica: Atypical (quarta temporada)

Do atípico ao genérico

A triste história de um programa que tinha tanto a dizer mas preferiu ser o mais genérico possível.

Se na Netflix temos os casos das séries canceladas que não possuem nem a chance de se despedir decentemente, também temos aquelas que não souberam aproveitar a oportunidade. Recentemente tivemos “Special” e agora “Atypical”. Os roteiristas, em nenhum momento, lidam com o fato de que esta é a última chance de consertar aqueles tantos erros cometidos nas temporadas passadas. Seja por esse viés machista com que passou a desenhar este drama familiar, onde a mãe está sempre nesse lugar de inferioridade, sempre precisando se redimir de algo que nem o público entende. Seja por não mais explorar o espectro que seu protagonista se encontra. A verdade é que “Atypical” está sempre na tangente, sempre evitando falar sobre temas do mundo real ou de assuntos que tirem seus personagens desses limites que foram estabelecidos. O que antes era uma série doce que tratava com humor e sensibilidade um assunto tão delicado, se prolonga aqui com tramas tolas que servem apenas para termos ainda mais raiva dos personagens e que até, especificamente, o último episódio, não os leva para canto nenhum, rodando em um ciclo tedioso, revivendo os mesmos e mesmos conflitos.

Nesta última temporada, focaram bastante na jornada de Casey e foi simplesmente insuportável ter que acompanhar seu relacionamento com Izzie. Todo episódio, algum conflito chato para dificultar a vida das duas, que estão sempre se desencontrando, se desculpando. Enquanto alguns personagens somem aqui, como Evan que fez tanta falta ou Sharice, que até pouco tempo atrás, era a melhor amiga da protagonista, outros se mantém por razões que ninguém entende como Paige e até mesmo a Izzie. Zahid, por sua vez, foi um ótimo alívio cômico aqui, revelando a carismática presença de Nik Dodani.

A quarta e última temporada de “Atypical” é uma despedida amarga por nunca valorizar seu peculiar universo e seus bons personagens, caindo no lugar comum, naquele campo genérico que engloba qualquer outra série da Netflix. Ao menos o último episódio comove, quando todos seus excêntricos indivíduos encaram aquele medo da mudança, de que é preciso evoluir, seguir uma nova direção. Foi difícil se importar com alguma coisa narrada aqui – inclusive a obsessão de Sam por pinguins e Antártica – mas pelo menos ver o fim nos bate aquela sensação boa de ciclo sendo encerrado.

NOTA: 6,0

País de origem: EUA
Ano: 2021
Disponível: Netflix
Duração: 302 minutos / 10 episódios
Criação: Robia Rashid
Roteiro: Robia Rashid, Michael Oppenhuizen
Elenco: Jennifer Jason Leigh, Keir Gilchrist, Brigette Lundy-Paine, Michael Rapaport, Nik Dodani, Jenna Boyd

Crítica: Modern Love (segunda temporada)

O aconchego da identificação

Inspirada na coluna semanal do The New York Times, “Modern Love” traz crônicas reais de pessoas que tem algo especial a dizer. A série antológica chega em sua segunda temporada no Prime Video e, ainda, com uma leveza adorável. Tem muito do cinema de John Carney (Apenas Uma Vez, Sing Street), que aqui encabeça o projeto. São tramas apaixonantes, confortáveis e que, de alguma forma, nos fazem muito bem.

É natural, como em qualquer série que conte com episódios independentes, que alguns deles nos toquem mais. Logo, assim como a primeira leva, esses também não agradam sempre. Vai acontecer, em alguns instantes, que aquele personagem fale diretamente com você e outras vezes não. É assim, porém, que a temporada termina com a sensação de ser irregular, porque nem sempre segue no mesmo nível. Falha, ainda, por apostar, em alguns momentos, em uma narrativa mais fantasiosa, se afastando daquele realismo que lhe faz tão bem, como no episódio In the Waiting Room of Estranged Spouses, que destoa de todo o resto.

Ainda assim, existe inteligência em todas as histórias contadas e uma maturidade surpreendente no desenvolvimento de cada uma delas. Mesmo que seja simples e rotineiro, aquele recorte foi importante para alguém. Uma viagem, um reencontro, o primeiro beijo. “Modern Love” nos faz pensar que em cada canto do mundo, neste exato segundo, histórias estão sendo traçadas. E ao nos identificarmos com essas crônicas de vida, traz aconchego, conforto.

A temporada já inicia com o momento de maior inspiração do show. On a Serpentine Road, With the Top Down é emotivo e facilmente nos leva às lágrimas. Os episódios 2, 3 e o último também se destacam ali. Um tema que permeia algumas dessas histórias e dá o tom da temporada é que todos nós carregamos em nós um background. Uma história passada que definiu o que somos hoje e nenhuma experiência que vamos viver irá apagar o que já existiu. Vamos carregar essas lembranças com a gente. Sempre aptos a mudanças, a seguir novos passos, mas sem apagar o aquilo que, um dia, foi importante para nós.

Gosto, ainda, de como todos esses episódios terminam. Paula, personagem de Lucy Boynton, no instante mais metalinguístico da temporada (episódio 3, no trem), revela que prefere os finais sem ponto final, aqueles que terminam como um recorte, com a incógnita dessa vida que continua. “Modern Love” deixa um sentimento bom em nós mesmo que nunca saibamos exatamente como todos esses contos irão seguir. Deixa um sentimento de “quero mais” e, atualmente, são poucas as produções que deixam esse gosto. Aquela sensação de que não se esgotou, de que ainda precisamos ouvir aquelas pessoas falando, aquelas jornadas sendo contadas.

NOTA: 8,0

País de origem: EUA
Ano: 2021

Disponível: Prime Video
Duração: 256 minutos / 8 episódios
Diretor: John Carney, John Crowley, Andrew Rannells
Elenco: Minnie Driver, Kit Harington, Lucy Boynton, Dominique Fishback, Sophie Okonedo, Tobias Menzias, Zoe Chao, Garrett Hedlund, Anna Paquin
, Jack Raynor, Tom Burke

Crítica: Love, Victor (segunda temporada)

A referência que não tivemos

Spin-off do filme “Com Amor, Simon”, a ideia dessa série demorou a me convencer. A primeira temporada nos apresentou Victor (Michael Cimino), que seguindo os conselhos de Simon, enfrentou uma jornada de aceitação e confiança para se assumir gay. Havia algo de muito honesto naquele roteiro – apesar da simplicidade de um produto teen – e que me fez apostar nessa segunda temporada. Aqui, a série finalmente se encontra e acerta o tom, revelando desdobramentos bem mais interessantes daqueles apresentados anteriormente.

Houve uma melhora significativa na narrativa, trazendo temas relevantes de forma madura e sem cair no lugar comum. Traz conflitos reais e situações que finalmente desafiam seus personagens, os colocando de vez no mundo real. Bipolaridade, diferenca entre classes sociais, a visão das crianças sobre homossexualidade. É válido, ainda, a passagem dos pais do protagonista, que traz questionamentos interessantes sobre raça e sobre o peso da religião em suas atitudes. O texto acerta e é bastante corajoso neste discurso contra ideias tão ultrapassadas da igreja.

Brilhante em como o seriado debate como a própria comunidade nem sempre se apoia, como quando um dos personagens é rejeitado por ser feminino demais. “Love, Victor” fala bastante sobre como pessoas LGBTQIA+ são colocadas em “caixas”, onde todos ao redor sabem exatamente como você deve agir ou ser. Victor é muito gay para o vestiário masculino, mas pouco gay para frequentar certos lugares. Esse embate provoca questões interessantes, criando camadas mais complexas para o protagonista e sua jornada.

Por falar em protagonista, Victor ainda é a peça que ainda menos funciona aqui, apesar da melhora do roteiro. Não apenas pela fraca atuação de Michael Cimino, mas também pela junção com Benji (George Sear), que é extremamente sem sal e nos faz vibrar pela possibilidade de separação, o que enfraquece a série como um todo. A sorte (e muita sorte) é que os coadjuvantes são realmente muito bons e os roteiristas, felizmente, entenderam isso. Felix teve uma trajetória fantástica nesse segundo ano e segue como melhor personagem, destacando a carismática performance de Anthony Turpel, assim como sua dupla de cena. Lake (a ótima Bebe Wood) tem tido um rumo semelhante à Summer Roberts de “The O.C”: de figurante fútil, tem se tornado a presença mais adorável da trama. Todos do elenco funcionam muito bem juntos e isso é o grande trunfo do programa. Tem um texto que respeita essas relações, a humanidade de cada um. É divertido, teen, mas imensamente sensível ao revelar a caminhada de todos eles.

Em suas entrelinhas, “Love, Victor” diz muito sobre referência. Se no primeiro capítulo dessa caminhada, Victor seguia os passos de seu mentor, aqui ele procura a própria voz para aprender a lidar com as tantos obstáculos que encontra, passando a ser, posteriormente, inspiração para outro jovem no colégio, a bela adição de Rahim (Anthony Keyvan). E no fundo, é justamente o que a série é: um ponto de referência para jovens que, assim como o protagonista, sentem esta insegurança em se assumir. Victor, vive muitos dilemas aqui e nunca sabe exatamente como agir, como falar, como ser esse “jovem gay” que todos esperam que ele seja. A verdade é que, desde que nascemos, vemos histórias de amor entre homens e mulheres. Não tivemos a referência, nunca foi tratado com a naturalidade que precisávamos ver na mídia, no cinema, nos livros que consumíamos. É desesperador encontrar as respostas sozinho e o show, de certa forma, vem para nos lembrar que não, não estamos completamente sozinhos.

Ps: o final foi ótimo e me fez querer demais uma terceira temporada.

NOTA: 8,5

País de origem: EUA
Ano: 2021

Disponível: em agosto no Star+
Duração: 10 episódios / 288 minutos
Elenco: Michael Cimino, Anthony Turpel, Bebe Wood, Ana Ortiz
, James Martinez, Mason Gooding