Crítica | O Último Duelo

A glória falida dos homens

Fazia tempo que não via uma trama medieval tão interessante como esta. Com direção de Ridley Scott, a obra investiga, de forma bastante intrigante, o último julgamento travado por um duelo mortal na França. Por trás do ocorrido, também conhecemos a verídica história de uma mulher que expôs um caso de estupro em 1386, época em que poderia ser condenada à morte se a denúncia não fosse verdadeira.

Com roteiro de Matt Damon, Ben Affleck e da sempre fantástica Nicole Holofcener, o filme se divide em três capítulos. Cada um deles, dedicado a contar a versão dos três envolvidos no caso, que já sabemos, previamente, terminará em um duelo. A trama registra o instante em que Marguerite (Jodie Comer) decide expor o fato de ter sido abusada sexualmente pelo escudeiro Jacques le Gris (Adam Driver), que em épocas passadas, foi grande amigo de seu atual marido, o cavaleiro Jean de Carrouges (Matt Damon). Os dois homens são levados para o combate e deixar com que a morte decida a justiça.

O recurso de mostrar cada lado da história é muito bem empregado. Apesar de mostrar muitas vezes o mesmo evento, o roteiro é esperto o bastante para sempre se renovar, sempre trazer uma carta nova na manga. Sabiamente, o texto deixa claro que a verdade se encontra na versão de Marguerite. E isso, em momento algum, tira o brilhantismo ou a tensão da trama, pelo contrário. Ao se aprofundar no olhar feminino, “O Último Duelo” desenha na tela um conflito potente, porque é a palavra de uma única mulher contra todos. É doloroso enfrentar essa jornada pelos olhos dela, porque é a única que perde, a única a ser julgada. A atriz Jodie Comer está fantástica aqui e nos faz sentir esse peso que carrega.

A sequência do duelo é incrível. É eletrizante, violenta e a prova de que aquele Ridley Scott de “Gladiador” ainda existe. A genialidade deste instante está em nos fazer vibrar quando já não existem mais lados para torcer. Conhecemos cada uma das versões da história, e a cada mudança de perspectiva, mudamos nosso olhar sobre determinado personagem, sobre cada situação. O texto é bastante crítico e atual ao apontar que, ao fim, mesmo quando é a palavra de uma mulher que está em jogo, tudo é sobre a honra e glória dos homens, sobre a postura deles diante dos outros. E isso dói de assistir.

“O Último Duelo” é uma grande surpresa de 2021. Além do excelente roteiro, a produção vem caprichada. As cenas de batalhas, as locações, cenários, figurinos. Tudo chega em estado grandioso e deslumbrante, marcando um dos melhores trabalhos de Ridley Scott dos últimos tempos. Um filme que tem alma, tem força e nos envolve com seus ótimos conflitos.

NOTA: 9,0

País de origem: Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda do Norte
Ano: 2021
Título original: The Last Duel
Duração: 152 minutos
Disponível: Star+
Diretor: Ridley Scott
Roteiro: Nicole Holofcener, Ben Affleck, Matt Damon
Elenco: Matt Damon, Adam Driver, Jodie Comer, Ben Affleck, Alex Lawther

Crítica | Amor, Sublime Amor

A homenagem tediosa de Spielberg

Sempre fiquei com o pé atrás com esse remake. Revisitar um clássico do cinema é sempre um passo muito arriscado. A questão é que dessa vez temos um diretor competente à frente de tudo isso e Steven Spielberg, que nunca dirigiu um musical para o cinema, surge como se tivesse feito isso a vida toda. É espantoso a qualidade técnica que ele alcança, entregando um filme majestoso e, também, uma homenagem ao original de 1968 e ao compositor Stephen Sondheim, um dos maiores nomes do teatro musical.

“Amor, Sublime Amor”, de fato, parece uma imensa peça de teatro filmada. Seja pelos cenários, ambientações e iluminação, tudo remete a algo feito em estúdio fechado, construído para aquela encenação. Visualmente belo, o longa também chama a atenção pelas ágeis coreografias e pelas surpreendentes movimentações de câmera que passeiam por aqueles espaços.

No entanto, ainda que tudo seja lindo de se ver, a obra segue engessada nessa intenção de homenagem, de respeitar o que um dia foi criado. Spielberg faz uma revisita tão correta que entendia. Sou um grande admirador de musicais e sempre vi o gênero como algo que explode na tela, que inspira e nos faz acreditar no inacreditável. “Amor, Sublime Amor” não traz nada disso. É apenas um quadro bem pintado, mas tão sóbrio e calculado que nunca ganha vida. Tudo bem filmado sim, mas nenhuma cena me fez vibrar ou sentir algo além do tédio.

Confesso que nunca gostei do original e sigo não gostando aqui, ainda que eu ache essa versão menos pior. A trama das gangues na Nova York da década de 50 ainda continua muito datada, onde o roteiro insiste em equiparar, de forma equivocada, a luta dos porto-riquenhos em solo americano, com os jovens brancos imigrantes que estão perdendo oportunidades. E esse retorno à trama ainda me soa completamente fora da validade. Ao menos, acerta ao trazer um elenco, de fato, diverso. A clássica história de amor de Tony e Maria funciona pela entrega dos dois jovens atores Rachel Zegler e Anson Elgort, mas força bastante em situações como quando transam depois de uma grande tragédia familiar. Fica difícil torcer pelos dois. Destaque também para os coadjuvantes Ariana DeBose e Mike Faist, que aqui roubam a cena.

Entendo e respeito a opinião de todos que estão amando a produção. Queria muito fazer parte desse time. Infelizmente, é uma obra que não funciona para mim. Tecnicamente impecável, mas que me causa muito mais cansaço do que paixão.

NOTA: 6,5

País de origem: Estados Unidos
Ano: 2022
Título original: West Side Story
Duração: 156 minutos
Disponível: Star+
Diretor: Steven Spielberg
Roteiro: Tony Kushner
Elenco: Rachel Zegler, Ansel Elgort, Mike Faist, Ariana DeBose, Rita Moreno, Corey Stoll

Crítica | Belfast

Muito Barulho Por Nada

Admirador de Shakespeare e Agatha Christie, Kenneth Branagh se firmou no cinema com suas tantas adaptações e sua visão sobre alguns clássicos da literatura. É bem-vindo então, quando ele (tenta) revelar um lado mais pessoal, recriando sua infância em Belfast. O diretor e roteirista escreve aqui sua carta de amor à cidade e a todos aqueles moradores que precisaram partir dali para terem uma vida melhor. Uma obra feita com muito sentimento sim, mas sem um bom roteiro para amarrar suas boas intenções, ainda que tenha vencido, injustamente, o Oscar.

Filmado em preto e branco, vivenciamos um recorte na vida do pequeno Buddy ao lado de sua família em Belfast. Ele não tem dimensão dos problemas que ali o cercam, brincando pelas ruas sem nunca entender do que são constituídos aqueles tantos muros. Branagh pincela os conflitos religiosos da Irlanda da década 60 sob o olhar ingênuo de uma criança. É bastante compreensível, por essa ótica, que ele não se aprofunde em seus temas. Por outro lado, devido a isso, passamos pelo filme sem nos conectar a nada, avistando de longe, sem nos importar com o que nos é contado.

A primeira cena revela um combate civil depois de uma brincadeira entre as crianças na rua. Uma cena estranha, apressada, sem muita emoção. A sequência seguinte mantém esse mesmo esquema e por aí vai. Branagh vai juntando fragmentos curtos, frases soltas, instantes que até possuem uma certa comoção, mas não nos atinge. São sentimentos do qual não fomos apresentados e ficamos ali só assistindo. Um recorte de belos eventos, mas oco e infértil. Pouco se constrói ali e, como consequência, termina da forma como começou, sem dizer nada.

“Belfast” acaba ganhando força pelas ótimas atuações, com destaque para Caitriona Balfe. A beleza das imagens também chama atenção, entregando sequências visualmente fascinantes. Infelizmente, Branagh perde a chance de revelar um pouco de si, onde se mostra muito mais preocupado com um bom enquadramento do que com a honestidade de seus relatos. É nítido que ele tem muito carinho por sua infância, mas infelizmente, seu texto que traduz tudo isso é fraco, revelando um compilado de memórias genéricas em um Oscar Bait esquecível.

NOTA: 6,0

País de origem: Reino Unido, Irlanda do Norte
Ano: 2021
Duração: 97 minutos
Diretor: Kenneth Branagh
Roteiro: Kenneth Branagh

Elenco: Jude Hill, Caitríona Balfe, Jamie Dornan, Ciarán Hinds, Judi Dench, Lara McDonnell

Crítica | O Beco do Pesadelo

A ilusão que falta

O Oscar chegou ao fim, mas a maratona de assistir aos filmes ainda segue. “O Beco do Pesadelo” marca o retorno de Guillermo del Toro após vencer o prêmio de Direção e Melhor Filme em 2018. Haviam altas expectativas sobre o que ele faria com essa história, baseada no romance de 1946 e que já havia sido adaptada ao cinema em 1947. Ele, que sempre teve afeição aos contos de monstros, usa do terror para investigar a degradação (e transformação) do homem em uma época pós-guerra.

Bradley Cooper interpreta o ambicioso Stanton Carlisle e desde o início ele é uma grande incógnita. Chega, do nada, em um circo e, através de sua boa lábia e carisma, passa a aprender os truques e habilidades especiais daqueles excêntricos habitantes. Ele é uma página em branco sendo preenchida pelo talento dos outros. “O Beco do Pesadelo” nos revela a ascensão desse homem que, inebriado pelas tantas mentiras que aprendeu a contar, passa a acreditar nelas e no poder que podem lhe trazer.

Existem dois atos bem distintos aqui. O primeiro funciona melhor, quando conhecemos os bons personagens do circo. É ali que Willem Dafoe, Toni Collette e David Strathairn trazem o brilho que falta ao longa em sua outra metade. O filme, então, nos apresenta uma virada não muito bem-vinda e desinteressante. Tudo é uma escada para seu protagonista e esses degraus são extremamente frágeis. Nem mesmo a elegância de Cate Blanchett salva o caminho tedioso que passa a seguir.

Como um bom truque de mágica, Stanton ilude seu público, os faz acreditar em suas falcatruas para se dar bem. É justamente isso o que o roteiro de “O Beco do Pesadelo” não consegue. Jamais convence, jamais nos faz comprar seu universo. O texto da obra tem seu início e fim muito bem definidos, mas esqueceu de elaborar todo o resto. Essa relação cíclica, que une suas duas pontas, poderia ser seu brilhantismo, mas só o deixa previsível. É como se soubéssemos, desde o início, as consequências de tudo e as causas, infelizmente, são jogadas às pressas. Todos os seus potentes desdobramentos são lançados na tela sem muito zelo, com pouco desenvolvimento. E isso fragiliza demais a construção dos personagens e nesses laços que um tem com o outro.

“O Beco do Pesadelo” é visualmente fascinante, indicando um trabalho primoroso de direção de arte, com seus belos cenários e figurinos. Infelizmente seu encanto morre aí. A última cena até indica uma ótima sacada e uma excelente interpretação de Cooper, mas veio tarde demais. Ali, já pouco me importava como alguma coisa. O trabalho mais insosso de del Toro, cansativo e sem vida alguma.

NOTA: 6,0

País de origem: Estados Unidos, México, Canadá
Ano: 2021
Título original: Nightmare Alley
Duração: 150 minutos
Disponível: Star+
Diretor: Guillermo del Toro
Roteiro: Guillermo del Toro
Elenco: Bradley Cooper, Rooney Mara, Cate Blanchett, Toni Collette, Willem Dafoe, Richard Jenkins, Ron Perlman, David Strathairn