O destruidor de mundos
Christopher Nolan sempre teve apreço à ficção científica e nos levou, ao longo de sua brilhante filmografia, a visitar universos distantes e mirabolantes. Com “Oppenheimer”, temos a chance de ver o diretor trabalhando em cima de um material biográfico e entregando uma de suas obras mais maduras. É ainda, assim como seus filmes anteriores, uma experiência sensorial e que dificilmente será esquecida.
Com excelente ritmo, seguimos suas três horas de duração com o coração na mão, mergulhando neste jogo intenso que o diretor propõe. Seja a montagem acelerada, a trilha sonora constante (e magistral) de Ludwig Göransson ou o som elevado. Todos os elementos que compõem essa potente orquestra de Nolan nos deixam a sensação de estarmos presenciando algo épico. Essa imersão que causa não está somente atrelada a habilidade do diretor em nos colocar para dentro da ação, mas também por nos aproximar do protagonista, mesmo diante de suas tantas falhas e escolhas questionáveis. Apesar de nos apresentar o evento histórico e revelar os embates políticos durante a Segunda Guerra Mundial, Nolan está mais interessado na humanidade desse personagem e nos tantos dilemas éticos que ele precisa enfrentar.

“Agora eu me tornei a morte, a destruidora de mundos”. É nessa escrita hindu que o próprio Oppenheimer se enxerga, enquanto que o filme faz uma interessantíssima analogia ao mito de Prometeus, aquele que foi punido após dar aos homens o poder que somente os deuses possuíam: o fogo, que os permitem ter controle sobre o universo. Para falar sobre o pai da bomba atômica, o longa se divide em três arcos, nos revelando três fases distintas de sua vida. Desde sua juventude, quando acompanhamos seus esforços como estudioso, passando pelo instante em que, em uma contribuição ao governo norte-americano, é escolhido para liderar o projeto Manhattan, aquele que mudaria a história da humanidade para sempre com a construção de uma poderosa arma de guerra. E vamos até o julgamento, quando Oppenheimer é questionado por seus atos, colocando em teste todas as suas inúmeras contradições.
Como uma pessoa que viu tanta coisa pode ser tão cega? Essa inocência do personagem diante de um período tão crítico do país é o que vai, aos poucos, nos dilacerando. Como pode um gênio não conseguir entender o que está tão evidente? Como pode o homem trair a quem ama ou largar o próprio filho? Como pode se aliar a pensamentos progressistas quando dizia não se interessar por política, quando apoiava o mais infame crime de todos? Oppenheimer é um ser humano falho e em nenhum momento a obra julga suas atitudes, colocando esse peso sobre nós. Somos invadidos por uma série de reflexões éticas, enquanto compartilhamos a dor do protagonista. O olhar profundo de Cillian Murphy, que arrebenta em cena, nos esmaga. Os planos fechados capturam as tantas expressões do ator e tudo o que ele diz com seus silêncios. A culpa que sente por ter sido aquele a corroer o mundo. A dúvida que o assombra sobre o que seria da humanidade sem sua criação. Tudo é muito conflituoso e por isso é um filme que ecoa, que permanece muito tempo em nós.

Não apenas Cillian brilha aqui, como Robert Downey Jr. que entrega a melhor performance de sua carreira. O elenco todo é ótimo, mas é tudo tão acelerado que não há espaço para apresentarem algo muito relevante. Entendo essa necessidade do roteiro de correr para contar o que precisa, mas isso acaba diminuindo a força de alguns personagens, como as femininas (sempre mal aproveitadas nos filmes do Nolan). Gosto bastante, no entanto, da presença de Tom Conti como Albert Einstein, que se encaixa quase como o “velho sábio” da história. A sequência final que mostra a conversa dele com o protagonista é extremamente poderosa.
Há alguns outros momentos bem marcantes na obra, mas com certeza preciso destacar a sequência do teste da bomba, que não nos permite mover ou respirar. É arrepiante. São instantes como esse que nos lembram o poder do cinema de Christopher Nolan. O filme termina e nos deixa em estado de êxtase por termos presenciado um filme tão imenso, tão potente, ao mesmo tempo em que nos comove e nos provoca medo. Medo quando compreendemos o que Oppenheimer entregou ao mundo. Medo diante da assombrosa incerteza sobre o que homens podem fazer com esse poder.
NOTA: 9,5

País de origem: Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda do Norte
Ano: 2023
Titulo original: Oppenheimer
Duração: 185 minutos
Diretor: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan
Elenco: Cillian Murphy, Robert Downey Jr., Matt Damon, Emily Blunt, Ben Safdie, Jason Clarke, Alden Ehrenreich, Florence Pugh