A dor silenciosa
Interessante esse movimento atual do cinema, onde diretoras mulheres estão revisitando o faroeste. Um gênero que sempre explorou essa virilidade do homem e com “Ataque dos Cães”, a renomada Jane Campion, parece contestar esse universo tão bem estruturado pela sétima arte e dar voz a sentimentos não explorados. Uma obra contemplativa, onde esses ataques anunciados pelo título surgem de forma silenciosa e sádica e nunca na fúria que se espera de um animal selvagem.
Dividida em capítulos, a trama inicia-se quando, na década de 20, dois irmãos tentam administrar a fazenda que herdaram dos pais. Enquanto Phil (Benedict Cumberbatch) é o típico Cowboy grosseiro, George (Jesse Plemons) é tímido e educado. Ambos possuem visões distintas sobre negócios e sobre a vida. Essa brutalidade de Phil vai ganhando camadas ainda mais assustadoras quando seu irmão traz para dentro de casa a nova esposa, Rose (Kirsten Dunst), acompanhada do filho adolescente Peter (Kodi Smit-McPhee). Phil está decidido a confrontar esta união e fará de tudo para desestabilizar a mente de sua cunhada.

Nunca é claro o porquê das ações e o longa vai se transformando em um suspense enigmático e estranhamente convidativo. Uma guerra silenciosa em um faroeste introspectivo, onde as emoções contidas desses personagens são expressadas em pequenas ações, em detalhes e olhares. É assim que a obra se torna quase que uma experiência sensorial, porque nada vem de forma expositiva, mas ainda assim nos golpeia com força. Quando “Ataque dos Cães” terminou, me encontrei paralisado, tentando encaixar aquelas peças e tentando entender o porquê de tudo aquilo ter me afetado mais do que esperava. Acredito que seja porque, ao fim, entendemos o que estava aprisionado. Porque Phil é aquele lembrete doloroso que muita gente viveu sem ter a liberdade como opção.
Baseado no livro de Thomas Savage, o autor viveu no campo ao lado da esposa e manteve casos extraconjugais com homens. Talvez escrever sobre essa sua masculinidade aprisionada era seu escape, era a representação da sua dor, de tudo aquilo que não podia ser exposto. Phil, brilhantemente interpretado por Benedict Cumberbatch, é um grande personagem. Um dos mais complexos e fascinantes do cinema recente, eu arriscaria dizer. O filme acaba e ficamos revisitando seus passos, encontrando razões para sua violência, para sua fragilidade. É um ser que nos provoca, que nos causa ódio assim como também nos causa uma certa comoção. Kirsten Dunst também está impecável aqui, assim como Kodi Smit-McPhee, que surge como um surpreendente coadjuvante.
“Ataque dos Cães” é o melhor filme de Jane Campion desde “O Piano”, sua grande obra-prima. É o tipo de filme que vai crescendo em nossa mente mesmo depois de acabar. Que se mantém em nós. Um trabalho fascinante e um respiro necessário ao amontoado de produção que chega à Netflix.
NOTA: 9,0

País de origem: EUA, Reino Unido, Austrália
Ano: 2021
Título original: The Power of The Dog
Duração: 127 minutos
Disponível: Netflix
Diretor: Jane Campion
Roteiro: Jane Campion
Elenco: Benedict Cumberbatch, Kirsten Dunst, Kodi Smit-McPhee, Jesse Plemons