Crítica | Não Olhe Para Cima

a desumanidade no poder

Sempre achei pouco tragável os filmes de Adam McKay. Conhecido por comédias como “O Âncora”, ele tem se dedicado, nos últimos anos, em ser levado mais a sério com produções como “A Grande Aposta” e “Vice”. São sátiras óbvias e escritas com imensa pretensão, como se ele entendesse tão bem dos assuntos que aborda e resolvesse explicar para todos nós. Acontece que certos temas precisam exatamente desse didatismo, não por serem complexos demais, mas porque foram recusados mesmo quando eram tão claros. Hoje vivemos inseridos em uma sociedade que se nega a ouvir ou perceber o quão absurdo é essa política que nos governa. “Não Olhe Para Cima” vem em tom estupidamente professoral, mas para o bem ou para o mal, é o tom necessário, porque algumas mensagens precisam ser escritas em letras garrafais.

Quando um cometa, com quase 100% de chances de destruir o planeta, é descoberto por dois astrônomos, eles precisam mobilizar a presidente dos Estados Unidos e toda a mídia para tentar salvar a humanidade. É desesperador toda essa trajetória porque é um desastre anunciado, que sabemos exatamente como será o fim. Isso porque identificamos uma lógica bizarra na postura governamental, um ciclo cruel que se repete diante de uma calamidade. “Não Olhe Para Cima” é uma sátira ácida e segura sobre a política norte-americana, mas se encaixa perfeitamente em nosso cenário brasileiro, ainda mais em todo esse período pandêmico. Negacionismo, fake news e tudo o tornou nosso país em um espetáculo desesperançoso. O filme provoca um riso que dói, porque ele não poderia ter sido mais claro e oportuno.

Ter um elenco estelar reunido em uma única produção assusta. As chances de dar errado são sempre grandes. Felizmente, o roteiro sabe conduzir esses tantos personagens, mesmo que nem todos sejam muito úteis ali, ao menos garantem uma parte importante da piada. Composto por atores, em sua maioria, não acostumados com a comédia, todos fogem do conforto e funcionam. A caricatura desses indivíduos pode até ser um pouco incômoda, mas quando, pouco tempo depois, pessoas rapidamente associam todos eles com figuras reais da política, compreendemos o quanto isso foi importante. São analogias intencionalmente fáceis e que tornam suas provocações certeiras.

“Não Olhe Para Cima” tem bom ritmo e empolga grande parte do tempo. Um filme que beira o nonsense, faz rir do absurdo e nos deixa boas reflexões ao decorrer. Assim como cobrar os lanchinhos que eram de graça, nada faz sentido ao mesmo tempo em que faz. Vivemos uma tragédia e perdemos demais. Em nossa política, da mesma forma como no filme, nunca ficamos surpresos com tanta desumanidade e essa é parte triste da piada. Se o mundo acabasse, seria quase que exatamente assim.

NOTA: 8,5

País de origem: EUA
Ano: 2021
Título original: Don’t Look Up
Duração: 145 minutos
Disponível: Netflix
Diretor: Adam McKay
Roteiro: Adam McKay
Elenco: Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Rob Morgan, Meryl Streep, Cate Blanchett, Jonah Hill, Mark Rylance, Tyler Perry, Timothée Chalamet, Ron Perlman, Ariana Grande, Scott Mescudi

Crítica: Duna

Ambicioso e sem alma

Projeto dos sonhos do cineasta Denis Villeneuve, “Duna” tem como base uma obra de extrema complexidade e um dos pilares da ficção científica. Escrita por Frank Herbert em 1965, a história já teve algumas outras adaptações sem sucesso. É assim que o filme chega com grandes expectativas, porque é um universo que merecia esse cuidado e sabíamos que não haveria diretor mais competente a estar a frente de tudo isso que Villeneuve. Ele entrega um produto épico e que precisa ser vivenciado em uma tela grande.

Este primeiro filme nos introduz muito bem ao universo, que acontece em um futuro distante e tem suas próprias leis. Ainda que algumas passagens soem enigmáticas, logo essas peças vão ganhando significado. O herói dessa jornada é Paul Atreides (Timothée Chalamet) que tem sua vida transformada quando seu pai, o duque Leto (Oscar Isaac), aceita administrar o perigoso planeta Arrakis, que é fonte de uma especiaria valiosa. Além de ter inúmeras visões com nativos do local, Paul passa a carregar consigo o peso de ser o herdeiro de sua família e Messias para o novo povo.

“Duna” é uma experiência hipnotizante. Villeneuve constrói uma obra ambiciosa, que choca por sua beleza majestosa. É aquele filme que dá gosto ver em uma tela grande, tamanha imersão que entrega. Diferente da megalomania presente no gênero, aqui o cineasta propõe um jogo de pura contemplação, de caminhar pelos espaços, de dar tempo ao tempo. Todas as cenas são potentes e revelam o belo trabalho de toda a equipe. Dos efeitos visuais, aos figurinos e claro, a fascinante trilha de Hans Zimmer, que traduz muito bem esse novo mundo e nos lança para dentro dele.

É uma pena, porém, quando há toda essa ambição e pouco o que se fazer com ela. Sinto que é um filme que nunca decola, nunca acontece de fato, sendo aquele eterno “vem aí”. Tudo é uma preparação para o que está por vir. Tanto a história como seus personagens estão neste campo de espera, do que acontecerá no futuro. “Duna” nunca é sobre o agora, e é então que nos perde, porque tudo não passa de uma promessa.

Gosto muito do Villeneuve, mas sinto ele seguindo um rumo na carreira muito semelhante ao Nolan e isso não é bom. Ambos cineastas ambiciosos, rigorosos na técnica, mas falta sentimento, falta vida que torne essa grandiosidade próxima de nós. Falta alma. Para uma primeira parte de uma franquia, ele estabelece o universo bem, mas não há carisma nos personagens. Acima de tudo, isso é o que nos faz aguardar os próximos passos e pouco nos importamos com esses indivíduos que ele narra, onde o roteiro é incapaz de criar essa conexão. A maior prova disso é que quando algum deles morre, não sentimos. Falta, ainda, aquela adrenalina pulsando nas sequências de ação. Os embates corpo a corpo são decepcionantes. Nada nos deixa apreensivos ou esperançosos.

Dito tudo isso, não consigo destacar alguém do elenco porque não vejo nenhum personagem sendo trabalhado ali na tela. Todos ficam na superfície, inclusive o protagonista, que tão pouco conhecemos. Para um filme de duas horas e meia é bastante frustrante sentir que o roteiro não soube desenvolver nenhum deles. “Duna” é lindo, hipnotizante e, como franquia, promete muito para o futuro. Mas, por enquanto, ficamos só na promessa.

NOTA: 7

País de origem: EUA, Canadá
Ano: 2021

Título original: Dune
Duração: 155 minutos

Disponível: Cinemas
Diretor: Denis Villeneuve
Roteiro: Eric Roth, Jon Spaihts, Denis Villeneuve
Elenco: Timothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Oscar Isaac, Josh Brolin, Stellan Skarsgård, Jason Momoa, Javier Bardem, Dave Bautista, Chen Chang, Zendaya, Charlotte Rampling

Crítica: Querido Menino

O amor não salva tudo

“Querido Menino” marca o primeiro filme de língua inglesa do diretor Felix van Groeningen, que foi indicado ao Oscar, há seis anos atrás, por “Alabama Monroe”. Apesar de se tratar de um belo projeto, sua obra acaba que se sustentando quase que por completo na atuação de Timothée Chalamet. Há muita entrega sua nesse papel e me surpreende não tê-lo visto no Oscar na época do lançamento.

O filme nos mostra a forte relação existente entre um pai e um filho. David Sheff (Steve Carell) é um autor renomado que tem sua rotina abalada quando, pouco antes de entrar para a faculdade, seu filho mais velho Nic (Timothée Chalamet) se revela viciado em metanfetamina. Através de flash backs, vamos adentrando às memórias do pai, que busca entender quando foi que perdeu seu menino. Desta forma, o longa é quase como um amontoado de lembranças e entre passado e presente, vamos construindo, ao lado dos protagonistas, essa bela e conturbada união entre os dois. O grande acerto aqui é nos fazer acreditar neste carinho entre eles, nesta cumplicidade ferida. De fato, há algo muito terno presente em cada cena. É bonito porque o amor é visível ali e é ele que une cada um dos personagens do filme. O amor é aquilo que os move e que justifica suas ações, até mesmo aquelas mais condenáveis.

Ainda que seja muito doloroso o caminho percorrido por David e Nic, é difícil se emocionar com a jornada deles. Isso se deve principalmente porque a montagem parece impedir o filme de sair da superfície. Estamos sempre indo e voltando e quando algumas ações poderiam guiá-lo para um momento de comoção maior ou de transformação, somos cortados e levados para lugar algum. Como quando Nic quase mata uma de suas namoradas ou quando Karen, atual mulher de David, persegue Nic com seu carro. São sequências que poderiam resultar em algo muito maior, mas o filme se recusa a mostrar alguma consequência mais drástica de seus eventos. É muito picotado e dessa forma se torna em uma obra linear, que não sai do lugar e jamais emociona o quanto poderia. Não há tempo para se aprofundar nos sentimos expostos e tudo acaba ficando raso. Me incomoda, também, a inconstante trilha musical da obra, que não se decide entre o punk, o pop eletrônico ou o clássico. Ilustram bem as cenas em que aparecem, mas impedem o filme de ter uma identidade mais coerente.

É até admirável o esforço de Steve Carell em sua carreira em papéis mais dramáticos, no entanto, mais uma vez, ele se mostra limitado demais para encarar um desafio como esse. É assim que Timothée Chalamet, com pouquíssima idade, rouba a cena. Seu trabalho é fantástico e surpreende. Pena que o roteiro não dá espaço para as personagens femininas. Maura Tierney e Amy Ryan estão incríveis em cena, mas são pouco aproveitadas.

Apesar dos deslizes, “Querido Menino” é um filme bem realizado, que reserva alguns ótimos momentos como quando o pai explica para o filho o tamanho de seu amor por ele. É um retrato triste e muito real de muitas famílias, de pais que olham para aqueles que criaram e não os reconhecem mais. Ficamos a espera de uma salvação, de redenção para os personagens e é triste quando nada disso vem, assim como na vida. É doloroso quando o filme nos lembra de que, por mais grande que seja o amor, ele não é capaz de tudo. Ao fim, Felix van Groeningen deixa claro, quando opta pelo didatismo, que seu intuito era fazer uma obra informativa. E isso torna seu produto, de fato, importante, não necessariamente bom.

NOTA: 7

  • País de origem: EUA
    Ano: 2018
    Duração: 111 minutos
    Título original: Beautiful Boy
    Distribuidor: Diamond Films
    Diretor: Felix van Groeningen
    Roteiro: Felix van Groeningen, Luke Davies
    Elenco: Steve Carell, Timothée Chalamet, Maura Tierney, Kaitlyn Dever, Jack Dylan Grazer, Amy Ryan, Timothy Hutton