O peso da herança

Lançada em 2018, “Succession” encerrou um ciclo brilhante neste ano. Criado por Jesse Armstrong, o show é mais um desses grandes acertos da HBO que entram para a história. Em 4 temporadas, foram 39 episódios fascinantes sobre uma família destruída e obcecada pelo poder, onde três irmãos se confrontam pelo controle do império conquistado pelo pai, Logan Roy (Brian Cox). A trama, desde o início, nos traz a dúvida que vem a ser respondida somente agora: o nome do sucessor. Não aquele que mereceu vencer, mas aquele que moveu as peças certas neste embate traiçoeiro e moralmente deturpado.

“Succession” é uma série que exige bastante do público. Requer atenção para compreender os trâmites e discursos verborrágicos neste complexo cenário onde a trama se move. A compreensão nem sempre vem fácil, mas certamente nos dedicamos a adentrar ao seu universo, pois a recompensa é sempre alta. Aprendemos a amar seus odiáveis personagens e a tentar entender a confusão mental que é cada um deles. Existem muitas camadas aqui e, aos poucos, fomos surpreendidos pela humanidade existente nesses indivíduos que são – roubando um termo usado no último episódio – emocionalmente atrofiados.

A câmera inquieta do show traz uma sensação bastante imersiva e revela essa ansiedade constante dos personagens, na busca violenta por status. Sentimos, o tempo todo, que estamos ali, vivendo em tempo real o constrangimento daquelas situações absurdas. Os planos incertos captam as reações espontâneas de todo o elenco, quase como se fossem um flagra. Como se não pudéssemos estar vendo tudo aquilo. É tudo bastante cru, realista e a direção não perde a mão nunca. O texto é afiado e nos choca pela velocidade em que as ideias surgem na tela.

“Succession” faz um registro curioso desse mundo inalcançável dos bilionários. Esse local predatório, onde é preciso ser um matador para vencer. O capitalismo, como revela a série, força todas as classes, até mesmo esta que é dominante, a um ciclo de dependência. Enquanto alguns já nasceram no berço de ouro e ignoram qualquer coisa que esteja abaixo deles, outros lutam por se infiltrar nesse universo e a aprender as novas regras de convivência. Tom (Matthew MacFadyen) e Greg (Nicholas Braun) são os hospedeiros nesse ambiente. Os dois, preciso destacar, construíram uma relação um tanto quanto complexa durante toda a série. Tom, que sempre foi a sombra, encontra na figura fragilizada do primo distante, a chance de ser o opressor que ele tanto sonhou. O ator Matthew MacFadyen destrói e entrega um dos seres mais intrigantes de toda a série.

Em um dos momentos mais emblemáticos do programa, lá na segunda temporada, Logan Roy diz que Kendall (Jeremy Strong) não é um matador e jamais sobreviveria sendo o sucessor. O grande peso que o personagem carrega nas costas é o que separa o literal do metafórico nessa palavra. Ele não é o assassino que seu pai espera que ele seja para tocar os negócios. Enquanto isso, carrega a culpa por ter, literalmente, tirado a vida de alguém. E o preço disso vem à tona ao final. Esse acúmulo de riqueza, para todos os irmãos, ironicamente, tem um valor a ser pago. E esse valor é alto e destrutivo.

Essa última temporada vem para fechar alguns ciclos e revelar algum resquício de sentimento que sobrou nessas almas corrompidas. Shiv, Kendall e Roman, quando crianças, brincavam ao lado da sala do pai, na intenção de que ele os ouvissem enquanto trabalhava e só o que recebiam eram palavras de rancor. Eles cresceram e não deixaram de buscar por essa atenção. Pela aprovação, mesmo que mínima, porque era o mais próximo que poderiam receber de um gesto de afeto. Foi uma vida de abusos, tortura e expectativas frustradas e eles jamais conseguirão fugir disso, desse reflexo doloroso que eles herdaram. Dessa vida sem amor do qual Connor (Alan Ruck) precisou se acostumar. Logan é uma figura narcisista que não preparou ninguém ao seu legado, porque ele mesmo se via como eterno, não substituível. E ele não hesitou em plantar aquilo que não tinha intenção alguma de colher. E nada disso funcionaria sem a entrega perfeita de Sarah Snook, Kieran Culkin, Jeremy Strong e Brian Cox. Todos brilharam demais.

Assistir a cena em que os três irmãos, tão livres, brincam na cozinha, no último episódio, foi de cortar o coração. Eles agindo como os adolescentes que não conseguiram ser, cultivando uma relação tão despedaçada. Foi forte, também, o instante em que assistem um momento descontraído do pai, em um registro de vídeo, e toda aquela simplicidade que eles nunca tiveram acesso. Logan tirou tanto deles que, ao fim, não sobra nada. E desse vazio, “Succession” nos entrega uma conclusão amarga, onde não há vencedores. Um final desconfortavelmente real e extremamente justo com a trajetória que traçou até aqui.

NOTA: 9,5

País de origem: Estados Unidos
Ano: 2018 – 2023
Duração: 4 temporadas
Disponível: HBO Max
Diretor: Mark Mylod. Andrij Parekh, Lorene Scafaria, Becky Martin
Criação: Jesse Armstrong
Elenco: Sarah Snook, Jeremy Strong, Kieran Culkin, Matthew Macfadyen, Brian Cox, Nicholas Braun

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