Crítica | Armageddon Time

Pelo olhar de quem não viveu

Tem chegado uma safra de filmes de diretores consagrados revelando, em tom autobiográfico, o período da infância. Em pouco tempo já tivemos Paul Thomas Anderson (Licorice Pizza), Kenneth Branagh (Belfast) e, logo em breve, Steven Spielberg (Os Fabelmans). Com “Armageddon Time”, James Gray fala sobre amadurecimento, relações familiares e como ser uma criança judia na Nova York dos anos 80. O filme, porém, é tudo o que eu não esperava dele. E minha frustração diante da obra não é somente por quebrar minhas expectativas (essa culpa eu carrego comigo), mas por encontrar aqui um cineasta tão incrível como ele reunindo em uma obra, aparentemente tão íntima, inúmeros equívocos.

James Gray aborda o sonho americano em um período eleitoral. Uma época de incertezas, onde o medo reina nas ruas e aflige aqueles que têm crença no “fim dos tempos”. É neste cenário frio e cinzento que uma família – que tem raízes de imigrantes judeus que sobreviveram ao holocausto – busca se estabelecer, apesar das dificuldades. O protagonista é o pequeno Paul (Banks Repeta), que vai mal nos estudos e sonha em ser um artista. Quando se aproxima de Johnny, o único menino preto da escola, ele passa a refletir sobre desigualdades e a hipocrisia dos tantos discursos que ouve sobre o futuro.

“Armageddon Time” sofre de uma séria crise de identidade. Por muitos momentos eu realmente não conseguia entender qual era a intenção das cenas. Durante os encontros de família, que por vezes me parecia uma relação bem tóxica, a direção sempre sugeria algo agradável e leve, mesmo quando o filho apanhava violentamente. Ou em uma das sequências finais, quando o pai faz um discurso no carro, extremamente preconceituoso e cruel, mas logo vem uma trilha emocional ao fundo como se aquilo significasse algo tocante e de grande importância. James Gray me soa muito ingênuo diante de sua própria criação, nunca encontrando o tom ideal e nunca compreendendo o real peso das situações. Tudo isso piora quando ele usa da própria infância para debater algo que nunca viveu, o racismo.

É imensamente equivocado seus discursos raciais e me choca ver essa visão romantizada que o diretor faz. Ele coloca de escanteio o único personagem preto da história, que tem como única função favorecer o crescimento do protagonista. É ele, inclusive, que vai ensinar Paul a fumar e a roubar. Em uma vibe desconfortavelmente semelhante à “Green Book”, vemos aqui o racismo pelo olhar do branco e como a dor e sofrimento do outro ajudou a moldar sua personalidade altruísta.

O que salva “Armageddon Time”, definitivamente, é seu elenco. Anne Hathaway e Anthony Hopkins estão ótimos, mas é nas costas do pequeno Banks Repeta que o filme se escora. Ele é a alma, o brilho e o que nos segura até o fim. A produção tem lá seu charme, assim como em toda filmografia de Gray, mas este é, infelizmente, um de seus piores trabalhos. Longo, entediante e com discussões rasas e equivocadas sobre desigualdade.

NOTA: 6,0

País de origem: Estados Unidos
Ano: 2022
Duração: 114 minutos
Disponível: Cinema
Diretor: James Gray
Roteiro: James Gray
Elenco: Banks Repeta, Anthony Hopkins, Jeremy Strong, Anne Hathaway

Crítica: Os 7 de Chicago

O espetáculo da fórmula

O roteirista Aaron Sorkin chamou a atenção da crítica, há dez anos atrás, quando usou do tribunal para investigar a mente de Mark Zuckerberg no irreparável “A Rede Social”. Ele retorna a este ambiente para contar mais um evento real, desta vez, focando no longo e histórico julgamento dos “7 de Chicago”, quando um grupo de ativistas foi acusado de incitar tumulto enquanto protestava nas ruas contra a Guerra do Vietnã.

O filme quase todo é centrado dentro do tribunal, com alguns pouquíssimos flashbacks que nos situam ao que realmente aconteceu. Sorkin é mestre nessas longas discussões, contando sempre com um texto verborrágico e de poucas pausas. Ainda que narre um acontecimento do final da década de 60, os debates que consegue extrair de tudo isso é extremamente atual e relevante. É assustador e causa incômodo, não apenas pela postura violenta da polícia, como o despreparo do juiz diante do caso, criando um espetáculo do qual ele já tem certo sobre quem são os culpados e as vítimas da história.

Apesar das boas reflexões que deixa, “Os 7 de Chicago” é formulaico e frustra ao se deixar cair nas armadilhas do subgênero. O falatório é calculado e mais clama por um Oscar do que por honestidade. O grande pecado do texto é se apegar ao julgamento e esquecer daqueles que estão sendo julgados. Passamos o filme todo vendo detalhes ricos das discussões sem jamais conhecer os verdadeiros personagens da história. Aaron Sorkin pode demonstrar grande conhecimento de tribunais, mas esquece das vidas que preenchem aquele espaço. Sabemos o que eles fizeram, mas jamais sabemos quem eles foram.

Como diretor, Sorkin também segue as fórmulas e não reinventa aquele ambiente, sendo visualmente tedioso. Ao menos ele acerta na condução do elenco, extraindo ótimas atuações principalmente de Sacha Baron Cohen, Yahya Abdul-Mateen II, Frank Langella e Mark Rylance. Eddie Redmayne me surpreendeu também. Havia tempo que não o via tão livre de seus tantos trejeitos.

Ao fim, o diretor ainda nos presenteia com um momento surpreendentemente piegas, com trilha sonora pesada e bastante desconexo com o que havia apresentado até ali, optando por uma dramaticidade desastrosa que diminui a força de seus bons discursos.

NOTA: 6,5

  • País de origem: EUA
    Ano: 2020
    Duração: 129 minutos
    Título original: The Trial of the Chicago 7
    Distribuidor: Netflix
    Diretor: Aaron Sorkin
    Roteiro: Aaron Sorkin
    Elenco: Eddie Redmayne, Joseph Gordon-Levitt, Mark Rylance, Sacha Baron Cohen, Jeremy Strong, Alex Sharp, Frank Langella, Michael Keaton, Yahya Abdul-Mateen II
    , John Carroll Lynch