A voz de quem antes não era ouvido
Algumas histórias permaneceram caladas por muito tempo. E quando as histórias que são contadas não estão falando sobre você, é preciso ir lá e ser essa voz. E é justamente isso o que Elegance Bratton faz aqui. Com seu primeiro longa-metragem, ele usa do cinema para expor suas próprias dores e revelar a trajetória de tanta gente que não é ouvida. Homossexual, preto, foi expulso de casa aos 16 anos e viveu como morador de rua até decidir entrar na Marinha. É sobre essa virada que ele nos conta em “The Inspection”. Sobre seu renascimento.
É louvável o esforço de Bratton, em parceria com a A24, em expor sua passagem como fuzileiro naval em plena América de Bush. É doloroso acompanhar a presença de Ellis French (Jeremy Pope), seu alter ego, em um ambiente tão cruel, homofóbico e abusivo. Acompanhamos a rotina pesada dos treinamentos e a violência excessiva que é tratada como protocolo. O fato dele ser o diretor contando a própria versão dá a obra um tom extremamente autêntico, sem grandes transformações ou finais gloriosos. É um relato poderoso, intimista e que foge de certas artimanhas de roteiros convencionais.
Nos leva a frustração, no entanto, quando o filme acaba gerando uma expectativa que não se cumpre. Falta carga dramática ao mergulhar na mente deste bravo protagonista e, por ser autobiográfico, ficamos à espera de que ganhe camadas mais profundas, mas isso não acontece. Incomoda, também, quando o longa acaba reproduzindo certos estereótipos ultrapassados e negativos quanto a homossexualidade, como quando o personagem se excita no vestiário ou acaba sentindo atração pelo único hétero que lhe trata bem. Mas nada disso, preciso dizer, estraga a experiência. É sim um trabalho notável e que gera grandes reflexões.
No diálogo mais forte de “The Inspection”, Ellis revela o porquê de ter entrado na Marinha. Ele é um homem sem rumo, sem qualquer perspectiva de vida. Seus iguais estão morando nas ruas, sendo rejeitados por famílias e sendo assassinados. É muito poderoso esse discurso e essa busca do protagonista em tentar ser alguém, mesmo que renegado por todos, mas o herói que do lado de fora ele nunca vai conseguir ser. Comove essa sua força em continuar em pé mesmo dentro de um sistema tão opressor. Dói, também, a relação que ele tem com a mãe e como ela o trata como um criminoso apenas por ser quem ele é. Jeremy Pope está fantástico e entrega uma das atuações mais incríveis do ano, assim como Gabrielle Union, que surpreende como coadjuvante.
Após sofrer tanta humilhação, Ellis questiona a seu superior: a quem eu reporto? Quem enfrenta abuso de poder segue sem essa resposta, é então que “The Inspection” serve também como a denúncia de Elegance Bratton. Sobre ele finalmente ter uma voz para dizer e, através de sua arte, poder ser ouvido. Ele sai em defesa daquele jovem do passado que não podia reportar e de tantos outros que nem ao menos podiam existir.
NOTA: 8,0
País de origem: Estados Unidos
Ano: 2022
Duração: 100 minutos
Disponível: Paramount+
Diretor: Elegance Bratton
Roteiro: Elegance Bratton
Elenco: Jeremy Pope, Raúl Castillo, Bokeem Woodbine, Gabrielle Union
