Atendendo aos caprichos do roteiro
É lindo a questão da representatividade e este espaço que a série abre para a comunidade trans e um elenco tão inclusivo. E digo, nenhum defeito apaga esse brilho. Porém, como grande apreciador da primeira temporada, preciso aceitar o fato, com dor no coração, a decepção que foi esse segundo capítulo da trama. Produzido por Ryan Murphy, ele já vem construindo a fama de um criador audacioso mas que acaba sendo refém da própria ambição, jamais conseguindo manter o nível daquilo que inicia.
A continuação de “Pose” frustra porque não há desenvolvimento algum e os personagens estão ali apenas para atender aos caprichos do roteiro. Se hoje vamos falar de ativismo, colocamos eles lá, no próximo episódio a gente finge que não existiu. Se hoje é mais interessante aquele indivíduo estar fracassado, a gente faz assim, amanhã ele será bem sucedido porque fará parte da nova pauta. E assim seguimos em uma sequência aleatória de eventos, onde as transformações acontecem para gerar um debate específico, não porque cabia ao personagem.

Quando Damon parece finalmente ganhar os holofotes com sua dança, isso não o leva a lugar algum, além de torná-lo insuportável. Quando Blanca recomeça depois de uma grande perda, conhecendo o amor, isso logo é ignorado no episódio seguinte. E isso acontece Angel, Lulu e Elektra. Seja nos momentos de glória, de conquista ou de perda. Nada disso os leva para uma nova direção. Nada disso os impulsiona. Todos estão presos em uma caixa, se reiniciando a cada novo episódio, impedindo, assim, qualquer tipo de evolução, crescimento ou até mesmo de uma narrativa dramática mais corajosa.
Claro, os temas são sempre relevantes e é importante abrir espaço para certas pautas, mas é bizarro como eles alteram o caminho da trama para poder debater algo que até então era incabível. É um roteiro que caminha por pura conveniência, sem jamais respeitar aquelas belas histórias e aquelas belas mulheres que tem tanto a dizer, tanto a explorar. Um texto com muito sentimento sim, mas expositivo, lamentavelmente conduzido.
Para piorar, recebemos no combo um desconfortável plot de “fantasia pós-morte” e cenas musicais que pouco conversam com a atmosfera da série, causando mais incômodo do que admiração. É a escola Ryan Murphy do “vamos fazendo assim e lá na frente vemos no que dá”.

Espero que a série se recupere na terceira temporada e termine da forma brilhante como começou. Vou guardar dessa parte a força inspiradora de Blanca e os diálogos icônicos de Elektra, assim como a presença hipnotizante de Dominique Jackson em cena. Curiosamente, o melhor episódio é o 9 (o penúltimo), justamente aquele em que o show é menos pretensioso, mais leve e muito mais humano. Foi o ápice “Pose” para mim.
NOTA: 6,5
País de origem: EUA
Ano: 2019
Disponível: Netflix
Episódios: 10
Diretor: Gwyneth Horder Payton, Ryan Murphy
Elenco: Mj Rodriguez, Billy Porter, Indya Moore, Dominique Jackson, Angelica Ross