O sonho do oprimido
Sempre bom ver o cinema nacional se arriscando em outros gêneros e “O Animal Cordial” merece atenção pelo bom resultado que alcança. Uma proposta ousada e que funciona pelas mãos da diretora Gabriela Amaral Almeida, que entrega aqui um potente thriller psicológico.
Quando um restaurante é tomado por dois assaltantes, o dono do local reverte a situação para salvar seu estabelecimento, construindo um jogo perverso e violento dentro daquele pequeno ambiente. Com poucos espaços, o roteiro prende seus personagens durante uma noite tumultuada, construindo ali um embate pela sobrevivência. Apesar do cardápio elegante, é curioso como a produção desenha seu cenário, com cores escuras, paredes sujas, mais parecendo um matadouro, pronto para a carnificina.

A obra me remeteu à fase mais crua de Nicolas Winding Refn, pelo uso das cores, violência e principalmente pela trilha sonora, que aqui mescla órgãos e sintetizadores. As atuações são ótimas, se destacando, claro, Murilo Benício, que cria em cena um personagem macabro e marcante. Luciana Paes e Irandhir Santos também estão incríveis.
O sonho do oprimido é ser opressor. Essa frase ilustra bem “O Animal Cordial” e em como seus personagens, que se veem como a escória de uma posição acima, se rebelam contra esta estrutura hierárquica, decididos a inverter a cadeia alimentar. Todos eles são diminuídos, rejeitados pelo simples ato de ser quem são. É forte o instante em que um dos cozinheiros tem seus cabelos cortados, símbolo de sua resistência e identidade, simplesmente porque “incomodava” seu opressor. Todos almejam uma nova posição, uma fuga, estar longe daquela vida, longe do trabalho de “merda”. E neste jogo violento de ascensão, os indivíduos ali perdem o controle, se degradando até que, ao fim, se tornem apenas animais, grosseiros e famintos.
NOTA: 8,5
- País de origem: Brasil
Ano: 2017
Disponível: Netflix
Duração: 96 minutos
Diretor: Gabriela Amaral Almeida
Roteiro: Gabriela Amaral Almeida
Elenco: Murilo Benício, Luciana Paes, Irandhir Santos, Ernani Moraes, Camila Morgado, Humberto Carrão