Crítica | O Predador: A Caçada

A presa e o Caçador

Um dos meus pecados cinéfilos foi nunca ter visto “O Predador”. Aquele clássico de 1987, protagonizado por Arnold Schwarzenegger. A verdade é que só com a chegada de “Prey”, que o original me despertou atenção. Uma mistura boa de ação, terror e ficção científica e que volta a funcionar aqui. A direção é de Dan Trachtenberg, que tinha a difícil missão de agradar uma legião de fãs que nunca puderam ver um bom retorno desse personagem icônico da cultura pop. Ele foi também responsável por outra continuação bem sucedida: Rua Cloverfield, 10.

A história antecede tudo o que conhecemos do Predador e nos leva para o Oeste Americano dos anos de 1700. É lá que nos deparamos com nossa brava protagonista, Naru. Ela vive em uma tribo Comanche e foi educada, assim como todas as mulheres, para ser uma cuidadora. “Prey”, então, se estabelece como um rito de passagem dessa jovem que precisa quebrar essa cultura enraizada e provar para todos que é capaz de ser uma caçadora.

Existe uma certa beleza nessa sinergia da narrativa. Ignorando a tradução do título, “Prey”, em português, significa “presa”. O encontro da protagonista com o Predador é bastante curioso. Ela quer ser a caçadora, mas ele não a vê por ser a presa. A fraqueza do qual ela sempre foi definida é justamente o que a torna tão perigosa no meio dessa cadeia alimentar selvagem. Porque ninguém a vê como ameaça. E ela é.

Toda a ambientação da obra é bastante original e nos fisga pela bela produção. No entanto, esse universo, que de imediato parece tão bom e novo, logo perde a força quando os personagens abrem a boca. O texto beira o lamentável, o que não só impede as atuações de funcionarem, como também impede nossa crença diante dessa realidade que tenta construir. Nada passa verdade.

“O Predador: A Caçada” também não sabe como explorar o Predador dentro da trama, que vem como um artigo de luxo e nunca como peça essencial. Ele é tão pequeno dentro da narrativa que se torna até menos interessante que os animais selvagens que aparecem, onde a perseguição do urso, inclusive, entrega muito mais tensão e medo que suas aparições. Perde também quando sua caça sangrenta depende mais de suas habilidades para manusear os apetrechos tecnológicos do que de sua força e fúria. O embate entre ele e Naru enfraquece ainda mais quando o roteiro aposta em conveniências excessivas. Ele sempre tem uma carta na manga e ela é sempre salva por uma coincidência tola.

“Prey” é bem menos interessante do que querem que ele seja, mas ainda assim é um entretenimento empolgante e bonito de se ver. Ao trazer o protagonismo feminino para a franquia, coloca em pauta discursos sempre válidos como empoderamento, ainda que o fraco texto nunca saiba como explorar isso de forma menos óbvia. Dan traz uma proposta bem diferente do que conhecemos do Predador, em uma jornada mais intimista e menos extravagante. Suas intenções são boas, mas perde demais com o roteiro mal acabado e por se levar muito mais a sério do que a trama exigia.

NOTA: 6,5

País de origem: EUA
Ano: 2022
Título original: Prey
Duração: 99 minutos
Disponível: Star+
Diretor: Dan Trachtenberg
Roteiro: Patrick Aison
Elenco: Amber Midthunder, Dakota Beavers

Crítica | Influencer de Mentira

As motivações vazias da cultura digital

Quando as redes sociais passaram a dominar por completo a rotina de todos, emergiu, nesse tempo, indivíduos que geram influência sobre os demais. Rosto de marcas. Vozes que representam um pensamento. “Influencer de Mentira” causa identificação ao se aprofundar no universo digital, satirizando essa cultura nociva que se estabeleceu e provocando desconforto ao desenhar, com precisão, essa geração que se tornou refém de suas motivações vazias.

Logo de cara, descobrimos que nossa protagonista está sendo cancelada na internet e o filme se desenvolve para revelar os motivos dela ter se tornado a piada da nação. Danni Sanders (Zoey Deutch), em uma busca por ser notada pelos demais e chamar atenção de um macho, inventa uma viagem à Paris. Sua mentira acaba ganhando proporções inimagináveis quando acontece um ataque terrorista “durante sua viagem”. Enquanto forja ter presenciado o ocorrido, ela passa a ser reverenciada por todos aqueles que antes a ignoravam, além de criar o movimento #notokay, dando voz para todos aqueles que vivenciaram algum tipo de trauma.

“Influencer de Mentira” navega por temas extremamente delicados sem perder a força do humor. Caminha sem medo nessa linha tênue entre a provocação e o ofensivo, mas é corajoso o suficiente para se manter ali, cutucando sem utilizar-se de um discurso panfletário e sendo incisivo para causar desconforto. É curioso como o texto vai na contramão de um roteiro clássico. Ele não defende sua protagonista, não a protege e não força uma redenção. Justamente por isso, seu final deixa um vazio em nós. Não há lições aprendidas e, sinceramente, por mais que doa, acredito que a realidade seja assim também. Danni Sanders não tem voz no fim de sua história e, brilhantemente, o longa se encerra entregando, literalmente, o palco a quem tem o que dizer. (Inclusive, Mia Isaac…que revelação!)

Danni é detestável, fútil e, através dela, o roteiro consegue traçar um estudo instigante sobre essa necessidade que se construiu nos novos tempos de ser notado, de ser alguém seguido por razão alguma, simplesmente por ser. O texto é inteligente, onde seus absurdos são tão plausíveis que faz refletir o quão tóxico, muitas vezes, esse universo das mídias sociais pode ser. É possível traçar tantos paralelos com essa “realidade” virtual. Nesse universo onde nada é real e, ao mesmo tempo, tanto nos afeta. Gente de todo canto precisando dar uma opinião sobre alguma coisa importante, ou se apropriando de movimentos para caçar likes. Um atacando e diminuindo o outro, protegidos em suas fotos de perfis. O grande vilão do filme não tem rosto, porque ele pode ser qualquer um. Inclusive nós.

Não haveria atriz mais competente que Zoey Deutch para esse papel. Ela nos fisga, mesmo quando sua personagem só nos revela motivos para detestá-la. Cativante, ela trabalha bem no humor, provocando riso sem deixar de tornar Dani possível e estranhamente humana. Existe uma parte dela que busca por uma conexão, fazer parte de algo, mesmo que ela se afunde tentando alcançar essas necessidades que ela nunca soube como começou e nunca soube como lidar. A estranha identificação que o roteiro nos cria com a personagem vem justamente desse ponto. Estamos presos nesse abismo que as redes sociais construíram em nossa realidade, buscando por algo que nos preencha mesmo quando, por todos os dias, tudo o que elas nos deixam é ausência.

NOTA: 9,0

País de origem: EUA
Ano: 2022
Título original:
Not Okay
Duração: 103 minutos
Disponível: Star+
Diretor:
Quinn Shephard
Roteiro:
Quinn Shephard
Elenco:
Zoey Deutch, Mia Isaac, Nadia Alexander, Dylan O’Brien

Crítica | Competição Oficial

Rivalidade, ego e metalinguagem

A metalinguagem de “Competição Oficial” já inicia-se no título com uma clara alusão às mostras competitivas de festivais de cinema. É ficção dentro de uma ficção, em uma obra que satiriza, com brilhantismo, Hollywood e toda a “batalha” de egos que existe no meio artístico. Com roteiro e direção de Mariano Cohn e Gastón Duprat (O Cidadão Ilustre), o longa utiliza-se de pouquíssimos cenários e ambientações, mas é aquela produção tão absurda e fascinante, que vai se tornando gigantesca aos nossos olhos. O texto é fantástico, um dos mais geniais deste ano, e reunir o melhor elenco, não só engrandece sua brincadeira – justamente porque conta a sobre o melhor elenco já reunido – como também coloca Penélope Cruz, Antonio Banderas e Oscar Martínez no pódio que eles merecem.

Existem três filmes aqui. O primeiro, chamado “Rivalidade”, é um livro que será adaptado para o cinema por uma renomada diretora, Lola (Pénelope). Para isso, ela reúne dois grandes astros, Félix (Banderas) e Iván (Martínez), para interpretar dois irmãos distintos que vivem um confronto. Ao longo da trama, vamos acompanhando os severos ensaios de Lola, que não só abalam o ego dos atores como os tornam grandes rivais. É bastante curioso como o roteiro trabalha essas personalidades tão distintas entres os personagens e como eles são o completo oposto daqueles que irão interpretar na história. O texto é brilhante e nos engana, onde em determinados instantes, não sabemos mais o que separa interpretação da verdade. Félix e Iván não são confiáveis aos nossos olhos, o que torna esse embate ainda mais saboroso e complexo. O segundo filme é “Competição Oficial”, esse que vemos. O terceiro, é aquele que se mantém vivo em nós, muito tempo depois que ele acaba.

A obra satiriza de maneira sagaz a glamourização das premiações e como o cinema, por muitas vezes, se torna refém delas. Essa arte como espetáculo, que é colocada em competição como se fosse um esporte. O que define um ator melhor que outro, um filme melhor que outro? Existe inteligência nesses discursos, que sempre chegam com muito humor, e nos faz traçar paralelos com a realidade e com esses egos que necessitam estar no topo a qualquer custo.

Interessante, ainda, como este confronto existe tanto entre os atores como entre os personagens que irão interpretar É então que eles se fundem, se tornam a mesma coisa. É bastante divertido as cenas dos estudos, dessa diretora excêntrica buscando a verdade de seus astros. Tudo é tão bizarro, insano, mas estranhamente adorável de assistir. A sequência em que ensaiam a cena final do filme é fascinante. A história é boa e a história dentro da história é muito boa também.

“Competição Oficial” é uma surpresa deliciosa, que revela, através de um texto crítico e bastante atual, o cinema de nosso tempo. Ri de nervoso, mas também me deixou reflexivo sobre seu excelente final. E claro, valeu por ver esse trio de atores arrebentando em cena. O texto exige bastante dos três e eles devoram cada oportunidade. Eles brilham.

NOTA: 9,0

País de origem: Argentina, Espanha
Ano: 2022
Título original: Competencia Oficial
Duração: 115 minutos
Disponível: Star+
Diretor: Gastón Duprat, Mariano Cohn
Roteiro: Gastón Duprat, Mariano Cohn
Elenco: Penélope Cruz, Antonio Banderas e Oscar Martínez

Crítica: Love, Victor (segunda temporada)

A referência que não tivemos

Spin-off do filme “Com Amor, Simon”, a ideia dessa série demorou a me convencer. A primeira temporada nos apresentou Victor (Michael Cimino), que seguindo os conselhos de Simon, enfrentou uma jornada de aceitação e confiança para se assumir gay. Havia algo de muito honesto naquele roteiro – apesar da simplicidade de um produto teen – e que me fez apostar nessa segunda temporada. Aqui, a série finalmente se encontra e acerta o tom, revelando desdobramentos bem mais interessantes daqueles apresentados anteriormente.

Houve uma melhora significativa na narrativa, trazendo temas relevantes de forma madura e sem cair no lugar comum. Traz conflitos reais e situações que finalmente desafiam seus personagens, os colocando de vez no mundo real. Bipolaridade, diferenca entre classes sociais, a visão das crianças sobre homossexualidade. É válido, ainda, a passagem dos pais do protagonista, que traz questionamentos interessantes sobre raça e sobre o peso da religião em suas atitudes. O texto acerta e é bastante corajoso neste discurso contra ideias tão ultrapassadas da igreja.

Brilhante em como o seriado debate como a própria comunidade nem sempre se apoia, como quando um dos personagens é rejeitado por ser feminino demais. “Love, Victor” fala bastante sobre como pessoas LGBTQIA+ são colocadas em “caixas”, onde todos ao redor sabem exatamente como você deve agir ou ser. Victor é muito gay para o vestiário masculino, mas pouco gay para frequentar certos lugares. Esse embate provoca questões interessantes, criando camadas mais complexas para o protagonista e sua jornada.

Por falar em protagonista, Victor ainda é a peça que ainda menos funciona aqui, apesar da melhora do roteiro. Não apenas pela fraca atuação de Michael Cimino, mas também pela junção com Benji (George Sear), que é extremamente sem sal e nos faz vibrar pela possibilidade de separação, o que enfraquece a série como um todo. A sorte (e muita sorte) é que os coadjuvantes são realmente muito bons e os roteiristas, felizmente, entenderam isso. Felix teve uma trajetória fantástica nesse segundo ano e segue como melhor personagem, destacando a carismática performance de Anthony Turpel, assim como sua dupla de cena. Lake (a ótima Bebe Wood) tem tido um rumo semelhante à Summer Roberts de “The O.C”: de figurante fútil, tem se tornado a presença mais adorável da trama. Todos do elenco funcionam muito bem juntos e isso é o grande trunfo do programa. Tem um texto que respeita essas relações, a humanidade de cada um. É divertido, teen, mas imensamente sensível ao revelar a caminhada de todos eles.

Em suas entrelinhas, “Love, Victor” diz muito sobre referência. Se no primeiro capítulo dessa caminhada, Victor seguia os passos de seu mentor, aqui ele procura a própria voz para aprender a lidar com as tantos obstáculos que encontra, passando a ser, posteriormente, inspiração para outro jovem no colégio, a bela adição de Rahim (Anthony Keyvan). E no fundo, é justamente o que a série é: um ponto de referência para jovens que, assim como o protagonista, sentem esta insegurança em se assumir. Victor, vive muitos dilemas aqui e nunca sabe exatamente como agir, como falar, como ser esse “jovem gay” que todos esperam que ele seja. A verdade é que, desde que nascemos, vemos histórias de amor entre homens e mulheres. Não tivemos a referência, nunca foi tratado com a naturalidade que precisávamos ver na mídia, no cinema, nos livros que consumíamos. É desesperador encontrar as respostas sozinho e o show, de certa forma, vem para nos lembrar que não, não estamos completamente sozinhos.

Ps: o final foi ótimo e me fez querer demais uma terceira temporada.

NOTA: 8,5

País de origem: EUA
Ano: 2021

Disponível: em agosto no Star+
Duração: 10 episódios / 288 minutos
Elenco: Michael Cimino, Anthony Turpel, Bebe Wood, Ana Ortiz
, James Martinez, Mason Gooding