As motivações vazias da cultura digital

Quando as redes sociais passaram a dominar por completo a rotina de todos, emergiu, nesse tempo, indivíduos que geram influência sobre os demais. Rosto de marcas. Vozes que representam um pensamento. “Influencer de Mentira” causa identificação ao se aprofundar no universo digital, satirizando essa cultura nociva que se estabeleceu e provocando desconforto ao desenhar, com precisão, essa geração que se tornou refém de suas motivações vazias.

Logo de cara, descobrimos que nossa protagonista está sendo cancelada na internet e o filme se desenvolve para revelar os motivos dela ter se tornado a piada da nação. Danni Sanders (Zoey Deutch), em uma busca por ser notada pelos demais e chamar atenção de um macho, inventa uma viagem à Paris. Sua mentira acaba ganhando proporções inimagináveis quando acontece um ataque terrorista “durante sua viagem”. Enquanto forja ter presenciado o ocorrido, ela passa a ser reverenciada por todos aqueles que antes a ignoravam, além de criar o movimento #notokay, dando voz para todos aqueles que vivenciaram algum tipo de trauma.

“Influencer de Mentira” navega por temas extremamente delicados sem perder a força do humor. Caminha sem medo nessa linha tênue entre a provocação e o ofensivo, mas é corajoso o suficiente para se manter ali, cutucando sem utilizar-se de um discurso panfletário e sendo incisivo para causar desconforto. É curioso como o texto vai na contramão de um roteiro clássico. Ele não defende sua protagonista, não a protege e não força uma redenção. Justamente por isso, seu final deixa um vazio em nós. Não há lições aprendidas e, sinceramente, por mais que doa, acredito que a realidade seja assim também. Danni Sanders não tem voz no fim de sua história e, brilhantemente, o longa se encerra entregando, literalmente, o palco a quem tem o que dizer. (Inclusive, Mia Isaac…que revelação!)

Danni é detestável, fútil e, através dela, o roteiro consegue traçar um estudo instigante sobre essa necessidade que se construiu nos novos tempos de ser notado, de ser alguém seguido por razão alguma, simplesmente por ser. O texto é inteligente, onde seus absurdos são tão plausíveis que faz refletir o quão tóxico, muitas vezes, esse universo das mídias sociais pode ser. É possível traçar tantos paralelos com essa “realidade” virtual. Nesse universo onde nada é real e, ao mesmo tempo, tanto nos afeta. Gente de todo canto precisando dar uma opinião sobre alguma coisa importante, ou se apropriando de movimentos para caçar likes. Um atacando e diminuindo o outro, protegidos em suas fotos de perfis. O grande vilão do filme não tem rosto, porque ele pode ser qualquer um. Inclusive nós.

Não haveria atriz mais competente que Zoey Deutch para esse papel. Ela nos fisga, mesmo quando sua personagem só nos revela motivos para detestá-la. Cativante, ela trabalha bem no humor, provocando riso sem deixar de tornar Dani possível e estranhamente humana. Existe uma parte dela que busca por uma conexão, fazer parte de algo, mesmo que ela se afunde tentando alcançar essas necessidades que ela nunca soube como começou e nunca soube como lidar. A estranha identificação que o roteiro nos cria com a personagem vem justamente desse ponto. Estamos presos nesse abismo que as redes sociais construíram em nossa realidade, buscando por algo que nos preencha mesmo quando, por todos os dias, tudo o que elas nos deixam é ausência.

NOTA: 9,0

País de origem: EUA
Ano: 2022
Título original:
Not Okay
Duração: 103 minutos
Disponível: Star+
Diretor:
Quinn Shephard
Roteiro:
Quinn Shephard
Elenco:
Zoey Deutch, Mia Isaac, Nadia Alexander, Dylan O’Brien

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