Crítica | Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Uma brilhante viagem ao multiverso

“Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” não poderia ter um título mais pertinente. De fato, cabe muita coisa dentro desse filme, que flui entre gêneros distintos e consegue ser incrível em todos eles. Ao nos transportar para esse lugar de infinitas possibilidades, nos permite sentir inúmeras sensações e vivenciar uma experiência única, ousada e surpreendentemente tocante.

Existe algo de muito novo nesse cinema da dupla Daniel Kwan e Daniel Scheinert. Depois do excêntrico “Um Cadáver Para Sobreviver”, eles retornam para algo ainda mais insano e bizarro. No bom sentido, sempre. É fantástico como a cada segundo eles nos deixam com o pensamento de “eu não acredito que isso esteja acontecendo”. O roteiro é absurdamente genial e nunca para de criar ou trazer informações novas. É uma obra que vai se reinventando e mergulhando em lugares nunca antes explorados. A criatividade aqui é inesgotável e, no meio dessa aleatoriedade de eventos, existe um filme de coração enorme. Nem tudo faz sentido e nada, no fim das contas, precisa fazer. O grande lance aqui é se permitir viver a loucura e abraçar o nonsense, porque em algum canto, seja por um detalhe ou um simples diálogo, o filme falará diretamente com você.

Não deixa de ser, também, uma bela homenagem à atriz Michelle Yeoh. Veterana, ela encontra aqui o papel que sempre mereceu receber. Em cena, ela tem a chance de fazer de tudo um pouco. A atriz interpreta Evelyn, uma mulher chinesa-americana que segue atarefada em uma rotina que perdeu o brilho. Uma virada inesperada surge quando ela é informada de que precisa acessar outros universos – ou melhor, outras versões de si mesma – para salvar a humanidade da aniquilação. São mundos que foram ramificados depois de cada decisão tomada ao longo de sua existência e, agindo de forma esquisita, ela consegue acessar as habilidades de todas essas vidas que poderia ter vivido.

“Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” explora o multiverso de maneira inteligente e divertidíssima. É assim que o filme tem a capacidade de transformar uma simples cena dentro de um corredor em uma viagem alucinante. Não apenas pelo brilhante roteiro, como também a soberba montagem, a trilha empolgante da banda Son Lux como a direção segura dos Daniels, que fazem o inimaginável se tornar real aqui. Faltam palavras para descrever a insanidade proposta e é sensacional como eles fazem funcionar eventos absurdos como uma conversa entre duas pedras ou um universo onde pessoas têm mãos de salsicha. O elenco também merece destaque. Todos muito alinhados.

É muito curioso assistir os esforços da protagonista em salvar o mundo. A obra torna fácil se identificar com ela e nessa percepção de que ela vive a pior versão de si mesma. Essa sensação sempre paira em nós. Esse medo de termos escolhido os caminhos errados. O que teria sido? Como seria? E se? Vivemos sem ter essas respostas e, em grande parte do tempo, estamos perdidos, seguindo um rumo sem nexo. “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” nos faz lembrar de que alguma partícula minúscula no meio desse todo fará sentido. Cabe a nós encontrá-la e valorizá-la. No fim, é belo esse relato de família que a obra escreve, da importância do diálogo, de compreender o outro. No meio do furacão espalhafatoso de informações que nos deparamos aqui, existe um coração que bate forte e emociona quando menos esperamos. Há tanta coisa dentro do filme que ele explode em nós. Saio da sessão extasiado e preenchido por uma experiência sem igual, imensa e revigorante.

NOTA: 9,5

País de origem: EUA
Ano: 2022

Título original: Everything Everywhere All At Once
Duração: 140 minutos
Disponível: Cinema
Diretor:
Daniel Kwan, Daniel Scheinert
Roteiro: Daniel Kwan, Daniel Scheinert
Elenco: Michell Yeoh, Ke Huy Quan, Stephanie Hsu, Jamie Lee Curtis, James Hong, Jenny Slate

Crítica: Entre Facas e Segredos

Minha casa, minhas regras.

Se Agatha Christie, um dia, tivesse a chance de escrever um filme, este filme seria exatamente como “Entre Facas e Segredos”. Uma mansão luxuosa, um crime misterioso e um detetive pronto para desvendar a história por trás de uma morte não solucionada. São ingredientes que se tornaram partes da escrita da renomada autora e que retornam neste intrigante e fascinante novo trabalho do diretor Rian Johnson (Star Wars: Os Últimos Jedi). É, também, como se o jogo “detetive” ganhasse vida e os personagens, muito bem interpretados por este grande elenco, fossem as peças de um tabuleiro. O jogo aqui é inteligente, bem conduzido, com saídas improváveis e soluções plausíveis. 

Uma reunião de família que termina de forma trágica. O patriarca (Christopher Plummer), aparentemente comete um suicídio, mas alguns indícios mostram que pode ter acontecido um terrível e calculado assassinato. É então que entra em cena o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig), que volta ao local do provável crime para entrevistar os membros desta família disfuncional, onde todos são grandes suspeitos para ter cometido tal ato. Entre conversas e flashbacks, vamos conhecendo os grandes segredos por trás daquela noite. A linhas temporais aqui não são retas, indo e voltando nos mesmos acontecimentos mas sempre revelando uma informação nova. É simplesmente delicioso acompanhar a solução deste mistério ao lado desses personagens tão imprevisíveis e juntar, em nossa mente, todos os ricos detalhes deste quebra-cabeça engenhoso. A grande sacada aqui, porém, é sempre seguir por caminhos não convencionais, como por exemplo, não se apoiar ao “quem matou quem” e revelar muito antes aquilo que poderia ser a muleta até o final. São saídas inteligentes e que dão ao filme aquela sensação boa de se ler um bom livro. Uma narrativa muito bem conduzida e que amarra muito bem suas tantas ideias. 

O grande destaque aqui, assim como já nos adiantava em sua divulgação, é o forte e já bastante premiado elenco. De escolhas sempre assertivas como os ótimos Michael Shannon, Toni Collette e Christopher Plummer, à boas surpresas como Chris Evans e Jamie Lee Curtis. Os destaques, no entanto, ficam para Daniel Craig e a jovem Ana de Armas. Depois de encarar por tantos anos James Bond, acho que esquecemos do quão bom ator ele é. E Armas demonstra uma evolução admirável no cinema. É seu melhor momento como atriz até agora, conseguindo oscilar por diversos gêneros ali e construindo uma mocinha bastante intrigante. É muito bom ver este grande elenco reunido, dando vida para diálogos tão espertos como estes e trazendo um humor único, nada apelativo e que só tornam as situações ainda mais interessantes de se ver. Quando achamos que sabemos o caminho em que o roteiro vai seguir, ele vem e nos surpreende, estando sempre a um passo a frente do público. A produção também vem caprichada, desde o design aos belíssimos figurinos que remetem ao luxo vitoriano. A direção de Rian Johnson também é certeira, conseguindo dar ritmo, elegância e, sem grandes pretensões, entrega um dos melhores filmes que tivemos no ano de 2019.

“Entre Facas e Segredos” aproveita, no meio de sua comédia e mistérios, para trazer uma bem-vinda crítica ao governo de Trump e esses muros construídos que separam aqueles que vem de fora ou até mesmo sobre como os próprios norte-americanos diminuem os latinos ou a cultura além da deles mesmos. É assim que o final vem como um grande presente. É divertido e ainda deixa nosso coração aquecido. Saí da sessão com um sorriso no rosto, foi justo e melhor do que qualquer um poderia prever. Um baita filme.

NOTA: 9

  • País de origem: EUA
    Título original: Knives Out
    Ano: 2019
    Duração: 130 minutos
    Distribuidor: Paris Filmes
    Diretor: Rian Johnson
    Roteiro: Rian Johnson
    Elenco: Daniel Craig, Ana de Armas, Chris Evans, Toni Collette, Michael Shannon, Jamie Lee Curtis, Don Johnson, Christopher Plummer, Lakeith Stanfield, Katherine Langford, Jaeden Martell