Crítica | Blue Bayou

o peixe estrangeiro no próprio rio

O cinema, recentemente, tem dado mais visibilidade aos asiáticos-americanos e é ótimo poder ver – mesmo que tardiamente – suas história sendo contadas. “Blue Bayou”, que teve seu lançamento no Festival de Cannes ano passado, vem para expor a triste realidade de imigrantes adotados por famílias nos Estados Unidos que, mesmo enquanto adultos, são forçados a serem deportados do país.

Escrito, dirigido e protagonizado por Justin Chon, ele teve a ideia para o filme enquanto lia uma notícia em uma jornal sobre uma criança asiática nesta situação e sendo obrigada a voltar ao país em que nasceu. Aqui ele interpreta Antonio LeBlanc, coreano-americano que encontra dificuldades em conseguir um emprego devido a sua ficha criminal. Tudo piora quando ele recebe a notícia inesperada de que, mesmo adotado, ele está ilegal e pode ser colocado para fora do país em que construiu toda sua vida.

A condução de “Blue Bayou” é extremamente melancólica. Arriscaria dizer que é o filme mais triste que vi esse ano. A jornada do protagonista nunca parece ter uma solução e ficamos ali, com dor no peito, ao compreender que muitas histórias silenciadas caminham dessa mesma forma. Antonio é americano. Esta é sua casa. Mas nessa terra ele sempre é visto como estrangeiro, como alguém não merecedor desta vida. É doloroso ver esse encontro dele com o passado que nem ele mesmo se lembra. De que estar ao lado de sua família, do qual ele ama intensamente, pode estar com os dias contados.

Visualmente, a obra é riquíssima, com frames hipnotizantes de tão belos. Chon se mostra um diretor muito atento e, definitivamente, um nome a se prestar mais atenção. Como ator, ele entrega uma atuação notável e comovente, assim como sua parceira de cena, Alicia Vikander. Sou sempre suspeito por elogiá-la, mas ela é aquela atriz que se despe de qualquer vaidade e se transforma a cada papel.

O que enfraquece, infelizmente, a dramaticidade aqui é a inserção dos policiais na trama e essa estranha necessidade de construir vilões quando a trama por si só já é tão pesada. Esse acaba sendo justamente o pecado da obra, nunca entender o quão densa é naturalmente. O fim, aliás, excede o tom, forçando um dramalhão que o próprio filme não pedia. Ainda assim, apesar desses exageros na narrativa, confesso que não pude evitar as lágrimas. É doloroso pensar que existem histórias interrompidas como essa, de pessoas que tem suas raízes cortadas, vivendo como se não pertencessem a solo algum. “Blue Bayou” é um retrato urgente e seus letreiros finais vêm como um soco.

NOTA: 8,0

País de origem: EUA
Ano: 2021
Duração: 119 minutos
Disponível: Aluguel na Apple TV, Google Play, Youtube
Diretor: Justin Chon
Roteiro: Justin Chon
Elenco: Justin Chon, Alicia Vikander, Sydney Kowalske, Mark O’Brien, Emory Cohen

Crítica | A Lenda do Cavaleiro Verde

Jornada de desonra

A Távola Redonda é cercada de lendas gloriosas, entre elas a de Rei Arthur, símbolo da cultura celta e que enfrentou males em prol da honra e bondade. Neste mesmo universo arturiano se encontra Gawain, seu sobrinho. É sobre sua jornada que conhecemos aqui em “A Lenda do Cavaleiro Verde”, lançado no Brasil pelo Prime Video e que, por sua vez, foi baseado em um poema escrito no século XIV.

Dirigido por David Lowery, dos excelentes “Pete’s Dragon” e “A Ghost Story”, o longa se afasta por completo deste cinema de fantasia e ação do qual estamos acostumados, revelando este cenário medieval de forma mais sombria e, até mesmo, mais humana. Nosso protagonista, Gawain, interpretado pelo ótimo Dev Patel, é irresponsável e vive uma vida sem grandes esforços, mesmo que queira ser reconhecido como herói, assim como todos aqueles que o cercam. Sua imprudência, porém, define sua inevitável jornada, quando aceita o desafio do Cavaleiro Verde – uma criatura metade humana, metade árvore – que oferece um poderoso machado e uma vida digna para aquele que o golpear. O preço, porém, é que um ano depois, terá de receber o mesmo golpe de volta. Gawain, em um ato impensável, corta a cabeça do Cavaleiro.

É assim que “A Lenda do Cavaleiro Verde” se transforma em uma espécie, curiosa e intrigante, de coming of age medieval. O jovem protagonista parte em uma longa caminhada pelo interior da Inglaterra para encontrar a criatura e ter sua cabeça cortada. É ele indo atrás da própria morte. Saindo de sua vida cômoda, descobrindo o mundo e sentindo, finalmente, o peso de suas escolhas. O amadurecimento forçado de alguém que não está preparado para ser uma lenda. Há, também, muito de um thriller psicológico aqui, quando o personagem se lança nessa tortura de buscar por seu destino mortal, quando escolher pela vida será sinal de seu fracasso e de sua desonra. É assim que o filme subverte essa saga do herói de forma brilhante e audaciosa.

Existe uma grandeza intimidadora na obra, onde as cenas causam bastante impacto. Visualmente é um dos filmes mais belos que vi nesse ano e teria sido lindo tê-lo visto em uma tela de cinema. É rico todo o trabalho da equipe e o que conseguiram fazer com o orçamento. Sequências como as do encontro com os gigantes ou do mergulho no mar vermelho me deixaram estagnado.

Cheio de simbolismos, “A Lenda do Cavaleiro Verde” termina de forma ambígua e isso o engrandece. As possibilidades que vão se abrindo em nossa mente o tornam ainda mais intrigante. Me senti completamente imerso nesse universo e seduzido pelo poder de suas imagens. Fantástico!

NOTA: 9,0

País de origem: EUA, Canadá, Reino Unido, Irlanda do Norte
Ano: 2021

Título original: The Green Knight
Duração: 130 minutos
Disponível: Prime Video
Diretor: David Lowery
Roteiro: David Lowery
Elenco: Dev Patel, Alicia Vikander, Barry Keoghan, Joel Edgerton, Sean Harris