dois filmes que não se encontram
Depois de tantos acertos na carreira, é inevitável não ficar empolgado com os retornos de Pedro Almodóvar. No auge de seus 70 anos, é lindo poder acompanhar esse seu cinema sempre aberto a tratar do universo feminino com tanta sensibilidade. Acontece que, apesar das cores fortes e estampas marcantes que ilustram seus cenários, poucas vezes sua arte foi tão pálida como aqui. “Mães Paralelas” tem boas intenções, mas falta um bom roteiro para unir todas elas.
O roteirista deixa registrado aqui seu manifesto político. Ao falar de herança, Almodóvar diz sobre a importância do resgate histórico na construção de nossa identidade. Ele revela a dívida que a Espanha tem com as mulheres que nunca puderam enterrar dignamente seus entes desaparecidos em tempos de guerra e os reflexos dessa ausência na vida de todas elas. Para desenhar isso, ele coloca em cena Janis, personagem brilhantemente defendida por Penélope Cruz, que decide buscar o corpo do bisavô. A história dessa mulher é uma repetição da de seus ancestrais. Ela carrega a herança de sua casa, mas também a tradição feminina de criar uma filha sem a presença do homem. Entender o passado é ter consciência sobre o presente e instrumento para poder mudar o futuro.

Em “Mães Paralelas”, o diretor constrói dois filmes que até se conectam diante de uma reflexão, mas que não fluem de forma harmônica. Um deles sempre precisa pausar para que o outro prossiga. Duas tramas não paralelas, que jamais caminham juntas. Almodóvar pincela o plot dos corpos enterrados ali no começo e volta ao final de maneira abrupta e sem muito cuidado. Já a história das mães, que se unem depois de realizarem o parto no mesmo dia, preenche grande parte da produção. Infelizmente, porém, o roteirista nunca revela ter muito apreço a ela, a construindo apenas para ilustrar um pensamento, sem jamais dar a alma que merecia. Existe um suspense fascinante ali entre as duas personagens centrais que nunca ganha vida, encerrando-se ainda de forma preguiçosa e sem emoção. Ele cria uma ideia novelesca que intriga, mas a finaliza de qualquer jeito, como se nada, além da escavação, tivesse realmente importância.
É assim que “Mães Paralelas” nunca empolga e nunca demonstra ter um propósito específico. É frustrante demais a maneira como finaliza a história das mães, sem ser justo com as personagens e nem com a belíssima entrega das duas atrizes. O fim até se esforça para ser poético, mas foi tudo guiado de forma tão morna até ali, que foi difícil comprar suas intenções. Tem muitos acertos sim, mas facilmente esquecemos.
NOTA: 6,5

País de origem: Espanha
Ano: 2022
Título original: Madres Paralelas
Duração: 120 minutos
Disponível: Netflix
Diretor: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Elenco: Penélope Cruz, Milena Smit, Israel Elejalde, Rossy de Palma