Pássaro que voa

São raras as produções sul-africanas que chegam por aqui e “Canário” vem com uma proposta bem interessante que merece ser descoberta. A trama acontece em 1985, em um país dividido pelo Apartheid, quando Johan (Schalk Bezuidenhout) é convocado a se alistar no exército. Ele é um jovem que vive o conflito sobre sua homossexualidade e precisa encarar não só essa separação do mundo diante de uma guerra, como a rejeição que tem sobre si diante do ódio que recebeu dos outros.

O protagonista, então, é colocado em um cenário onde a masculinidade é exacerbada e onde o bullying contra aqueles que são diferentes é posto em prática, intensificando esse sentimento de ser um outsider. O longa nos mostra, aliás, uma parte do exército nada comum: o grupo de coral chamado “Canários”. Aqui, Johan entra para o seleto time de cantores que tem como missão trazer um momento de paz e descontração aos soldados em período de guerra. O reverendo aqui usa farda e as ações dos combates são descritas com discursos religiosos. Ainda que todos tenham a música como paixão, eles são obrigados a usá-la em uma luta da qual não acreditam, com propósitos que não se identificam.

É assim que “Canário” desenha uma narrativa bastante conflituosa entre guerra e religião e entre ser o que deseja ser em um ambiente que claramente não te aceita. A música vem, então, para preencher todas essas batalhas que vão sendo desenvolvidas. Johan sempre viveu da culpa e sempre teve em seu fone de ouvido a proteção que precisava do mundo. Ele é como esse Canário enjaulado, que não consegue ser livre, que sente medo do lado de fora. Se sente mal pelo o que é e pelo o que sente. Nesse lugar amedrontador ele tem a música como salvação e no amor, que encontra em outro homem, enfrenta sua jornada de auto aceitação, de que pode existir vida além das suas grades. De que ele pode ser um canário que também voa.

É brilhante quando a obra abraça o musical, entrando em cena quase como esse mundo paralelo e utópico no qual o protagonista deseja viver. O filme tem um ritmo ótimo e algumas sequências belíssimas de se ver, como quando o coral canta para os combatentes. Apesar dos temas pesados, tudo é guiado com humor e sensibilidade, nos fazendo apaixonar pelos personagens e pela adorável sintonia que um tem com o outro. “Canário” é um filme especial, que encanta, emociona e que, com certeza, dialoga com muita ternura com os jovens que ainda, assim como o protagonista, buscam por inspiração e coragem para serem livres.

NOTA: 9,0

País de origem: África do Sul, Canadá
Ano: 2018

Título original: Kanarie
Disponível: Prime Video
Duração: 124 minutos
Diretor: Christiaan Olwagen
Roteiro: Charl-Johan Lingenfelder, Christiaan Olwagen
Elenco: Schalk Bezuidenhout, Hannes Otto

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