O tempo cura
Mesmo com uma carreira de altos e baixos, M.Night Shyamalan é um dos poucos cineastas que causam essa comoção. Essa curiosidade sobre suas criações, sobre o que sua mente ainda é capaz de produzir. Em um momento em que o cinema quase que depende de sequências de grandes franquias, ele consegue criar um alvoroço sobre uma ideia nova. E o cinema carece desse tipo de ideia. Aquela trama mirabolante que mantém a audiência atenta e sedenta por falar sobre.
Apesar de se inspirar na HQ “Castelo de Areia”, Shyamalan a traduz com sua própria linguagem, em um filme que muito bem se encaixa em sua filmografia, principalmente nesse body horror ao ar livre de “Fim dos Tempos”. Aqui, um casal em crise decide passar as férias em um local paradisíaco ao lado dos dois filhos pequenos. Como todo bom material de suspense, cada detalhe de seu início já nos indica que algo de estranho está acontecendo ali. E de fato está. Eles aceitam a sugestão do gerente do hotel em conhecer uma praia isolada onde viverão uma experiência inigualável. Lá, eles se deparam com outros turistas que também aceitaram o estranho convite e logo percebem que jamais conseguirão sair de lá.

O tempo neste local fechado corre de outra forma, acelerado, fazendo com que seus habitantes envelheçam em questão de minutos. O terror de “Old” vem justamente dessa ausência de controle do tempo, de possíveis perdas. De assistir a vida de quem se ama chegar mais rápido ao fim. A trama é extremamente instigante e não nos permite escapar dela nem por um segundo. Shyamalan desenha um mundo inteiro na beira de uma praia. É brilhante o que ele faz naquele pequeno espaço, sempre em movimento, sempre entregando imagens de grande impacto visual. Ousa em seus enquadramentos não convencionais, estando sempre posicionado a favor de sua narrativa e de seus bons mistérios.
A ideia é realmente incrível, mas o roteiro nem sempre a explora da melhor forma. Tudo acontece muito rápido e não dá tempo de desfrutarmos de suas boas soluções, de vivenciar esse pavor dos personagens, que pouco se aprofundam, mesmo com um campo incrível a ser trabalhado. No entanto, perde ainda mais pontos com seu final explicativo. Existe um filme incrível ali na praia deserta, mas quando a obra se expande, rapidamente empobrece. Confesso que gosto das respostas que ele cria, mas a forma mastigada que entrega é brochante. Quando Shyamalan decide deixar extremamente claro o que estava acontecendo, perde o brilho e perde a chance de se manter remoendo na mente do público. É um filme de mistério que tudo se resolve ali na tela e não sobra muito em nós.
Em “Old”, o diretor acerta na escalação do elenco diverso e extrai boas atuações ali, se destacando Vicky Krieps que desde “Trama Fantasma” merecia um outro papel de destaque e a jovem talentosíssima Thomasin McKenzie. Fiquei sem entender a escalação da ótima Eliza Scanlan, completamente descartada em cena. Apesar de não conseguir se aprofundar muito, a grande força da obra está na humanidade desses personagens e nas metáforas e reflexões que é possível tirar dali. Todos eles se concentram na praia com histórias não resolvidas, conflitos a serem acertados. O tempo, ao fim, com todos os tropeços, lágrimas e perdas, resolve tudo. “Porque precisávamos sair dessa praia mesmo?”. Lá na frente o que era grande se torna pequeno. Insignificante, às vezes. Só queremos que fique tudo bem. E, no tempo certo, tudo fica.
NOTA: 7,0

País de origem: EUA
Ano: 2021
Título original: Old
Disponível: cinemas
Duração: 121 minutos
Diretor: M.Night Shyamalan
Roteiro: M.Night Shyamalan
Elenco: Gael García Bernal, Vicky Krieps, Thomasin McKenzie, Rufus Sewell, Alex Wolff, Ken Leung, Eliza Scanlen, Abbey Lee