Tempo de transições

A vida pacata de um grupo de adolescentes vivendo em uma base militar norte-americana na Itália. A premissa é simples, mas na mão do cineasta Luca Guadagnino, a minissérie da HBO chega a um resultado grandioso.

Adentramos a este lugar tão incomum pelos olhos de Fraser (Jack Dylan Grazer), jovem que precisa se adaptar à nova realidade, pois sua mãe será a nova comandante na base. Durante os belíssimos 8 episódios, acampamos esse processo dele tentando se encaixar e sua relação com Caitlin (Jordan Kristine Seamon), sua vizinha. Os dois enfrentam um momento de grande transição e se unem nesta imediata identificação.

A trama faz um paralelo dessa adolescência em mutação com os Estados Unidos em período eleitoral e nessas incertezas assustadoras que nasceram na sociedade pós-Trump. Mas eles estão distantes do país, vivendo em um lugar quase inexistente e que possui sua própria lógica. É justamente essa ambientação que torna a série tão fascinante. Há um trabalho muito rico de detalhes que nos faz adentrar a esse universo tão único. A rotina incomum, as paisagens, cenários e locações. O show nos permite passear e contemplar cada pedaço, apreciando sua fluída passagem de tempo. Luca Guadagnino é um grande diretor e torna o ato de assisti-la em uma gloriosa experiência.

Somos acostumados, enquanto público, a definir os personagens, a colocá-los em certas caixas. “We Are Who We Are” é um convite a não decifrar esses personagens que, em uma época de transição e amadurecimento, tão pouco conhecem a si mesmos. É um convite a abraçamos a pluralidade de cada um deles e aceitar que eles podem ser qualquer coisa. A série é, também, uma história de amizade. De dois jovens que se encontram neste pedaço de mundo que parece ter uma rotação diferente do resto do universo. É sobre essa conexão entre os dois, tão diferentes, mas tão solitários em suas realidades. Essa troca entre eles é bela de se acompanhar. Apesar do protagonista ser um tanto quanto irritante, consigo ver nele muito dos adolescentes por aí. Caitlin, por sua vez, tem uma trajetória incrível e me encanta sua presença.

“We Are Who We Are” perde, porém, com alguns de seus coadjuvantes que, ao não ter suas tramas aprofundadas em nenhum momento, se tornam meros adereços de cena, como o plot das mães lésbicas, das traições e do irmão muçulmano. Soa como se eles estivessem ali para tapar um buraco, apenas.

Termino de ver a série com um sorriso largo no rosto e um sentimento forte dentro de mim. Sinto que presenciei algo. “We Are Who We Are” pode não entrar para a história da televisão, mas com certeza estará ali, em um algum canto especial na memória.

Melhores episódios: “Right Here Right Now IV” e a hipnotizante despedida de um soldado dentro de uma casa invadida. E o último, “Right Here Right Now VIII and Last”, a belíssima despedida dos protagonistas.

NOTA: 9

País de origem: EUA, Itália
Ano: 2020
Disponível: HBO GO, Net Now
Duração: 8 episódios
Diretor: Luca Guadagnino
Roteiro: Luca Guadagnino, Francesca Manieri, Paolo Giordano
Elenco: Jack Dylan Glazer, Jordan Kristine, Chloe Sevigny, Tom Mercier, Alice Braga

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