Em um piscar de olhos
Dirigido por Richard Linklater, “Boyhood” pode ser citado como uma das obras mais ambiciosas dos últimos tempos. Filmado durante 12 anos, a sensação que temos ao assisti-lo e ver seu elenco envelhecendo, ali na tela, é uma experiência única, de uma coragem e genialidade ímpar.
Ao longo de 12 anos, o diretor Richard Linklater reuniu sua equipe para rodar seu filme, uma vez a cada ano, para mostrar a jornada e o crescimento de seus personagens. Ellar Coltrane, que interpreta o protagonista Mason, inicia as filmagens aos 6 anos e termina aos 18. Não haveria forma melhor para Linklater, que também assina o roteiro, relatar sobre o que pretendia, o tempo. É muito curioso pensar como tudo isso foi feito. Parece aquelas ideias malucas que alguém para e pensa: “e se gravarmos um filme durante vários anos? Como seria o resultado?”. Penso que foi preciso muita coragem, disposição em fazer o melhor, dedicação em se doar a um único projeto, não só do diretor, mas de todos os envolvidos. O resultado é mágico. Muito mais do que ver os atores envelhecendo no mesmo filme, é presenciar este milagre em nos transportar ao passado, reviver uma vida que não foi a nossa, mas que poderia muito bem ter sido.

“Boyhood” é sobre a vida, sobre a rotina, sobre momentos. Por isso, não encontramos reviravoltas, surpresas, lições de moral, muito menos um clímax ao seu final. Acompanhamos de perto a jornada de Mason e todas as fases que enfrenta, da infância à juventude. Vemos na tela partes da nossa própria vida. As brincadeiras, os vícios, os gostos musicais e principalmente os questionamentos do protagonista. Pelo menos algum instante ou algum diálogo é sobre nós, sobre o que vimos e presenciamos. Cada sequência é como voltar no tempo, é sentir aquele sorriso bobo saltando em nosso rosto ao relembrar detalhes tão banais da nossa antiga rotina, como aquela satisfação imensa em irritar o irmão ou a concentração máxima diante de um video-game. Muito mais do que nos dar essa chance de reviver, Richard Linklater consegue, com toda sua maestria, fazer o mais honesto e mais brilhante relato de uma geração, mais precisamente, a geração dos anos 2000, mostrando seus gostos e suas excentricidades, apostando na memória e no repertório cultural daqueles que viveram aqueles anos. Como foi bom começar o filme ouvindo “Yellow” do Coldplay e terminando ao som de Arcade Fire. A trilha musical, assim como tudo no longa, parece respeitar todos as preferências, sem julgamentos e sem níveis de importância, tudo é apontado como partes de uma história, de Britney Spears à Foo Fighters, de Lady Gaga à The Black Keys. Além das tantas citações da cultura pop, situando sempre a trama à época em que acontecia, como Dragon Ball, Harry Potter, Star Wars e Cavaleiro das Trevas, entre tantas outros.
É muito curioso essa experiência de ver como os personagens estão em cada ano e isso é mostrado no longa de forma muito natural. Às vezes, mal percebemos o quanto Mason ou Samantha haviam crescido. Não há choque, o tempo apenas flui diante de nossos olhos e mal nos damos conta do quanto todos estão envelhecendo. Tudo é tão rápido, quase que imperceptível. Acredito que seja por isso que o filme consiga emocionar tão fácil, por vezes, sem a intenção. É doloroso sentir e ver a vida passando, ver o quanto não temos controle sobre o tempo. É cruel ver tudo o que deixamos para trás. Como num piscar de olhos, tudo é passado, tudo é lembrança. Se na trilogia do “Amanhecer”, Linklater havia inovado ao falar sobre o tempo, em “Boyhood” ele leva essa máxima a outro nível. É mágico ver Ellar Coltrane em cena. Vê-lo criança e depois de duas horas vê-lo se tornando um adulto, sem maquiagem ou qualquer efeito. É ele, apenas ele, suas próprias mudanças, sua própria evolução.

Em certo momento, o protagonista discute sobre sua ida a faculdade e sobre não achar que este seja o grande passo da sua vida. Dentre tantas coisas que “Boyhood” diz, a mais marcante acredito que seja exatamente esta. Esta visão de que tudo o que nós vivenciamos é apenas um passo. A vida não é como um filme repleta de reviravoltas e provações, é apenas um passo de um caminho que seguimos às cegas, sem jamais saber para onde vamos ou que iremos fazer. E não importa o que façamos, estaremos sempre perdidos. O filme ainda debate sobre esta “padronização” da vida. O fato de nos identificarmos com a vida de Mason é porque todos nós somos levados a realizar as mesmas coisas. O colégio, a faculdade, o trabalho, é tudo como o personagem diz, é apenas um “espaço pré-determinado” reservados para nós, e nada disso definirá o que somos ou nos libertará da confusão que é a nossa mente. E que talvez passado e futuro não importam, nada adianta refletir sobre o que aproveitamos ou que aproveitaremos, os momentos são o agora, as chances estão no presente. É válido dizer, porém, “Boyhood” pode representar algo diferente para cada pessoa, cada um mergulhará nas histórias a sua maneira e retirará o melhor para si. Uma experiência única, dolorosa, mas ao mesmo tempo, tão doce, tão delicada, tão honesta.
NOTA: 9,5

- País de origem: EUA
Ano: 2014
Duração: 165 minutos
Título original: Boyhood
Distribuidor: Universal Pictures
Diretor: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater
Elenco: Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Ethan Hawke, Lorelei Linklater