Crítica | Gato de Botas 2: O Último Pedido

O desejo de uma vida que já temos

A DreamWorks Animation teve seu auge lá no começo dos anos 2000 com o lançamento de Shrek e suas sequências. De lá para cá teve alguns casos de sucesso como “Madagascar” e “Como Treinar o Seu Dragão”, mas algo aconteceu no caminho que eles perderam o prestígio. Sem ninguém esperar absolutamente nada de “Gato de Botas 2” – visto que o primeiro não é lá grande coisa – o longa recupera com êxito o que fez desse estúdio, um dia, referência de qualidade. É mágico, divertido e visualmente impressionante. Uma animação rara e boa demais de se ver em uma tela grande.

Na sequência, o personagem se dá conta de que ser um gato aventureiro tem seu preço e já perdeu oito de suas nove vidas. Com sua última chance cada vez mais próxima de acabar, ele parte em uma jornada pela Floresta Negra para encontrar a mítica Estrela dos Desejos, que lhe dará o poder de fazer um último pedido: driblar a morte e viver sem o medo do fim. É bem interessante como o roteiro faz bom uso dessa “lenda” sobre os gatos e como cada um dos indivíduos que o acompanham nesse caminho também possuem suas motivações para estarem ali. Fazia tempo que não via uma animação com coadjuvantes tão carismáticos e tão bem escritos. O texto é ótimo e consegue amarrar todas as tramas sem nada parecer excesso, divertindo e encantando na medida certa.

Absolutamente tudo o que entregam aqui é superior ao original, inclusive funciona muito bem isoladamente. O filme traz de volta aquela aventura mágica que os grandes estúdios perderam a mão em fazer. Não só pelo humor – que é engraçadíssimo – e nem pela habilidade de ser imensamente fofo, mas porque respeita seus personagens e a evolução de cada um. Sabe quando a jornada precisa de respiro, assim como entende o que faz de uma cena de ação algo envolvente para aquele que assiste. Nesse sentido, a direção de Joel Crawford é um grande acerto. Com nítidas inspirações ao clássico Akira, a produção navega por diferentes técnicas e traços de animação, revelando instantes surpreendentemente belos e inventivos.

“Gato de Botas 2” registra um dos pontos mais altos da DreamWorks Animation e como o estúdio ainda respira originalidade e inteligência. Saí do cinema apaixonado por esse filme e com aquela sensação rara de que eu poderia voltar e assistir mais uma sessão daquilo tranquilamente. Apesar de toda a graça e encanto gerado pela obra, é fascinante como ela dialoga tão bem com os nossos medos atuais. Fiquei tocado quando crise de ansiedade entra em pauta aqui, de forma tão madura e necessária. Me fez refletir, ainda, em como todos aqueles personagens, mesmo com a possibilidade de pedirem algo impossível, todos eles desejam algo que já possuem. E isso diz muito sobre nós.

NOTA: 9,0

País de origem: Estados Unidos
Ano: 2022
Titulo original: Puss in Boots: The Last Wish
Duração: 101 minutos
Disponível: Cinemas
Diretor: Joel Crawford
Roteiro: Paul Fisher, Tommy Swerdlow
Elenco: Antonio Banderas, Salma Hayek, Florence Pugh, Harvey Guillén

Crítica | Casa Gucci

Preciso começar dizendo que “Casa Gucci” é uma pataquada divertida. Peca pelos excessos, mas não é aquele entretenimento que nos faz ter a sensação de tempo perdido. Achei tudo muito curioso, bizarro e me vi querendo saber até onde tudo aquilo poderia chegar. Claro, é um produto muito aquém de todos os envolvidos e a sensação de frustração vem justamente por nunca alcançar o grande potencial que tinha. O filme investiga, de forma pobre, a ascensão do império da família Gucci e como ele foi interrompido de forma trágica.

Gucci é uma grife italiana e uma das mais importantes do mundo da moda. Sua história, por trás dos holofotes, é recheada de ganância, intrigas familiares e um assassinato. Temos um material riquíssimo aqui, mas que nunca resulta em um grande filme. A trama nos apresenta esse universo com a entrada da socialite Patrizia Reggiani (Lady Gaga), ao se casar com o herdeiro Maurizio Gucci (Adam Driver). As interferências dela na condução da marca, acabam por abalar os negócios e as relações desse clã.

Apesar da belíssima produção, que choca pelo incrível trabalho de maquiagem e figurinos, “Casa Gucci” falha em seu roteiro. Tudo muito picotado e atropelado mesmo com uma longa duração. Até conseguimos ver uma evolução sendo contada ali, mas nunca deixa claro seus desenvolvimentos. Em uma cena, por exemplo, Patrizia é só uma mulher apaixonada, na outra ela é a gananciosa. O texto nunca se aprofunda, de fato, nos acontecimentos, deixando uma sensação de ter exibido apenas a superfície do iceberg, existindo uma história inteira não contada dentro do filme. É um roteiro que parece não ter passado por uma revisão, que tinha tudo ali nas mãos, mas não soube explorar nada com muito cuidado.

O elenco grandioso é apagado por esse texto atrapalhado, sobrando apenas os sotaques italianos exagerados e a caricatura. Lady Gaga, por sua vez, acaba sendo o grande destaque. Quando sai de cena, o filme rapidamente enfraquece (ainda mais). É ela quem mais acerta o tom e mais tem consciência sobre o que faz ali. Em contrapartida, Jared Leto entrega um dos papéis mais esquisitos que vi em um longa neste ano. É tanto equívoco que não sei bem por onde começar. Mas não é só culpa de sua atuação, é de direção também, por nunca entender a função daquele personagem na trama. Ele é distante de todo o resto, cômico no nível paródia. Tão bizarro de assistir que eu me contorcia quando ele aparecia.

Talvez nunca tenhamos acesso a versão completa de Ridley Scott. Mas essa que vemos aqui é uma bagunça. Ao menos, entrega um entretenimento divertido, onde seu exagero e cafonice desperta atenção. E claro, uma Lady Gaga inspirada e é ela quem faz a sessão valer a pena.

NOTA: 6,5

País de origem: EUA, Canadá
Ano: 2021
Título original: House of Gucci
Duração: 157 minutos
Disponível: Prime Video
Diretor: Ridley Scott
Roteiro: Becky Johnston, Roberto Bentivegna
Elenco: Lady Gaga, Adam Driver, Al Pacino, Jared Leto, Salma Hayek, Camille Cottin, Jeremy Irons, Jack Huston