o ego do criador

Alejandro González Iñárritu conquistou o que pouquíssimos cineastas conquistaram: venceu o Oscar por dois anos consecutivos, por Birdman e O Regresso. Ele, que veio do México, alcançou prestígio e admiração nos Estados Unidos, mas nada disso apagou o fato dele nunca se sentir bom o suficiente ou de pertencer a algum lugar. Essas incertezas o trouxeram até aqui, em “Bardo”, seu novo trabalho e também seu filme mais pessoal. É o primeiro, desde “Amores Brutos” (2000), inteiramente filmado em sua terra natal. Apesar deste ser o confessionário de sua crise de meia idade, ele nos oferece um relato longo, entediante e que dificilmente alguém gostaria de ter acesso.

A escolha do título “Bardo” é bastante poética, logo que significa, na cultura budista, a existência entre a morte e o renascimento. Iñarritu se coloca navegando, em tom onírico, sobre este campo intermediário entre o fim e o recomeço. Seu alter ego é Silverio (Daniel Giménez Cacho), um jornalista e documentarista mexicano, considerado um “imigrante de primeira classe” por abordar os temas difíceis de seu país enquanto busca por uma vida de luxo nos Estados Unidos. Tudo isso gera muitos conflitos existenciais, o fazendo refletir sobre as próprias memórias, enquanto caminha pela história do México, analisando de perto a imensa desigualdade social e os tantos massacres que seu país enfrentou.

“Bardo” é uma experiência única e não necessariamente uma experiência boa. Nos desafia o tempo todo quando não oferece um plot que nos faça querer ir até o fim, apostando na excentricidade visual. É difícil encontrar forças para seguir adiante porque a obra nunca avança, se reiniciando a cada sequência. E a cada instante, é um novo convite se queremos ou não embarcar nessa jornada. A notícia ruim é que a trama nunca se torna interessante (nunca mesmo!). A notícia boa é que todas as cenas são de uma beleza indescritível e, sim, isso nos mantém, pela curiosidade do que vem a seguir. As cores, montagem, enquadramentos, é visualmente lindo tudo o que nos oferece. Ver na tela grande foi bom pela imersão que propõe e também porque ver em casa teria sido um sacrifício.

Infelizmente, apesar do deslumbre causado por sua estética, Iñárritu se mostra tão egocêntrico que se torna impossível criar algum apego aqui, justamente porque é tudo – absolutamente tudo – sobre ele. Mesmo quando fala sobre o México, é sobre ele. É narcisista ao ponto de fazer sua família suplicar seu nome em seu imaginário leito de morte. É como uma masturbação longa que o diretor bate para si mesmo enquanto olha no espelho. Existe até poesia quando fala sobre convicções falsas e como nossas memórias nos enganam, mas é uma pena como ele usa isso para justificar seu conceito, que teria funcionado melhor se ele não sentisse essa estranha necessidade de explicar a lógica por trás de sua aleatoriedade.

Ainda mais bizarro é quando o filme se acha esperto o bastante para se autocriticar, quando na verdade isso só o limita, o torna menos vivo em nós assim que termina. Provável que Iñárritu tenha se sentido muito genial ao “prever” o olhar do crítico sobre sua criação – e o quão vaga ela é – mas isso só revela o quão inseguro ele está e o quanto nem ele mesmo acredita no que propõe aqui. “Bardo” deve ter sido incrível nos sonhos do diretor, mas esse diário que ele tenta compartilhar com o público tem pouco coração, intimidade e quase nada de interessante a dizer. Resta apenas a soberba, o conhecimento pedante que ele tem sobre o mundo e o ego ferido de um homem privilegiado.

NOTA: 6

País de origem: México
Ano: 2022
Titulo original: Bardo, falsa crónica de unas cuantas verdades
Duração: 159 minutos
Disponível: Netflix
Diretor: Alejandro G. Iñárritu
Roteiro: Alejandro G. Iñárritu, Nicolás Giacobone
Elenco: Daniel Giménez Cacho, GriseldaSiciliani, Ximena Lamadrid

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