M. Night Shyamalan: do pior ao melhor

Um gênio subestimado? Um diretor de apenas um acerto? Por muitos anos e até hoje as pessoas e a crítica tentam definir M.Night Shyamalan. Parece existir um peso em suas costas a cada novo lançamento. Algumas manchetes parecem já vir prontas: “O pior filme da carreira”, “O melhor desde O Sexto Sentido”, “O retorno às origens”. Seu primeiro grande sucesso foi lançado há mais de vinte anos e ainda assim existe muita expectativa sobre suas criações.

Confesso que sempre fui um defensor de Shyamalan. Ele acerta sempre? Claro que não. Já fez bombas? Sim, mais de uma vez. Mas também não entendo essa cobrança que nasceu desde quando queriam que ele fosse o novo Spielberg. Ele nunca foi o novo Spielberg e ele nunca tentou ser.

Admiro as escolhas do cineasta porque elas são corajosas, mesmo quando dão muito errado. Porque mesmo diante de tanta cobrança, ele nunca cedeu. Nunca tentou ser aquilo que todos esperam dele. Seguiu seu rumo próprio, sua linha de raciocínio e até hoje se manteve relevante. Isso é para poucos. Nem todo criador sobrevive.

Aproveitando que recentemente foi aniversário do diretor (dia 6 de agosto) e o lançamento do filme “Tempo”, venho aqui para fazer aquele famigerado ranking, listando todos os seus títulos, do pior ao melhor (que bem, este vocês já conhecem).

E para você? Qual o melhor filme do Shyamalan?

14. Praying with Anger (1992)

O filme de estreia de M.Night Shyamalan, que escreve, dirige, produz e atua como protagonista. Tem tons autobiográficos ao narrar a jornada de um jovem indiano naturalizado nos Estados Unidos. É caseirão, feito com baixíssimo orçamento. Mais difícil de assistir e mais difícil compará-lo com suas outras produções porque funciona quase como um experimento inicial do diretor.

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13. O Último Mestre do Ar (2010)

Adaptação da aclamada série animada “Avatar”. O resultado final é bem fraco e me surpreende M.Night ter se envolvido nisso. A começar pela péssima escalação do elenco, que em nenhum momento respeita as origens de seus personagens. Uma aventura que não empolga, com roteiro apressado e sem jamais se aprofundar na riqueza da obra original.

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12. Vidro (2019)

Também não sei como essa ideia saiu do papel. Shyamalan parecia super empolgado em unir as tramas de “Fragmentado” com “Corpo Fechado”, mas infelizmente seguiu os piores caminhos possíveis. É ambicioso, mas tolo demais para ser levado a sério. Para piorar, um Bruce Willis no piloto automático que claramente não queria estar ali. James McAvoy se entrega e prova que merecia um filme melhor para seu bom personagem. Um universo curioso, mas infelizmente não soube como conduzir.

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11. Olhos Abertos (1998)

Com um olhar mais leve, temos uma obra bem sessão da tarde, que fala muito sobre crença e religião, temas que ele costuma abordar em sua filmografia. No entanto, é tudo tão ingênuo que fica difícil criar alguma conexão. Simpático, mas esquecível.

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10. Depois da Terra (2013)

Confesso que não acho de todo ruim essa ficção científica sentimental. Foca na relação entre pai e filho e consegue extrair algumas boas ideias dali, não muito óbvias. Infelizmente, a fraca presença de Jaden Smith diminui seu potencial como um todo. É difícil encontrar a emoção que o roteiro exige em sua performance, enfraquecendo seus discursos.

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9. Fim dos Tempos (2008)

Penso que se tivesse sido lançado hoje, talvez tenha sido melhor aceito. É um filme de terror que não se leva a sério, mas acabou não conquistando o público na época. Tem brilho e boa dose de ousadia nesse thriller apocalíptico. Infelizmente, as soluções que encontra ao fim são tolas, não causando o impacto que prometia. A fraca atuação de Mark Wahlberg também não ajuda.

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8. Tempo (2021)

O mais recente trabalho do diretor tem muito do que vimos em “Fim dos Tempos” e nesse body horror ao ar livre. Um espetáculo visual intrigante, colocando alguns personagens presos em uma praia onde o tempo corre acelerado. Suas ideias são boas e nos mantém atentos aos seus mistérios do começo ao fim. No entanto, peca quando decide deixar tudo extremamente explicado ao fim. Tudo se resolve na tela, não sobrando quase nada na mente do público assim que termina.

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7. A Visita (2015)

O filme mais cômico do diretor e o mais aterrorizante também. A visita de dois jovens para a casa de campo dos avós resulta em uma história tensa e de sequências de tirar o fôlego. A técnica do found footage é muito bem empregada aqui e nos faz mergulhar dentro da trama. A comicidade extrema, porém, às vezes atrapalha a experiência.

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6. Fragmentado (2016)

A produção que levou Hollywood a apostar novamente em Shyamalan, que havia se afundado nos anos anteriores. É um produto que revitaliza essa sua força como criador de histórias intensas e explora todo o potencial deste grande personagem que possui 23 personalidades. James McAvoy está soberbo e faz a brincadeira dar ainda mais certo.

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5. A Dama na Água (2006)

Curioso como em sua trama, um escritor revela uma obra incompreendida ao seu tempo, mas que faria mais sentido no futuro. Penso que “A Dama na Água” ainda possa encontrar seu público. Ainda possa ser reconhecido como um dos grandes filmes que ele já realizou. É o projeto mais íntimo de sua carreira, que fala sobre sua paixão por cinema e sua relação com seu filho, para quem contava contos de dormir. É sensível, belo e tem, nitidamente, muito coração.

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4. Corpo Fechado (2000)

Um dos precursores dos filmes de super-heróis. Ainda assim, veio com uma abordagem completamente nova e jamais vista até hoje. Ele humaniza essa figura do homem comum que, de repente, descobre ter super poderes. É bastante delicado a forma como narra essa jornada, impressionando pela excelente construção de sua trama e seus bons personagens.

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3. Sinais (2002)

Confesso que gosto bastante de filmes sobre alienígenas e “Sinais” foi, definitivamente, um dos melhores já realizados sobre a temática. É incrível como Shyamalan vai construindo a tensão, cena após cena, e ao mesmo tempo consegue dar vida a seus personagens e neste belíssimo conto sobre luto e traumas familiares. Tudo se encaixa ao fim e é lindo de ver como tudo funciona.

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2. A Vila (2004)

Uma obra-prima do terror contemporâneo. Subestimado por muitos, “A Vila” reúne o que há de melhor em Shyamalan. Boas ideias, a atmosfera tensa, o final brilhante e a comovente condução dos personagens. É fantástica toda a ambientação do filme, suas boas metáforas e as tantas reflexões que conseguimos tirar dali. Emociona pela belíssima trajetória da protagonista, que cega, precisa atravessar uma floresta habitada por monstros para salvar aquele que ama. Bryce Dallas Howard está impecável.

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1. O Sexto Sentido (1999)

Dizer que este é o melhor momento de M.Night Shyamalan é chover no molhado, eu sei. Foi um dos primeiros filmes que assisti e tive aquele real impacto. Quando senti o poder do cinema, finalmente. Vi e revi inúmeras vezes e ainda assim O Sexto Sentido trouxe algo novo e sempre vai trazer. Vai sobreviver ao tempo como os grandes clássicos sobrevivem. Temos aqui umas das reviravoltas mais sensacionais de toda a história. Não apenas porque surpreende, mas principalmente porque emociona, porque nos toca.

Crítica: Vidro

Tão frágil quanto

M.Night Shyamalan é, sem dúvidas, um cineasta imprevisível e foi desta forma que ele criou uma trilogia nada convencional. Durante anos houve boatos sobre uma possível sequência de um de seus mais elogiados trabalhos, “Corpo Fechado”, lançado em 2000. “Fragmentado”, seu último filme, foi um grande sucesso e não só fez os estúdios voltarem a ter confiança no trabalho dele como o permitiu, enfim, fazer a continuação que ele sempre sonhou. “Vidro” vem para fechar essa saga não anunciada, no entanto, o que poderia ser um evento épico acaba sendo um verdadeiro desastre.

Como sequência de dois filmes bem distintos, Shyamalan tinha grandes dificuldades à sua frente. Em alguns aspectos, ele consegue fundir muito bem esses dois universos, respeitando, curiosamente, a fotografia e atmosfera de cada um. A maneira, também, como se utiliza das cores para distinguir cada personagem é um jogo que funciona. Desta forma, é no visual que “Vidro” tem um de seus maiores acertos. A boa direção de Shyamalan também ajuda, entregando sequências nada óbvias e fugindo do que o cinema costuma entregar quando o assunto é herói. É uma roupagem nova e o diretor acerta ao comandar tudo isso. O grande problema está em seu roteiro, que não só prova o pouco preparo dele para esse evento como não justifica a criação dessa terceira parte.

Ao início, a trama revela como andam as vidas de David Dunn (Bruce Willis) e Kevin Crumb (James McAvoy) depois dos acontecimentos já mostrados nos outros filmes. Há um rápido confronto entre os dois personagens, os unindo e os colocando para dentro de um hospital psiquiátrico, onde entra em ação a doutora Ellie (Sarah Paulson), uma profissional que trata desses casos específicos em que indivíduos acreditam ser heróis. Naquele lugar também se encontra outro paciente, Elijah Price (Samuel L.Jackson), também conhecido como Mr.Glass, que tem um antigo plano ainda em ação e onde Kevin e David são as peças principais para que dê certo.

“Vidro” até tem um propósito, mas seu roteiro nunca sabe como chegar lá. É tudo estranhamente mal elaborado e que só prova a irresponsabilidade de Shyamalan como autor, descaracterizando sua própria criação em prol de um fan service barato. Seu confuso texto força demais para tentar juntar seus três personagens e em nenhum momento ele prova que isso era uma boa ideia. Simplesmente não há desenvolvimento em sua obra, girando em torno de situações repetidas e quando finalmente parece sair do lugar, o resultado é frustrante. Durante todo o filme, a trama nos prepara para um grande evento que, infelizmente, nunca se alcança. Seu ápice é vergonhoso, pequeno e simplista demais para o que prometia. Existe, ainda, aquela velha necessidade do cineasta em se provar o rei das reviravoltas, encontrando saídas pouco criativas e que não causam surpresa alguma, apenas mais descontentamento. Shyamalan subestima seu público com soluções pouco críveis e difíceis de serem engolidas.

Diante de tantos erros, James McAvoy surge como um grande alívio. Sua performance ainda causa impacto e continua prazeroso vê-lo interpretar tantas personalidades. Bruce Willis completamente apagado e apático, enquanto que Samuel L.Jackson e Sarah Paulon apertam o piloto automático pra conseguir dar alguma vida aos sofríveis diálogos que precisam pronunciar. M.Night Shyamalan tem uma carreira oscilante e acho que ele estava tão certo de si quando resolveu levar essa ideia para frente que optou por nem revisar seu pobre material. O resultado é um filme vazio, que tem a pretensão de ser épico – a fantástica trilha sonora ajuda bastante inclusive – mas não passa de um estrondoso fracasso.

NOTA: 5

  • País de origem: EUA
    Ano: 2018
    Duração: 129 minutos
    Título original: Glass
    Distribuidor: Disney / Buena Vista
    Diretor: M.Night Shyamalan
    Roteiro: M.Night Shyamalan
    Elenco: James McAvoy, Bruce Willis, Sarah Paulson, Anya Taylor-Joy, Samuel L.Jackson, Luke Kirby, Spencer Treat Clark