Sem consequência
Harmony Korine foi visto como uma das vozes mais originais do cinema independente norte-americano quando, aos 19 anos, escreveu “Kids”, o polêmico filme de Larry Clarke, em 1995. Sua carreira sempre esteve distante dos holofotes, andando sempre à margem de Hollywood, onde alguns títulos de sua filmografia acabaram ganhando status cult como “Vida Sem Rumo” e um dos mais recentes, “Spring Breakers”. Mesmo que hoje sua voz não tenha o alcance e efeito de anos atrás, há sempre uma certa expectativa quanto a seus retornos. É assim que “The Beach Bum”, seu mais novo trabalho, vem como uma água fria. Não há razões para ele ter achado, em algum momento, essa ideia digna de ter saído do papel.
Matthew McConaughey é Moondog. Poeta, escritor, uma alma livre. Rebelde, ele cria suas próprias regras e foge de qualquer obrigação. Sua rotina envolve drogas, cervejas, festas e horas tentando terminar seu diário ficcional. No cenário paradisíaco da Flórida, ocasionalmente esbarra com sua filha e esposa. Para muitos, Moondog é um gênio, mas ele só está preocupado em curtir, se permitindo viver uma série de eventos inesperados. Poderia até ser um estudo de personagem, mas Harmony Korine não está interessado nisso. Aliás, é difícil decifrar o que, de fato, o cineasta está interessado com esta história. Seu produto é desconfortavelmente linear e jamais ousa sair do lugar. É uma repetição de fatos e situações, que não tornam possível qualquer envolvimento do público com seu irresponsável protagonista.
O que mais incomoda em “The Beach Bum” é a ausência de ação e reação. Ausência de consequências. Quando no primeiro ato Moondog é chamado para o casamento da filha, naturalmente esperamos que aquele contato com sua vida mais “pé no chão” moveria à obra para outra direção. Nada acontece. Quando um evento trágico que poderia redefinir a jornada dos personagens surge. Mais uma vez, nada acontece. É incômodo esse freio da narrativa que impede qualquer crescimento, dilema ou conflito. Chega ainda ser estranho o fato dos outros personagens olharem para as irresponsabilidades daquele homem com tamanha naturalidade, principalmente a filha, que parece a única mente sã neste universo comandado por ácido.

A grande surpresa é perceber que tudo se trata de uma comédia (ou uma tentativa de se fazer uma). As piadas envolvem drogas, nudez, tamanho do pênis ou partes do corpo decapitado. Não sei se em algum momento da história esse humor um dia já deu certo, mas definitivamente não é nesta década que isso vai acontecer. O último take do filme nos revela um Moondog em êxtase tamanha a diversão que viveu ali. Eu sinceramente acredito que McConaughey se divertiu também, assim como toda a produção que ainda reuniu os buddies Jonah Hill, Zac Efron, Snoop Dogg e Isla Fisher. A graça toda deve ter se limitado aos bastidores, porque em nenhum momento o público é convidado a desfrutar disso. É tudo muito sem sal, tolo, tornando os poucos 95 minutos de filme em uma desagradável e longa jornada.
Ao menos, Harmony Korine ainda se mostra um diretor atento, criando sequências de grande beleza estética. Seus enquadramentos descentralizados, fora do eixo e sua fotografia embaçada, nos faz entrar na obra sob os olhos de seu protagonista constantemente embriagado. Com cores fortes e belíssimas locações, ele entrega sequências visualmente poderosas. Mas nem tudo funciona como um todo. A montagem acelerada, ainda que bem realizada, cansa porque não permite que as cenas se finalizem. Soa mais como um clipe musical picotado do que um filme propriamente. E a trilha sonora faz um grande desserviço ao indicar, de forma forçada, os momentos cômicos. Não orna com o que vemos. Parece que foi feita separadamente e uniram tudo na finalização.
Matthew McConaughey, que é um grande ator e poderia ser a melhor coisa aqui, não tem muito o que fazer com um personagem tão limitado. Ele aprende seus trejeitos e os repete até o fim. É um ser desprezível, chato e que jamais torcemos ou tentamos entendê-lo. Não sei exatamente para qual caminho Harmony Korine pretende seguir. Se houve alguma intenção, nada foi dito aqui. Espero que tenha sido um intervalo em sua carreira e não apenas uma obra bizarra que nos faz questionar seu talento.
NOTA: 6

- País de origem: EUA
Ano: 2019
Duração: 95 minutos
Título original: The Beach Bum
Distribuidor: –
Diretor: Harmony Korine
Roteiro: Harmony Korine
Elenco: Matthew McConaughey, Snoop Dogg, Isla Fisher, Zac Efron, Jonah Hill, Martin Lawrence