Crítica: Malcolm & Marie

O lugar errado da fala

Em algum momento alguém afirmou que Sam Levinson era visionário e isso claramente afetou o ego do homem. Sim, “Euphoria” e “Assassination Nation” tem muitas qualidades, mas chega a ser cômico como ele decidiu, posteriormente, fazer um filme porque recebeu uma crítica ruim e precisava desabafar. Mais do que imaturo é um passo perigoso.

Filmado durante a pandemia em um período de duas semanas, é interessante assistir o resultado alcançado pelo cineasta. É um exercício ousado, que acontece todo dentro de uma casa e apenas dois atores em cena. A forma como ele explora os espaços e sua câmera caminha pelos ambientes, dão um tom ágil à produção. O texto é feroz e revela uma eterna DR entre um casal composto por um diretor de cinema e uma jovem atriz com passado turbulento. Uma lavação de roupa suja que até tem seus momentos de brilho ao questionar esse relacionamento tóxico vivido pelos protagonistas, que se machucam a todo instante, no entanto, o roteiro peca na repetição. O casal abre feridas, as fecham para logo em seguida abrir novas, construindo uma narrativa cíclica enfadonha, verborrágica e infértil.

Há, em cena, ótimos diálogos e dois atores se doando, mas nada passa verdade. Zendaya e John David Washington se esforçam, mas o sentimento dito morre no texto e nunca alcança a interpretação dos dois. É tanta encenação que não há espaço para construir uma química entre os atores, que clamam por atenção, gritam para serem ouvidos, mas que só funcionam isoladamente. Culpa do roteiro que precisa dar um monólogo incrível de cinco em cinco minutos para cada um ter o seu Oscar tape.

“Malcolm e Marie” me faz pensar, ainda que um termo banalizado recentemente, em lugares de fala. Sam Levinson tenta limpar sua barra através de sua prepotência em se mostrar conhecedor da arte do cinema e expor suas frustrações enquanto criador através de um interlocutor preto. É perigoso e covarde quando ele verbaliza na tela tudo aquilo que não poderia enquanto homem branco. O mesmo acontece quando a personagem de Zendaya questiona a sexualização feminina em filmes dirigidos por homens, enquanto ela é sexualizada durante todo o filme. Levinson tenta abraçar essas causas sociais quando, na sua pele, nada afeta. São discursos vazios de um homem que realiza um produto egocêntrico, vomitando suas verdades, sem parecer que é tudo sobre ele mesmo.

NOTA: 6,0

  • País de origem: EUA
    Ano: 2021
    Disponível: Netflix
    Duração: 106 minutos
    Diretor: Sam Levinson
    Roteiro: Sam Levinson
    Elenco: Zendaya, John David Washington

Crítica: As Ondas

Águas violentas destruindo castelos de areia

Segundo longa-metragem de Trey Edward Shults, “Waves” vai completamente na contramão de seu trabalho anterior. Enquanto que “Ao Cair da Noite” prezava pela sutileza, aqui ele cria algo muito maior e com mais pirotecnia. Ao narrar a dolorosa jornada de uma família norte americana, corrompida por eventos trágicos, o diretor constrói uma obra imersiva, intensa e cheia de excessos. A produção nos lança na velocidade de uma onde, turbulenta e cruel ao início até que se encontra a estabilidade. É desta forma que somos apresentados basicamente a dois filmes dentro de um. Uma história contínua mas que divide seu protagonismo. Quase como o lado A e lado B de um disco de vinil.

Já nos primeiros minutos de “Waves” compreendemos que não estamos diante de algo ordinário. Na batida das músicas e na velocidade de uma câmera inquietante, mergulhamos na rotina agitada de jovens que cuidam de seus corpos, se entregam às festas e em relacionamentos para serem expostos em uma rede social. Uma vida de liberdade e belas oportunidades, ainda mais para um jovem como Tyler (Kelvin Harrison Jr,), que é o grande orgulho de sua família. Este castelo se desmorona quando ele perde completamente o controle e acaba cometendo uma atrocidade que, por fim, reflete no rumo de todos aqueles que o amavam. É então que conhecemos a sobrevivência de sua irmã mais nova (Taylor Russell), que luta por seguir em frente ao mesmo tempo em que descobre um grande amor.

Apesar da longa duração, “Waves” tem um ritmo alucinante, o que torna seu minutos em uma experiência sem igual e prazerosa. Com uma potente trilha sonora de Atticus Ross e Trent Reznor, cores marcantes e inúmeros planos-sequência, a obra cria um universo imersivo e que nos faz sentir diversas sensações. Trey Edward Shults entrega um produto megalomaníaco e com algumas semelhanças aos recentes trabalhos de Sam Levinson (de “Assassination Nation” e “Euphoria”). Apesar dos belos discursos que traz como família, redenção e perdão, o diretor peca pelo excesso, soando forçado em algumas saídas para causar um fácil impacto e, pior, piegas quando tenta ser emotivo. Ele excede o tom necessário.

“Não nos permitem ser medianos”. Ainda que o diretor leva essa máxima a um nível elevado, ao menos ele consegue trazer um poderoso discurso a partir disso. Ao colocar o protagonismo da história à uma família preta, é interessante este debate sobre a pressão social existente entre todos eles, onde precisam batalhar dobrado para estar no lugar e na altura que todos os outros estão. É uma luta diária ser preto e ter que se provar digno das oportunidades que para o resto vem tão fácil. A obra ainda encontra espaço para falar sobre masculinidade tóxica e o quanto isso corrompe as relações. O elenco é poderoso e dá voz a todas essas boas ideias. Destaque para os jovens Kelvin Harrison Jr que domina o primeiro ato e a revelação Taylor Russell, que nasce na tela quase como uma figurante e ganha vida ao decorrer da trama, entregando uma surpreendente atuação ao fim.

“Waves” vem como uma onda em nosso peito. Chega duro como um soco e depois, quando se desfaz, nos acalenta. Um produto grande, intenso, que se nega à todo instante ser mediano. Emociona e nos faz imaginar como seria viver tudo aquilo, todo aquele turbilhão, sentir na pele aquela dor. Peca pelo excesso sim mas ao menos deixa um grande impacto em nós assim que termina e uma sensação prazerosa de poder ver algo extremamente revigorante, cheio de cor e alma.

NOTA: 8

  • País de origem: EUA
    Ano: 2019
    Título original: Waves
    Duração: 135 minutos
    Distribuidor: –
    Diretor: Trey Edward Shults
    Roteiro: Trey Edward Shults
    Elenco: Kelvin Harrison Jr., Taylor Russell, Sterling K.Brown, Lucas Hedges, Alexa Demie