Crítica: Verão de 85

Morte e Vida

Romance com tons de mistérios, “Verão de 85” é uma viagem deliciosa de François Ozon aos anos oitenta. Já em sua apresentação, ele nos lança à batida de “In Between Day” do The Cure e nossa relação com o tempo que ilustra está rapidamente estabelecida. O diretor consegue trazer em cada imagem uma sensação nostálgica, jamais caricata. Seja nos cenários, na trilha, nos cuidadosos figurinos. Cada elemento nos transporta para a época e vivenciamos essas experiências juvenis do qual narra com muito carinho.

Para entendermos quem nós somos é preciso investigar as dores que os nossos antigos relacionamentos já nos deixaram. É assim que nos apresenta o jovem Alexis (Félix Lefebvre), que decide nos contar sobre como viu o amor de sua vida virar um cadáver. Como todo filme de mistério do qual já sabemos o fim previamente, o roteiro vai, aos poucos, juntando as pontas dessa trágica jornada. Alexis, então, relata sobre seu encontro com o homem de seus sonhos, David (Benjamin Voisin), que surge ao mar para lhe salvar. Tudo nos é mostrado como um sonho, um deslumbre surreal de um rapaz apaixonado que só quer ter uma boa história para contar. Ao mesmo tempo em que existe beleza nessa intenção, François Ozon também falha ao tentar emular o próprio cinema aqui, reproduzindo narrativas como a relação aluno-professor e a metalinguagem de “Dentro de Casa”. Essas semelhanças com seus trabalhos anteriores soa mais preguiçoso do que inventivo e autoral.

Um filme que começa pelo fim. Até boa parte da projeção, essa sacada funciona, transitando entre um romance e o suspense. Quando o ato que aguardamos enfim chega, o roteiro pouco sabe trabalhar o que lhe resta. Quase como se tivesse elaborado a história só até aquele momento crucial e pouco se importou com o que faltava. O final desanda bem, perdendo aquele brilho da experiência e se tornando enfadonho.

Ainda que a obra fale justamente sobre como nossos relacionamentos são incompreensíveis aos outros, enquanto público, é desanimador não fazer parte do drama dos personagens e simplesmente assistir, sem conseguir entender o que os motiva. O conflito mais importante entre o casal poderia até gerar questões interessantes sobre expectativas, mas é confuso e mal desenvolvido. Isso quebra demais com a relação que criamos com a obra, principalmente porque nos abandona justamente no clímax. Ao menos, as últimas sequências ajudam e finaliza na simplicidade e doçura do qual, infelizmente, abandonou durante o caminho. Ainda assim, é uma obra que me causou boas sensações, fala da juventude com coração e cativa.

NOTA: 7,5

País de origem: França
Ano: 2020

Título original: Eté 85
Duração: 100 minutos
Diretor: François Ozon
Roteiro: François Ozon
Elenco: Félix Lefebvre, Benjamin Voisin, Philippine Velge, Valeria Bruni Tedeschi

Crítica: Climax

O inferno de Gaspar Noé

O diretor francês Gaspar Noé (Irreversível, Love 3D) continua sendo um dos grandes provocadores do cinema. E que bom que ele existe porque não há ninguém que faça algo parecido com o que ele faz, não com a mesma coragem e ousadia. Não com a mesma intensidade. “Climax” é uma obra muito coerente com toda sua filmografia, trazendo muitos elementos que já esperamos dele como a violência, o excesso, o sexo e a psicodelia. Diante de cores fortes e movimentos expressivos de sua câmera e seu elenco, somos levados para o inferno em um filme sensorial e insanamente imersivo.

Com um roteiro de apenas cinco páginas e filmado em quinze dias, “Climax” é um espetáculo improvisado. Seu único momento coreografado é a sequência de dança inicial e se trata de um momento marcante ali. Não só nos deixa hipnotizados pela beleza do plano sequência e pela qualidade dos movimentos dos atores, como também nos convida a adentrar em seu universo único que está prestes a começar (e que até então, não fazíamos ideia para onde o diretor nos levaria). Quase como um ode a bad trip, a partir dali, Noé nos leva a uma viagem sem volta a um interminável pesadelo, perturbador, claustrofóbico e histérico. Tudo isso porque um grupo de dançarinos se reúne em um prédio aparentemente seguro, logo que o lado de fora congelado pela neve parece um lugar inabitável, e em um evento de confraternização, alguém coloca algo na sangria que bebem e todos acabam embarcando em uma grande viagem repleta de alucinação e paranoia.

É bastante incômoda essa experiência que o filme propõe. Filmado em um único espaço, é desesperador acompanhar seus personagens, que completamente entregues ao que ingeriram, perdem a noção do que é real. Aos poucos aquilo vai perdendo sua cor, os diálogos se tornam ruídos, a humanidade se desfaz e todos se tornam selvagens. Os humanos se tornam macacos no fim e esta auto destruição é aterrorizante. Segundo Noé, viver é uma impossibilidade coletiva e morrer parece a saída mais segura. É muito interessante como isso vai se desenvolvendo na trama e como o filme que começa como um musical energético se transforma em um circo pavoroso. A iluminação, os cortes e a maneira como o diretor usa de suas referências, que vai de “Suspiria” (1977) até “Possession”(1981), mostram um domínio surpreendente do diretor por trás das câmeras, que constrói aqui sua obra menos expositiva, mas ainda assim visceral e impactante.

Claro que como todo projeto experimental, “Clímax” não deixa de ter suas falhas. O despreparo dos atores por vezes enfraquecem o produto como um todo e tornam algumas situações muito difíceis de acreditar, como quando (do nada) todos decidem encontrar um culpado por tudo aquilo. Há uma solução abrupta e sem sentido algum. Todos são ótimos improvisando na dança, mas só. Como consequência disso, os melhores momentos do filme são os musicais. É nos movimentos que eles melhor se expressam. No entanto, confesso, me admira ver Sofia Boutella ali. Saída de alguns blockbusters norte-americanos, ela se entrega com força a sua personagem e domina aquele espaço. É admirável como ela se transforma de um trabalho para o outro. A trilha musical é fraca, também. Fez falta terem explorado melhor as músicas, era um cenário que permitia e pedia por isso. Em alguns instantes cruciais, era optado por um eletrônico genérico no fundo, quando uma canção melhor inserida tornaria seus eventos ainda mais interessantes.

“Climax” é agressivo. É alvoroço. É expressão. Uma experiência insana, sádica, propositalmente desagradável, de difícil digestão. Nada pode nos preparar para o que o filme nos revela. No entanto, penso que a necessidade de chocar é maior do que o preparo que Gaspar Noé teve com seu filme. Falta cuidado, falta desenvolver melhor suas ideias. É um produto original, instigante mas arriscado demais para não ser melhor elaborado.

NOTA: 7,5

  • País de origem: França
    Ano: 2018
    Duração: 95 minutos
    Título original: Climax
    Distribuidor: Imovision
    Diretor: Gaspar Noé
    Roteiro: Garspar Noé
    Elenco: Sofia Boutella