Uma conquista no cinema (não rápida o suficiente)

Aos poucos, as comédias românticas têm tentado encontrar um novo espaço. “Mais Que Amigos” é o ápice desse retorno, que sabe como usar os clichês que desgastaram ao longo dos anos a seu favor e o mais importante, vem com um texto que finalmente entende o que é se relacionar nos tempos modernos, na era complexa dos aplicativos e da frivolidade. Inteligente, madura e incrivelmente divertida, temos aqui uma obra que redefine a representação queer no cinema.

Escrita e protagonizada por Billy Eichner, esta é a primeira comédia romântica gay produzida por um grande estúdio. É um filme necessário porque tenta ir além da bolha e porque entrega tudo aquilo que até pouco tempo atrás parecia impossível. Existe aqui uma auto consciência tão absurda que alcança a metalinguagem. Billy aproveita esse espaço justamente para criticar a máquina de Hollywood e como, por todos esses anos, só era interessante falar sobre tragédias e cowboys enrustidos. Porque era assim que os outros queriam nos ver. Hoje, a indústria como um todo entende que a criação de algo para a comunidade LGBTQIAP+ gera lucro, logo, só agora um produto como esse consegue nascer. Assim como o próprio texto diz em certo momento, isso é ótimo porque criadores gays agora possuem espaço para falar sobre as próprias experiências, mas é também triste perceber que isso demorou tanto tempo. Essa vitória não foi rápida o suficiente e muita gente não chegou até aqui para ter sua existência celebrada.

Billy interpreta Bobby, diretor de um vindouro museu de história LGBTQIAP+ de Nova York, que também encontra tempo para seu podcast e encontros casuais com outros homens. Perto dos quarenta anos, ele desistiu de ter um relacionamento dentro desta comunidade tão tóxica. No entanto, quando conhece o padrãozinho Aaron, ele se lança a uma série de possibilidades. “Mais Que Amigos” brinca com sabedoria com os clichês das comédias românticas, como quando sempre tem uma música brega de fundo em alguma cena chave. Satiriza essas fórmulas antigas enquanto nos revela a nova realidade dos relacionamentos, deste tempo em que é tão difícil se mostrar vulnerável à outra pessoa ou esperar algo sério que dure mais que só 3 meses. De certa forma, apesar dos risos, o longa traz reflexões interessantes sobre essa impulsividade não saudável dos amores líquidos, onde todos mudam de desejos a cada minuto, sem se importar em como essas ações podem afetar o emocional do outro.

O texto flui na mesma velocidade que a mente caótica de Billy Eichner. Por vezes, é até difícil de acompanhar seu raciocínio. Ainda assim, é comovente como ele agarra essa oportunidade para dizer tanta coisa. “Mais Que Amigos” é seu confessionário e ele diz aqui o que nitidamente segurou por muito tempo. É um roteiro imensamente sincero, que faz rir pelos exageros mas também machuca com suas tantas verdades. Seja quando ele fala sobre a história apagada dos homossexuais, seja quando ele fala de si e, por consequência, sobre todos nós, porque é muito fácil se identificar com o que ele escreve. Sobre essa dor de ter sido diminuído a vida toda por ser quem é. Somos de uma geração que ainda vive dos resquícios de um aprisionamento, que enfrentou a montanha russa do gay trauma. Não tivemos Glee e o romantismo. E tudo isso afetou nossas relações e a forma como lidamos com nós mesmos.

Como é gostoso chegar em 2022 e encontrar com uma obra como essa. Com direção de Nicholas Stoller e produção de Judd Apatow, veteranos em boas comédias, “Mais Que Amigos” é simplesmente delicioso. Tudo está em seu lugar, onde até mesmo o elenco de apoio surge no tempo devido e acrescenta de forma positiva na trama (uma raridade no gênero). Falar sobre otimismo em uma história sobre relacionamentos homoafetivos é de extrema necessidade. Não é o primeiro a fazer isso, mas confesso que é o primeiro que, de fato, me reconforta. Porque vender essa ideia onde tudo é fofo e dá certo no final é ótimo, mas parece um descompasso com a realidade. Finalmente vejo um filme que sabe equilibrar esse romantismo e esperança com as dores e frustrações que sentimos na era dos desafetos. Porque é escrita por alguém que vive isso na pele e sabe usar suas palavras para nos atingir.

NOTA: 9,0

País de origem: EUA
Ano: 2022
Titulo original: Bros
Duração: 115 minutos
Disponível: Cinema
Diretor: Nicholas Stoller
Roteiro: Nicholas Stoller, Billy Eichner
Elenco: Billy Eichner, Luke Macfarlane, Bowen Yang, Jim Rash

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