O Show da Fé

Tá aí um filme que eu não dava nada nessa última temporada do Oscar e, pra mim, foi uma das boas surpresas. Não conhecer Tammy Faye e sua história nunca é um problema aqui. Isso porque o roteiro funciona e, mesmo seguindo algumas etapas clássicas de produções biográficas, nos envolve e nos convida a fazer parte. É estranhamente curiosa toda a jornada que nos revela, sem jamais julgar ou romantizar seus contraditórios protagonistas.

Jessica Chastain dá um show aqui. Confesso que tinha um certo receio sobre esse papel, mas queimei a língua. Ela está entregue e em estado de graça. Magnética, eu diria, porque não é possível desgrudar os olhos dela, de sua postura e dessa humanização que ela faz de uma personagem que tinha tudo para ser uma caricatura. Aqui ela interpreta Tammy Faye, cantora, escritora, empresária e que, ao lado do marido – Jim Bakker, papel do ótimo Andrew Garfield – fundou, nos anos 70, a maior rede de televisão religiosa do mundo e um parque temático. Ambos são sempre movidos por discursos de pregação e amor, enquanto se envolvem em um estilo de vida luxuoso.

Em uma rápida sequência ao início, a protagonista é confrontada por sua própria mãe na infância: “pare de representar”. Além de dar vida para os fantoches em sua mão, Tammy nunca evitou um show. A interpretação sempre lhe parece mais autêntica que a própria realidade. O filme, então, abraça esse exagero da performance, causando estranheza sim, mas ao mesmo tempo, entregando o espetáculo que seus personagens reais sempre forçaram. Existe uma certa comicidade nesse universo, mas é tudo tão bem guiado pelo diretor Michael Showalter, que sempre entendeu de comédia, que acreditamos na bizarrice e no quão real e possível são seus desdobramentos.

A obra, então, fascina por essa dualidade da protagonista e nessa narrativa espalhafatosa que constrói para si. Caminham, lado a lado, o que de fato acontece e aquilo que é preciso expor diante das câmeras. E quanto mais o tempo avança, mas essas versões que ela conta de si mesmo se tornam mais distintas. Existe medo, mas também existe ganância. Existe força, mas também fragilidade. Segura um casamento que é fonte de seu lucro, mas também pela possibilidade assustadora que é a solidão. Me vi comovido por essa personagem e por essas tantas facetas que cabem dentro dela. O roteiro acerta por nunca julgá-la e por torná-la, diante da loucura que é sua vida, tão humana. Constrói em nós uma estranha afeição por ela, confundindo nossos próprios sentimentos. Destaco, ainda, como a produção nos revela as passagens dos anos. É brilhante todo o trabalho de montagem, figurinos e, principalmente, a maquiagem.

“Os Olhos de Tammy Faye” é surpreendentemente bom. Não nega em nenhum instante essas etapas tão bem definidas de cinebiografias, indo do sucesso à decadência, com direito a manchetes de jornais voando pela tela, mas faz isso com competência e abraça o estardalhaço e kitsch tal qual sua protagonista. Ao fim, assusta porque nos faz lembrar a hipocrisia daqueles que vendem a fé, que usam da crença do outro para o lucro próprio. É chocante, envolvente e tão brega quanto deveria ser.

NOTA: 8,5

País de origem: EUA
Ano: 2021

Título original: The Eyes of Tammy Faye
Duração: 126 minutos
Disponível: Star+
Diretor:
Michael Showalter
Roteiro: Abe Sylvia
Elenco: Jessica Chastain, Andrew Garfield, Cherry Jones, Vincent D’Onofrio

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