Crítica | Crimes do Futuro

O ensaio inacabado de Cronenberg

David Cronenberg sempre foi um sujeito curioso e seus filmes sempre me despertaram a atenção. Ele retorna à ficção científica, gênero que o consagrou lá nos anos 80 com filmes como “Scanners” e “A Mosca”. Apesar de trazer em sua narrativa um viés mais minimalista, ele volta a desenhar um universo intrigante. Em “Crimes do Futuro”, a espécie humana vai além de seu estado natural e o corpo passa a abrigar novos órgãos.

É o palco perfeito para o cineasta trabalhar o horror corporal, que sempre lidou com maestria, logo que em sua trama, um artista performático, vivido por Viggo Mortensen, decide expor em seus espetáculos a retirada de seus “órgãos-extras”. Aqui, o corpo e suas mutações são a matéria prima para causar espanto. De fato, é tudo bastante grotesco e causa desconforto, não apenas por essa estranha evolução humana, mas por toda a atmosfera que ele cria aqui. O futuro é descrente, vazio e todas as ambientações parecem como um museu. Assim como em “Crash”, aqui as pessoas buscam por novos estímulos e quando o corpo evolui para uma condição que não sente mais dor, o autoflagelo se torna um fetiche e a cirurgia, o novo sexo.

Ainda que seja extremamente fascinante essas criações de Cronenberg, que teve essa ideia há mais de uma década, “Crimes do Futuro” soa como um belíssimo esboço de um filme que ainda não chegou a acontecer. Todos os personagens secundários caminham por ali perdidos, como promessas de algo que nunca se concretiza. É frustrante ver esse universo, que é tão rico, resultando em absolutamente nada. Como se ele pincelasse ali suas intenções, mas não tivesse tido tempo de finalizar nenhuma delas. Infelizmente, toda a trama é bastante tediosa e além dessas transformações do corpo, visualmente impactantes pelo belo trabalho de maquiagem e efeitos visuais, não sobra muita coisa.

Nem mesmo as atuações me parecem inspiradas. Inclusive, fiquei extremamente desconfortável com a atuação da Kristen Stewart, mesmo que a câmera focada em suas expressões tivesse a certeza de que ela estava entregando algo bom ali.

“Crimes do Futuro” não chega a causar indiferença, tem lá seus bons momentos de impacto, mas eu só consegui desejar que ele acabasse. Tem um universo fascinante e que intriga, mas suas boas ideias são desperdiçadas com uma trama extremamente desinteressante de se ver, dentro de um filme inacabado.

NOTA: 6,0

País de origem: Canadá, Grécia, Reino Unido, Irlanda do Norte
Ano: 2022
Titulo original: Crimes of the Future
Duração: 107 minutos
Disponível: Mubi
Diretor: David Cronenberg
Roteiro: David Cronenberg
Elenco: Viggo Mortensen, Léa Seydoux, Kristen Stewart, Scott Speedman, Don McKellar

Crítica | Treze Vidas: O Resgate

A visão ampla de um acontecimento

Em 2018, no norte da Tailândia, um jovem time de futebol e seu treinador ficaram presos em uma caverna depois de ser inundada pelas fortes chuvas locais. O evento chocou o mundo e pessoas de diversos países se mobilizaram para salvá-los. Ainda que muito recente, já tivemos outras versões do ocorrido como no documentário “Rescue” e no drama “Milagre na Caverna”. “Treze Vidas” é a visão de Ron Howard que, apesar de ser mestre nesse cinemão hollywoodiano, consegue fugir das armadilhas do gênero e se recusa, constantemente, a ser mais um filme sobre homens brancos salvadores.

A obra vem com tom bem realista, acertando nessa construção do tempo e nos fazendo acompanhar o passo a passo de uma calamidade como essa. Os trâmites, as burocracias e toda essa comoção que o evento acaba tendo, principalmente quando, em uma necessidade de extrema urgência, as autoridades locais passam a aceitar ajuda de mergulhadores profissionais de outros países na operação do resgate. É então que conhecemos nossos protagonistas, aqui vividos por Viggo Mortensen, Colin Firth e Joel Edgerton. Mas o filme acerta ao não colocá-los ao centro e entende que são tão importantes como qualquer outro voluntário. Ron Howard foge do sensacionalismo habitual e daquela antiga glorificação do herói. Ele amplifica o olhar e nos faz ter noção do ao redor. De todas as vidas envolvidas.

É impossível não se manter apreensivo ao assistir “Treze Vidas”. A câmera do diretor passeia pelos espaços apertados e nos traz uma sensação desesperadora de estar presente em cada instante. É claustrofóbico, imersivo e consegue, com maestria, criar essa atmosfera de urgência, de puro medo. Arriscaria dizer que é um dos melhores trabalhos de Howard dos últimos anos. Não apenas por saber construir a tensão necessária, mas também por trazer uma visão honesta sobre o ocorrido, respeitando, ainda, a etnia dos envolvidos e revelando a cultura local de forma autêntica e cuidadosa.

O que emociona nessa história e o que a torna tão forte é assistir essa mobilização das pessoas, em um ato de extrema bondade, sem exigir nada em troca. É ver essa força que nasce na humanidade diante de uma crise. Ainda assim, “Treze Vidas” narra tudo isso de maneira sutil. O filme não está interessado em criar um clímax glorioso ao final. As vitórias vão ocorrendo aos poucos, assim como os percalços que enfrentam. Tal qual como acontece na vida.

NOTA: 8,5

País de origem: EUA
Ano: 2022
Título original: Thirteen Lives
Duração: 149 minutos
Disponível: Prime Video
Diretor: Ron Howard
Roteiro: William Nicholson
Elenco: Colin Farrell, Viggo Mortensen, Joel Edgerton, Tom Bateman