Crítica: Permissão

Quando o eterno é tempo demais

Eu estou em uma fase que ando procurando filmes maduros sobre relacionamentos modernos. “Permissão” pode até não ser muito marcante, nem mesmo uma grande obra, mas, com certeza, vem para debater alguns assuntos relevantes e só por isso merece uma chance. Tem coisas interessantes a dizer e diz com sinceridade. Questiona sobre como saber se aquela pessoa com a qual nos relacionamos é “a” pessoa, aquela que deveríamos viver a eternidade ao lado. E ao duvidar disso acaba por trazer uma verdade desconfortável: a de que, talvez, a vida seja curta demais para se viver uma única história de amor.

“Permission” se inicia quando um casal de longa data está prestes a dar o próximo passo, o casamento. Anna (Rebecca Hall) nunca namorou ninguém além de Will (Dan Stevens) e isso passa a atormentá-la, pois ela nunca soube o que é a vida além deles. É então que ela surge com uma inesperada proposta: o liberta a transar com outra mulher por uma noite. O trato se expande e Anna passa a ter o passe livre também. A partir dessa traição consentida, ambos começam a questionar sobre a vida que construíram juntos e se ficar com uma única pessoa é o que realmente querem dali para frente.

A obra é, curiosamente, um projeto entre família e amigos. O diretor Brain Crano é casado com o ator David Joseph Craig, que faz o irmão de Rebecca Hall no filme, que por sua vez estudou e é grande amiga do ator Dan Stevens, além de ser casada com Morgan Spector, que também está presente no elenco. Ou seja, um grupo de pessoas que se conhecem muito bem na vida real e decidiram se juntar para fazer um longa-metragem. Essa intimidade é nítida na tela e todos se mostram muito a vontade durante as cenas. A história flui quase como uma peça de teatro com poucos personagens que precisam se enfrentar o tempo todo. E entre questionamentos, discussões e desilusões, todos parecem estar evoluindo, seguindo um novo rumo. O filme revela este instante de ruptura na vida amorosa desses amigos, que ou aceitam o destino ou se permitem arriscar outra saída.

– O que há de errado comigo?
– “Eu não sei quem eu sou sem você!”. Foi isso o que disse, certo? Você não gostaria de saber?

O cinema sempre nos ensinou sobre “o destino”. Sobre como o universo nos prepara para encontrar uma pessoa especial e quando encontramos essa pessoa é com ela que devemos ficar para sempre. Nossa cultura é assim. É o que nossos pais esperam de nós. Talvez nós esperamos isso de nós mesmos também. É bom, então, quando vem um filme para quebrar um pouco esse idealismo romântico. “Permission” não vem para falar sobre relacionamentos abertos e nem menosprezar a traição, vem para dizer que tudo bem se apaixonar outra vez. Estar com alguém a vida toda pode ser assustador. É quase como retirar a chance de nos perder nos braços de outras. É quase como não nos permitir conhecer a pessoa ideal para nós porque optamos pelo conforto de uma relação já estabelecida. E se “a” pessoa estiver lá fora? Em outro canto a nossa espera. O filme fala justamente sobre esta permissão. Sobre permitir se conhecer melhor. Porque relacionamentos camuflam indivíduos e muitas vezes eliminam desejos particulares. Como Will poderia saber o que é amor a dois se ele nunca soube o que é solidão? Como desejar um casamento se ele nunca soube o que é sua vida sem ela? Como saber que o parceiro é “a” pessoa quando ele é a única pessoa?

Rebecca Hall, como sempre, ilumina o filme. É uma atriz com boa presença, que encanta, que traz verdade. Sua parceria com Dan Stevens funciona é ótimo quando eles também funcionam com os outros personagens que surgem na trama. Nos faz desejar esse estranho experimento por eles. Me encanta toda a direção de arte do filme, também, e neste capricho do diretor em enquadrar tão bem suas sequências. Na segunda metade da obra, a história vai perdendo a força, foge um pouco do foco, tornando alguns momentos arrastados e alguns deles, dignos de serem deletados. No mais, um produto elegante, sexy, sensível e que busca se aprofundar nessa complexidade que são os relacionamentos. São respostas difíceis, o que é ótimo vindo de um gênero que sempre procurou pelas saídas mais convencionais. “Permissão” vem para dizer que é um alívio existir fins, porque eternidade é tempo demais para se viver junto. Que seja eterno enquanto dure, mas é natural que não dure para sempre.

NOTA: 8

  • País de origem: EUA
    Ano: 2017
    Duração: 96 minutos
    Título original: Permission
    Distribuidor: –
    Diretor: Brian Crano
    Roteiro: Brian Crano
    Elenco: Rebecca Hall, Dan Stevens, François Arnaud, David Joseph Craig, Morgan Spector, Gina Gershon, Jason Sudeikis

17 filmes realistas sobre relacionamentos

Confesso que sempre gostei de ver filmes de romance. Até mesmo as comédias românticas…nunca neguei. No entanto, não são todos os títulos que representam muito bem a realidade e quando isso acontece a experiência acaba sendo ainda melhor. Pensando nisso, pensei em fazer esta lista com 17 obras que me marcaram justamente por trazerem uma visão mais honesta sobre relacionamentos, por evitar firulas e um romantismo desnecessário. Filmes que falaram a verdade, por mais dolorosa que seja. Filmes que conseguimos olhar para tela e nos ver ali, representados.

17. Celeste e Jesse Para Sempre (2012)

O filme acompanha a vida de Jesse (Andy Samberg) e Celeste (Rashida Jones) que decidem, após um longo tempo juntos, se separar. No entanto, são mais do que um simples casal, eles são melhores amigos e por isso decidem fazer esta separação amigavelmente. O filme encanta pela naturalidade com que trata essa situação tão delicada e aos poucos vamos percebendo que este rompimento não está sendo fácil para nenhum dos dois. É gostoso de acompanhar essa cumplicidade entre eles, mas ao mesmo tempo é triste ver o quanto um completa o outro, mesmo que ambos nunca estejam no mesmo caminho, seguindo os mesmo passos.

16. Apenas uma Vez (2006)

Não existe aqui um romance explícito, na verdade só me dei conta do que realmente acontece na trama depois de rever a obra. E quando nos damos conta é um pouco doloroso sim. O filme pode ter outras interpretações, mas ao meu ver, “Apenas Uma Vez” diz muito sobre as chances que perdemos quando se trata de relacionamentos, sobre tudo aquilo que muitas vezes deixamos de falar. Sobre aquele momento rápido e intenso que vivemos ao lado de alguém e logo se apaga, logo se torna passado.

15. Me Chame Pelo Seu Nome (2017)

Apesar de se tratar de uma realidade muito distante da nossa, a história de Elio e Oliver representa a história de muitas pessoas. Aquele amor de verão, que é tão intenso quanto verdadeiro. Aquela paixão não correspondida da forma como queríamos e a busca por encontrar uma pessoa que se doa tanto quanto nos doamos a ela. É aquela famosa parte que falta mas que não está tão preparada para nós. O instante final do filme é um soco na alma porque nos vemos ali, naquele olhar distante e devastado de Timothée Chalamet. “Me Chame Pelo Seu Nome” também revela, de forma bastante singela, uma fase de amadurecimento e em como aquele primeiro grande envolvimento com outra pessoa nos molda para experiências futuras.

14. Eu Estava Justamente Pensando em Você (2014)

Passado, presente e futuro. Um universo paralelo ou apenas um sonho. Mesmo que nunca seja claro como a história acontece, o filme é muito honesto ao mostrar a convivência entre duas pessoas. A espontaneidade das conversas aleatórias, as discussões acaloradas sem razão alguma para acontecer. Do início aventureiro, passando pelo amor intenso do desenvolver até o caótico término. Todas as fases que o casal enfrenta é fácil se identificar porque são reais e são verdadeiras em cada sentimento.

13. Azul é a Cor Mais Quente (2013)

Baseado em uma graphic novel, acompanhamos ao longo de vários anos o relacionamento entre duas garotas extremamente apaixonadas uma pela outra, Adèle (Adèle Exarchopoulos) e Emma (Léa Seydoux). O filme alcança um nível de realismo muito grande justamente por mostrar esta evolução das duas, em como esta relação as transforma em outras pessoas, mais agressivas, mais complexas. O filme também fala desta obsessão e como a simples possibilidade de um rompimento as destroem, deste medo que ambas sentem de viver uma sem a outra.

12. Blue Jay (2016)

“Blue Jay” nos revela o reencontro de um casal que não está mais junto. Em um final de semana, entre diálogos incrivelmente espontâneos, eles relembram a vida que dividiam. É lindo porque as lembranças deles são tão naturais que poderiam ser as lembranças de qualquer outro casal. As risadas, as lágrimas e toda a triste farsa que eles inventam como se ainda vivessem juntos, tudo nos encanta porque é honesto demais.

11. Dois Lados do Amor (2013)

O mais interessante nesse filme é que ele foi dividido em duas partes, então temos a chance de ver a mesma história pelo olhar da mulher (Jessica Chastain) e do homem (James McAvoy). A obra mostra a vida de um casal que se separou após um trágico acontecimento. É emocionante e triste porque ao seu decorrer vamos tendo acesso às boas lembranças que eles tiveram e é sempre um baque ver o que eles eram e no que eles se transformaram anos depois, o que o amor fez com eles e o quanto um significa para o outro.

10. Ponte Aérea (2014)

Filme nacional com Letícia Colin e Caio Blat, vemos um casal tentando se manter juntos apesar da distância. Mais do que debater esta dificuldade, o longa acerta ao falar sobre as relações líquidas e sobre esta facilidade que temos em descartar o que há pouco tempo nos preenchia. “Ponte Aérea” também mostra como duas pessoas nem sempre caminham juntas mesmo quando estão em um relacionamento. A distância aqui acaba sendo apenas um detalhe, porque mesmo quando estão perto, os dois personagens nunca estão no mesmo passo, não possuem os mesmos anseios e planos. Se amam, mas de alguma forma natural, estão sempre distantes.

09. Weekend (2012)

Leve e descompromissado, “Weekend” é muito real em sua proposta de mostrar dois homens que se conhecem e vivem uma história de amor com prazo de validade já marcado. Entre festas, bebidas e novos amigos, os dois vão vivendo sem saber como o fim poderia os afetar. A naturalidade das cenas o faz parecer um documentário sobre as relações modernas.

08. Antes do Adeus (2014)

Dirigido pelo ator Chris Evans – que também protagoniza ao lado da bela Alice Eve – “Antes do Adeus” é um delicioso achado. O filme mostra as últimas horas que dois desconhecidos viveram em uma noite em Nova York. Entre diálogos espontâneos e discussões sobre a vida, passado, futuro e relacionamentos de cada um, nos apegamos aqueles dois indivíduos e torcemos para que algo de bom aconteça com eles. A obra, também, de certa forma é um relato intimista sobre essas pessoas que surgem, de repente, em nossas vidas e se tornam inesperadamente tão importantes.

07. Antes do Amanhecer (1995)

Toda a Trilogia do Amanhecer (1995 – 2013) merecia estar nesta lista, mas vou citar apenas o primeiro capítulo aqui. O momento em que Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) se conhecem e vivem um breve romance na Europa. O grande acerto do filme são os diálogos e como um vai conhecendo o outro e se apaixonando ao decorrer da viagem. É apaixonante este encontro e muito sincero em cada palavra pronunciada.

06. Loucamente Apaixonados (2011)

Esse é um daqueles filmes adoráveis de se ver, que mostra com muita sensibilidade o começo de um namoro. No entanto, quanto mais a obra vai se aprofundando na vida do casal, que vivem em países diferentes, mais vamos sofrendo junto com eles. A cena final é dolorosa, porque é quando nos damos conta o tudo o que os dois enfrentaram juntos e tudo o que eles perderam no fim.

05. Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004)

Mais do que ter um dos roteiros mais geniais desse século, o filme escrito por Charlie Kaufman fala tão bem sobre relacionamentos, sobre a dor de perder alguém e sobre aquele desconforto de ter que viver com as lembranças de uma época que não volta mais. A obra brinca justamente com essa ideia de como seria se pudéssemos ter a chance de apagar todos os momentos em que vivemos ao lado daquela pessoa que amávamos. O resultado de tudo isso é soberbo e apesar das “viagens” da trama, sabemos e sentimos o quanto tudo aquilo é real. A cena em que Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet) se reencontram no final e se encaram no corredor é poderosa. Quando, enfim, aceitam os defeitos um do outro e aceitam que a vida a dois pode ser uma grande e fodida desgraça e…tudo bem que seja assim.

04. Closer: Perto Demais (2004)

“Closer” é um filme de romance que apaga todo o glamour de estar com alguém. É agressivo em suas ações e palavras. Seus personagens estão sempre feridos e ferindo uns aos outros. São quatro indivíduos que se cruzam e conhecemos um período em que se envolvem emocionalmente, entre traições e inúmeras mentiras. A obra, no fim, fala muito sobre confiança, sobre amar alguém a ponto de não querer saber todas as suas verdades, porque honestidade é bom mas muitas vezes machuca.

03. Newness (2017)

É o filme mais real que vi nos últimos anos quando se trata de relacionamentos. A obra é desconfortavelmente atual e relata com muita honestidade como é dividir a vida com alguém no tempo das redes sociais e no tempo onde tudo é muito efêmero, rápido e descartável. É muito verdadeiro a história entre Gabi (Laia Costa) e Martin (Nicholas Hoult) e tudo o que eles vivem em cena. Desde o primeiro encontro até as intensas brigas e as soluções que criam para reacender a paixão que vão perdendo no meio do caminho. É muito fácil se identificar com tudo o que vemos aqui.

02. 500 Dias Com Ela (2009)

Apesar do humor e dos toques fantasiosos, poucos filmes falaram tão bem sobre o que é estar com alguém, sobre se apaixonar e principalmente, sobre romper. O filme trouxe um conceito interessante sobre expectativa e realidade e revelou, com bastante maturidade, que nem sempre a parte que encontramos é a parte que nos falta. Os protagonistas Tom (Joseph Gordon-Levitt) e Summer (Zooey Deschanel) se tornaram referência quando falamos de relação a dois justamente porque o filme é um retrato muito preciso dos tipos que existem dentro de um relacionamento. Você, com certeza, já foi ou ainda será Tom ou Summer.

01. Namorados Para Sempre (2010)

Um dos romances mais melancólicos já produzidos, o longa parece completamente descrente na vida a dois. Só há um único momento feliz na história dos personagens vividos por Michelle Williams e Ryan Gosling, o resto desta jornada é dolorosa, onde duas pessoas que tanto se amam se tornam tóxicas, cruéis e indispostas a tornarem aquela relação possível. É triste, mas infelizmente, um retrato muito real sobre relacionamentos.

Crítica: Antes do Adeus

Abraçar o inesperado

Chris Evans, mais conhecido do grande público por interpretar o herói da Marvel, Capitão América, nunca escondeu sua afeição à comédia romântica. Mocinho de algumas produções açucaradas, o ator se aventurou a dirigir um filme, surpreendendo por sua escolha em comandar um romance maduro e realista e surpreendendo por alcançar um resultado tão positivo. “Before We Go”, de certa forma, vai contra a tudo o que esperávamos dele. Rosto de um cinema mais comercial, Evans constrói um produto refinado, de bom gosto e ainda que seja completamente simples na ideia e no formato, realiza um trabalho notável, sutil, bastante delicado e romântico.

O longa acompanha algumas horas na vida de Nick (Evans) e Brooke (Alice Eve), dois estranhos que se conhecem na noite de Nova York. Em uma estação de trem, ele se encontra perdido em si mesmo, indeciso sobre o que fazer com sua vida, é então que se esbarra com Brooke, que acaba de perder o último trem e sente frustrada pelas consequências que isso trará no seu casamento. Nick decide ajudá-la, principalmente quando descobre que ela perdeu sua bolsa com todos os seus pertences. Juntos, eles caminham para encontrar soluções e no meio disso, trocam experiências de vida, contam histórias do passado e tudo o que os levaram até ali e sobre os planos futuros e o que esperam após aquela noite.

“Você irá conhecer alguém. Você saberá na hora que ela é problema. No fim da noite você vai querer falar algumas coisas, mas não diga. Não estrague tudo. Apenas beije-a. Deseje-lhe boa sorte. Agradeça-a. Por te mostrar que você pode amar mais do que uma pessoa nessa vida.”

Quase como uma versão moderna de “Antes do Amanhecer” (trazendo algumas fortes referências como as cenas do telefonema imaginário), o longa, mesmo que não alcance a genialidade da obra de Richard Linklater, tem seu valor. É delicioso de assistir, de ouvir aquelas conversas aleatórias, de dois seres que não conhecemos, mas que passamos a admirar dentro daquele pequeno universo. Ouvir suas histórias e tudo o que eles tem a dizer sobre a vida faz bem para a alma, porque começamos a perceber que em algum lugar das cidades existem seres tão frustrados quanto nós, incompletos de alguma forma, donos de um passado que não aceitam com facilidade e inseguros sobre o futuro. Esses filmes que mostram uma conversa entre dois adultos sempre refletem um pouco sobre nós e isso sempre é reconfortante, agradável de acompanhar. Através dessas conversas, “Before We Go” também acaba sendo um relato intimista sobre essas ironias do destino, sobre esses seres que esbarram em nossos caminhos e se tornam, de repente, tão importantes.

Seus minutos funcionam bem devido a ótima condução de Evans como diretor e a boa química entre os atores. Claro que algumas sequências teriam sido mais proveitosas se Alice Eve e Chris Evans fossem mais despojados e naturais, mas no fim, isso acaba não interferindo muito, já que ambos defendem bem seus personagens. A delicada trilha musical torna esta viagem ainda mais agradável, com boas canções que ilustram bem as passagens. No entanto, o que mais torna a obra este belíssimo evento é seu roteiro, que trata com naturalidade todos os acontecimentos, que encontra doçura em cada diálogo, que encanta por suas pequenas ideias e consegue ser, diferente de tantas tentativas frustrantes no cinema recente, verdadeiramente romântico. É incrivelmente apaixonante algumas sequências e algumas falas, que são ditas de coração e nos tocam. Não é sempre que temos esta relação com um casal da ficção, que ficamos olhando para tela feito tontos e não conseguindo imaginar um outro final além deles juntos. “Before We Go” tem esse mérito e quando termina nos deixa ali, com sorriso no rosto, sentindo um enorme carinho a tudo o que nos fora apresentado. Para aqueles que procuram um romance mais pé no chão, inteligente e maduro, temos aqui mais um grande exemplar.

NOTA: 8,5

  • País de origem: EUA
    Duração: 95 minutos
    Título original: Before We Go
    Distribuidor: –
    Diretor: Chris Evans
    Roteiro: Chris Shafer, Jen Smolka, Paul Vicknair, Ronald Bass
    Elenco: Chris Evans, Alice Eve

Crítica: Newness

a fome de novidade

O diretor Drake Doremus (Like Crazy, Equals) tem um olhar muito peculiar sobre relações amorosas. Além de trazer muita sensibilidade para suas histórias, há sempre um realismo extremo que tornam seus personagens e as situações em que vivem tão próximos de nós. “Newness” pode não ser uma obra-prima do cinema e presente no catálogo extenso da Netflix, pode até não alcançar tanta gente. No entanto, há algo que precisamos considerar que é um grande feito aqui, sua honestidade ao falar sobre amor. Não me lembro a última vez em que vi um filme que falou tão bem sobre isso, que expôs, com tamanha verdade, o que é dividir a vida com alguém.

Aqui os protagonistas se conhecem como itens de uma enorme vitrine. Como produtos a serem logo descartados. Quase que viciados em aplicativos de encontros, Martin (Nicholas Hoult) e Gabi (Laia Costa) buscam uma transa rápida, algo que lhes traga uma satisfação momentânea. Quando o match, enfim, acontece, a química entre os dois é nítida, o que inevitavelmente acaba fluindo para uma relação. Um tempo depois, passam a dividir o mesmo apartamento, porém, sem grandes surpresas, a vida entre eles alcança o tédio e em uma tentativa de reascender o que sentiam no começo, decidem abrir o relacionamento, lhes permitindo conhecer outras pessoas, fugindo assim, da mesmice que um casamento pode ser.

Me senti chocado e tocado por cada cena de “Newness”, justamente porque a obra é um reflexo muito exato do que somos, do que vivemos e do que acreditamos. Martin e Gabi fazem parte de uma geração que busca por novidades, que se cansa fácil do que já tem. É a sociedade do consumo, que deseja algo rápido, que usa e logo joga fora. Drake Doremus fala com precisão sobre os amores líquidos e a estranha facilidade que temos em perder tesão em algo que pouco tempo antes nos preenchia. Talvez a própria tecnologia nos transformou nisso. A novidade está constantemente ao nosso alcance. Se acostumar com algo velho ou aceitar a rotina parece um sintoma de cegueira. Vivemos em uma época em que casamento é visto como prisão, como o contrato oficial do tédio. O filme, então, parece questionar como escrever uma história de amor no tempo em que relações estão fadadas ao fracasso. No tempo em que se mostrar frio e distante é sinônimo de fortaleza, de coragem. Aquele desprezo doentio que se confunde com autossuficiência.

A história dos dois é uma história de amor possível. Eles se amam e isso deveria ser o necessário. Não é. Nunca é. Falta atenção, interesse. Falta aquela dose de esforço diário que esquecemos sempre. É doloroso acompanhar a jornada do casal, em como eles machucam, se destroem. Viver uma vida a dois requer tão mais que só amor e sofremos porque vemos ali na tela duas pessoas que querem estar uma com a outra, mas não estão dispostas a ceder. As discussões entre os dois são incrivelmente verdadeiras e alcançam um nível alto de brilhantismo. É interessante, também, o debate da obra acerca dos relacionamentos abertos e sobre a poligamia. Sobre esta ideia de que a vida é curta demais para amarmos uma única pessoa.

A química entre os dois atores é a grande arma do filme, que nos faz vibrar por cada etapa que enfrentam. Nicholas Hoult é sempre incrível, mas é Laia Costa quem brilha. A atriz é uma mistura intrigante de delicadeza e fúria. Fiquei emocionado por sua entrega e por cada momento em que está em cena. Drake Doremus continua muito sensível ao falar de amor e poucos cineastas transmitem tão bem este sentimento para a tela como ele. No final da obra senti o impacto. É intenso, honesto e profundamente humano. A fotografia e a bela trilha sonora ajudam a compor este filme que não tem a pretensão de ser memorável, mas ao menos atinge com perfeição sua proposta. Ser o retrato fiel dos relacionamentos amorosos dos tempos atuais. Será difícil achar um outro que fale tão bem quanto este. Uma preciosidade rara. Um achado.

NOTA: 9

  • País de origem: EUA
    Ano: 2017
    Duração: 117 minutos
    Distribuidor: Netflix
    Diretor: Drake Doremus
    Roteiro: Ben York Jones
    Elenco: Laia Costa, Nicholas Hoult, Matthew Gray Gubler, Danny Huston