Tudo o que Marilyn Monroe gostaria de esquecer

Até aqui, o filme mais polêmico do ano. O cinema recente, de fato, carece dessas obras provocativas, que saem do lugar comum. Infelizmente, porém, falta contexto à “Blonde”, algo que justifique seus tantos momentos de impacto e deixe de ser apenas um produto vazio e misógino.

Por muitos anos o diretor Andrew Dominik tentou levar a adaptação do livro de Joyce Carol Oates para o cinema. Uma ficção biográfica, que imagina a vida de Marilyn Monroe teria tido, inspirada em boatos que rondavam a carreira obscura da atriz. Ainda que seja interessante essa liberdade de recontar tudo o que ela poderia ter vivido – principalmente pelo fato de que até hoje ela é uma figura emblemática e que nos causa bastante fascínio – é triste pensar que, dentro de todo o campo que a imaginação poderia levá-los, eles decidiram focar em seus traumas, nunca em seu talento, inteligência e força.

É muito possível que a atriz tenha sofrido muito do que é mostrado em cena, mas é bizarro como o filme não contextualiza absolutamente nada, como se as histórias por trás de suas dores não fossem necessárias. Um roteiro que é extremamente cruel com sua protagonista, que reúne situações desconfortáveis em uma sequência confusa e nem sempre linear. É Marilyn saindo de um trauma e entrando em outro logo em seguida, sem pausas. Se não está sendo estuprada, está sendo humilhada, assediada ou agredida. É incômodo assistir uma personagem sendo tratada dessa forma. Longe de qualquer tipo de homenagem, “Blonde” entrega tudo o que a atriz gostaria de esquecer e tudo o que qualquer mulher não merecia reviver, mesmo que na pele de outra.

A direção de Andrew Dominik é um espetáculo prepotente. Dialoga muito com o cinema de Sam Levinson (Euphoria) e aquela necessidade de revolucionar em cada sequência, porque o público precisa saber que eles são muito bons. Logo, soa pedante e exaustiva. Claro, não irei negar que existem sim alguns instantes belíssimos e que provam o trabalho de toda sua talentosa equipe. Apesar da bagunça de seu roteiro, existe também dinamismo em sua narrativa.

Ainda assim, precisamos falar sobre Ana de Armas. É sim bastante desconfortável vê-la nesse papel que a obriga ficar nua quase o tempo todo e que jamais respeita a trajetória de Marilyn Monroe. No entanto, ela se entrega por completo e seria extremamente injusto não aclamar o que ela realiza aqui. Ana tem algo especial que é muito difícil de definir. Vai além do talento, do carisma, da beleza. É um brilho a mais, é aquela essência que somente as grandes estrelas do cinema possuem. E Ana de Armas é uma dessas estrelas do cinema.

Eu juro que estava aberto ao filme, até eu me ver exausto diante de tanta violência e entendendo que eles não estavam interessados em contar a vida por trás do ícone, apenas na figura fragilizada, sem alma, como uma boneca inflável. “Blonde” aponta uma crítica válida, revelando temas delicados que precisam ser debatidos e precisam causar desconforto, como esse assédio existente em Hollywood e o machismo predominante. Mas é triste quando a própria produção parece ter prazer naquilo que supostamente pretende atacar. A imagem que a obra busca reafirmar da atriz é ela nessa posição vulnerável, sempre com os seios à mostra, sempre bela enquanto é violentada mais uma vez. Andrew Dominik parece saber exatamente quem são os culpados dessa história, ao mesmo tempo em que não se incomoda em estar no mesmo lado que eles.

NOTA: 5,0/10

País de origem: EUA
Ano: 2022
Duração: 157 minutos
Disponível: Netflix
Diretor: Andrew Dominik
Roteiro: Andrew Dominik
Elenco: Ana de Armas, Adrien Brody, Bobby Cannavale, Xavier Samuel

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