Crítica: A Guerra do Amanhã

O futuro que nos espera

Às vezes, eu tenho um prazer sádico de assistir algo que tenho certeza de que será ruim. O lado bom disso é que vou com expectativas zeradas e tudo o que me apresentam pode ser uma surpresa. É assim que me deparo com “A Guerra do Amanhã”, que é sobre o ex-militar norte-americano que vai salvar a Terra. Chris Pratt é o valentão da vez e ele é convocado, assim como muitos cidadãos comuns, a lutar em uma guerra no futuro, logo que daqui há 30 anos, o planeta será dizimado por aliens famintos.

Faz sentido? Não faz. E a cada vez que o filme segue adiante mais nos deixa inconformados sobre como certas ideias foram aprovadas no roteiro final. Seja o pobre treinamento dos novos soldados, a forma como eles simplesmente retiram pessoas do presente para morrer no futuro, além dessa “viagem no tempo” que desafia qualquer lógica. No entanto, por trás dessas pataquadas, existe um produto divertidíssimo de assistir e que se você deixar se levar por essas bizarrices, pode ser uma experiência válida, empolgante em uma sessão com pipoca e cérebro desligado. Funcionou para mim que não senti suas mais de 2 horas passarem.

“A Guerra do Amanhã” peca, porém, ao se levar a sério demais. O humor existe mas é apenas um escape rápido de um filme que acredita mesmo nesse tom heróico e dramático que desenha. É assim que a presença de Chris Pratt acaba sendo um grande desperdício, justamente porque ele poderia ser a peça ideal para trilhar esse pastelão. Mas o diretor pouco explora esse talento do ator para a comédia, estando um verdadeiro canastrão em cena, pouco inspirado. Destaque para a boa presença de Yvonne Strahovski, que consegue extrair algo de bom do texto. Aliás, nota-se uma bela diversidade no elenco, sendo um passo significativo em filmes do gênero.

Quando o filme se liberta dessa seriedade e abraça o clichê sem vergonha alguma, nasce um produto empolgante e que bebe de ótimas referências dos anos 80, como a parte final no gelo. É um produto que vai se renovando a cada novo ato, se redescobrindo e jamais perdendo o fôlego. O diretor Chris McKay acerta ao nos colocar frente à ação, nos permitindo sentir, ao lado de seus personagens, essa sensação de pavor, adrenalina e urgência. E são poucos os filmes atuais com esse poder. Aliás, os aliens são incríveis aqui. Espantam não apenas pela tensão que nos causa, mas principalmente pelo belíssimo visual e efeitos especiais que lhes dão vida.

“A Guerra do Amanhã” traz questões óbvias mas um tanto quanto válidas a serem discutidas. Sabemos que nosso planeta corre riscos grandes lá na frente e somos nós, aqui no presente, responsáveis por escolher qual é esse mundo que queremos encontrar no futuro. Cabe a nós essa direção. Cabe a nós refletir se vale a pena lutar por uma guerra que ainda não vivemos, porque diferente da fantasia, não teremos uma segunda chance para reparar nossos erros.

NOTA: 7,5

País de origem: EUA
Ano: 2021
Título original: The Tomorrow War
Disponível: Prime Video
Duração: 138 minutos
Diretor: Chris McKay
Roteiro: Zach Dean
Elenco: Chris Pratt, Yvonne Strahovski, J.K.Simmons, Sam Richardson, Betty Gilpin

Crítica: A Caçada

A arena virtual ganha vida.

“O filme mais falado do ano é o filme que ninguém viu”. É assim que a divulgação de “A Caçada” nasceu, principalmente depois que o presidente Trump demonstrou estar incomodado com a obra em sua conta do twitter. Ainda que seja bem menos polêmico do que se vendeu, o longa traz uma sátira política que pode, digamos, ofender muitos lados e esta é sua grande ousadia. Ao ironizar tanto os republicanos quanto os democratas, é possível que um grande grupo saia um tanto quanto ofendido de seus discursos. Mesmo que seja uma piada, a carapuça pode servir em alguém.

Em nenhum momento a obra se leva a sério ou tenta discutir algo com profundidade. Isso não é negativo principalmente por deixar claro, desde a primeira sequência, de que estamos diante de algo forçado e com intenção de sarcasmo. Logo no começo, algumas pessoas acordam em um local desconhecido e percebem que são alvos de caça de um grupo fortemente armado. Em uma vibe bem Bacurau e sem entender bem o que está acontecendo, todos passam a lutar pela sobrevivência. Entre cabeças explodindo e uma perseguição eletrizante, é interessante como o roteiro vai destruindo – através de mortes inesperadas – vários arcos narrativos que previamente vamos construindo em nossa cabeça. Da mocinha indefesa ao iminente casal romântico. A imprevisibilidade é a grande arma e nos deixa apreensivos sobre qual será exatamente o rumo daquela jornada. É assim que o filme demora a revelar sua verdadeira protagonista, que ganha força pela expressiva Betty Gilpin.

O extermínio, logo se explica, foi organizado por um grupo da elite liberal que decide matar, de forma gratuita, uma classe rural menos favorecida, todos eles assumidamente republicanos. Assim que as peças desse tabuleiro ganham nomes e seus ideais são expostos, “A Caçada” acaba por trazer um certo desconforto, principalmente quando não é a forma como vemos a situação política atual, sendo incômodo ver os “liberais” em tal posição. É uma obra provocativa, que faz piada daquilo que evitamos ver. Que satiriza a hipocrisia que nem sempre olhamos. Os democratas revelados aqui vivem na elite, distantes das imperfeições do mundo que tanto gostam do apoiar. Praticam com voracidade aquele típico ativismo de sofá. Eles querem salvar a sociedade mas estão confortáveis demais na redoma de vidro em que vivem. Os republicanos também não surgem como vítimas e de certa forma, as ironias expostas aqui se assemelham e muito ao movimento de direita que temos no Brasil. São pessoas agressivas no mundo virtual, que criam teorias incabíveis, compartilham informações tolas e criam batalhas em um simples comentário de internet. Ainda que o roteiro se apoie em estereótipos e em versões caricatas desses dois grupos, a piada funciona e deixa um gosto amargo por suas provocações. O embate final é ridículo, no bom sentido, pois expõe com toda sua ironia como seria esse confronto real entre esses “monstros politizados” que nascem nas redes sociais.

A cabeça por trás desse audacioso projeto é Damon Lindelof, conhecido por séries como Lost, The Leftovers e Watchmen. Apesar dos ótimos discursos, “A Caçada” soa quase como um bom esboço. Nenhuma ideia cresce ou ganha a atenção devida. A protagonista nasce e termina como um grande enigma e justamente por isso é difícil criar alguma empatia por ela ou tentar desvendar esse universo ao seu lado. Apesar da boa atuação, estamos sempre distantes dela, nunca no mesmo passo. A violência e impacto de seus minutos iniciais também somem e dão lugar a uma jornada sem a mesma força que seu poderoso e imprevisível começo. A adrenalina, a aflição e tudo aquilo que poderia crescer e se tornar um grande baque na obra, segue um rumo instigante sim, mas longe do caos que anuncia lá em sua poderosa introdução.

A sequência final é divertidíssima e facilmente nos remete a um dos embates mais marcantes de Kill Bill. Tem umas reviravoltas interessantes e apesar de não ser tão potente quanto prometia, temos aqui um entretenimento que vale a pena, que consegue prender a atenção e nos manter atentos à suas ótimas sacadas. Vejo que a intenção aqui não é atacar nenhum idealismo político mas sim criar um cenário satírico onde é colocado em combate todos os valentões politizados da internet que vomitam versões de uma verdade que somente eles acreditam. Nesse universo protegido onde não possuem nome, apenas a coragem de usar caps lock sem nenhum senso de justiça.

NOTA: 7,5

  • País de origem: EUA
    Ano: 2020

    Título original: The Hunt
    Duração: 107 minutos
    Distribuidor: Universal Pictures
    Diretor: Craig Zobel
    Roteiro: Damon Lindelof, Nick Cuse
    Elenco: Betty Gilpin, Hilary Swank, Wayne Duvall, Ike Barinholtz, Emma Roberts