Crítica | Batem à Porta

Os erros típicos de Shyamalan

Isso é algo que evitei por muito tempo, mas no fundo sabia que aconteceria. O momento em que eu finalmente largaria a mão de M.Night Shyamalan, que por anos tentei defender. Não é um sentimento recente, mas enquanto assistia “Batem à Porta”, o que antes era dúvida, se torna uma dolorosa verdade. Não que eu o ache descartável – tanto que ainda assisto o que ele produz – mas vejo sem mais criar expectativas, sabendo que ele estacionou e hoje é incapaz de criar algo realmente bom. Depois de “A Vila” – seu último grande filme – teve lá seus poucos instantes de glória, em uma carreira oscilante, de criações frágeis e pouca coragem.

“Batem à Porta” é uma adaptação do livro “O Chalé no Fim do Mundo” e até tem uma ideia muito interessante, mas ironicamente, o que choca é a inabilidade de se desenvolver um bom suspense aqui. A introdução é incrível, preciso dizer, quando coloca a pequena Wen (Kristen Cui) conversando com um estranho (Dave Bautista) no meio de uma floresta. Logo somos levados para uma virada intrigante, quando ela e seus dois pais, Eric (Jonathan Groff) e Andrew (Ben Aldridge), enquanto estão curtindo as férias em uma cabana isolada no campo, são feitos de reféns por quatro desconhecidos armados que dizem ter uma visão sobre o apocalipse e somente o casal poderia salvar a humanidade.

O filme, então, nos apresenta um dilema não muito original mas ainda interessante. Eric e Andrew precisam matar alguém da própria família e enquanto a decisão sobre quem morrer não é feita, alguma praga é solta, levando o mundo ao seu iminente fim. Ali, porém, instaura uma dúvida em nós: se tudo aquilo é realmente verdade ou aqueles quatro estranhos são apenas lunáticos de alguma seita radical. Infelizmente, porém, diante dessa boa trama, a obra pouco valoriza um elemento crucial aqui: nos importar com os protagonistas. Tudo o que conhecemos deles vem de flashbacks ausentes de qualquer sentimento. Até existe uma condição curiosa que é o fato deles serem um casal homossexual precisando decidir se salva a humanidade que os renega, mas o texto não tem a coragem de explorar isso. A garota também, depois da boa introdução, torna-se apenas um detalhe sem qualquer relevância. E quando não conhecemos esses personagens a fundo, não sofremos ou vibramos por qualquer decisão feita. E quando o filme nos impede disso, seu suspense morre e seu impacto fica apenas na intenção.

“Batem à Porta” é o típico filme de Shyamalan e isso, hoje percebo, deixou de ser um elogio. Quando digo que é um cineasta que estacionou, é por perceber que suas últimas obras se contentam com o ordinário. Tem sempre um filme bom escondido em suas obras, mas eles nunca aparecem. O lado positivo é que não o vejo tendo altas pretensões, quase como se ele tivesse a consciência de que não vai mais além por pura escolha. Este seu último trabalho prova, também, mais uma vez, o quanto ele pouco aposta na inteligência do público. Shyamalan precisa deixar tudo muito bem explicado ao final, porque não somos dignos de absorver toda sua maestria. Justamente como aconteceu com “Tempo”, ao fim, vem tudo bem mastigado, perdendo o brilho de suas revelações. Quando as boas sacadas poderiam ficar na sugestão, ele precisa de um texto forçadamente didático para não deixar dúvidas em nós. Tem ótimas ideias em mãos, mas uma incrível habilidade de torná-las menores, menos impactantes e bem menos profundas do que ele acredita.

NOTA: 6,5

País de origem: Estados Unidos
Ano: 2023
Titulo original: Knock at the Cabin
Duração: 100 minutos
Disponível: Youtube (aluguel)
Diretor: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan, Steve Desmond
Elenco: Dave Bautista, Jonathan Groff, Ben Aldridge, Rupert Grint, Kristen Cui

Crítica: Matrix Resurrections

Uma aula de como não retomar uma franquia de sucesso

Passei por uma maratona de “Matrix” antes de chegar nesse quarto capítulo, reassistindo os outros três que tão pouco recordava. O primeiro continua excelente, de fato, um marco. O segundo, assim como o terceiro também, traz grandes ideias jogadas em um roteiro sem muita intenção de desenvolvê-las, revelando, infelizmente, uma filosofia que soa profunda, mas é apenas vazia e preguiçosa.

É assim que, quase vinte anos depois, a criadora Lana Wachowski, agora sem Lilly, retorna ao universo por alguma razão que em duas horas não consegue justificar. E mais uma vez, sua obra pretende ser profunda com seus diálogos extremamente expositivos, quando, na verdade, é só algo tolo e descartável. O filme inteiro é um personagem precisando descrever para outro o que está acontecendo. A aventura nunca flui, apenas é explicada. Parece ter sido escrita por um adolescente fanfiqueiro, que não sabia se faria uma homenagem, um reboot ou só uma paródia mesmo. Uma forma vergonhosa de revisitar algo que tanta gente respeita e admira.

“Pegaram a sua história, algo que significava tanto para as pessoas como eu e transformaram em algo trivial (…) Onde mais enterrar a verdade senão dentro de algo tão comum como um videogame.” A roteirista, através da metalinguagem, busca criticar os grandes estúdios do cinema e essa facilidade que eles possuem em destruir algo com significado apenas para ter uma franquia lucrativa. O discurso de Lana é ousado e afrontoso sim, mas infelizmente se torna patético quando decide ilustrá-lo com uma produção tão genérica. Bater de frente com o cinema blockbuster Hollywoodiano e sua trivialidade entregando um filme trivial me soa apenas preguiçoso. Ela consegue o feito de transformar sua bela criação em uma longa piada de mal gosto e extremamente desrespeitosa com aqueles que admiram a saga. É esperto não entregar o que os fãs querem, mas é decepcionante quando a obra se camufla dentro daquilo que pretende criticar.

Para piorar a situação, o texto aqui é fraquíssimo, deixando o elenco pouco à vontade. Entendo que Keanu Reeves é uma persona adorável, mas que brochante é assistir algo com alguém que nitidamente não tem a menor vontade de estar ali. Com soluções tolas, “Matrix Resurrections” mais parece um episódio ruim de Sense8 (ou uma desculpa para juntar o elenco de novo). O belo visual até desperta nossa atenção, mas aí perde novamente com suas sequências pouco inspiradas de ação e confronto corporal, que nada nos lembra a agilidade presente nos capítulos anteriores.

Houve, no cinema recente, uma saturada necessidade de revisitar franquias de sucesso. Poucas vezes, porém, me vi diante de um retorno tão podre como este. Lana precisava ter se esforçado um pouco mais para fazer um filme ruim. Esse está abaixo disso. Está no nível insulto mesmo.

NOTA: 4,0

País de origem: EUA
Ano: 2021
Duração: 148 minutos
Disponível: HBO Max
Diretor: Lana Wachowski
Roteiro: Lana Wachowski
Elenco: Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss, Jonathan Groff, Yahya Abdul-Mateen II, Jessica Henwick, Neil Patrick Harris, Jada Pinkett Smith, Priyanka Chopra Jonas, Lambert Wilson