Crítica | O Rio do Desejo

Paixões intensas em uma obra sensorial

Existem algumas pérolas preciosas do cinema nacional que, pela pouca divulgação e pelo pequeno circuito em que são lançadas, infelizmente, passam despercebidas pelo grande público. “O Rio do Desejo”, baseado na obra de Milton Hatoum, é uma delas. Ele, que é um dos maiores escritores ainda vivos no Brasil, também assina o roteiro. A direção fica por conta de Sérgio Machado, de Cidade Baixa (2005), que volta a entregar um filme sedutor e sensorial.

Gravado às margens do Rio Negro, na Amazônia, o longa cativa pela imersão que causa. Os sons, as cores, o calor sempre presente nas cenas. Cada pequeno detalhe ali é tão real que é quase possível sentir o cheiro. É lindo quando o cinema tem essa capacidade de nos transportar para outro lugar e nos fazer acreditar naquela realidade. Além disso, o que faz a obra funcionar tão bem é a humanidade existente em seus personagens, revelando sentimentos com os quais facilmente nos envolvemos.

Na trama, três homens se apaixonam pela mesma mulher. Tudo começa quando Dalberto (Daniel de Oliveira) se envolve com Anaíra (Sophie Charlotte), uma jovem misteriosa. Eles passam a viver na casa em que ele divide com os irmãos e, quando ele precisa se ausentar para realizar um trabalho, ela acaba tendo uma relação muito próxima com seus dois cunhados. É uma história clássica, com contornos trágicos e mistérios que Machado de Assis poderia ter escrito. Tudo pode até soar bastante familiar, mas o texto é bom e nos seduz para dentro desses dilemas e desejos proibidos, principalmente quando os atores, tão bem em seus respectivos papéis, funcionam perfeitamente bem juntos. A excelente química entre todos eles fazem deste jogo provocante e sexy um evento hipnotizante. É interessante quando esses indivíduos que apresenta, sutilmente, parecem esconder algo sombrio em suas personalidades, nos deixando apreensivos sobre suas possíveis ações.

Não há como não destacar Sophie Charlotte e Gabriel Leone. São dois grandes atores dessa nova geração que tem feito bonito no cinema e estão em uma constante (e admirável) evolução. E como é bom vê-los contracenando. Ainda que conte com excelentes atuações, o que acaba enfraquecendo o longa, infelizmente, é a resolução simplória da história. Tudo caminha para uma condução que tornaria tudo aquilo ainda mais complexo e, de alguma forma, torcemos para que a obra jogue seus bons personagens em situações mais ousadas. No entanto, acaba terminando de maneira um tanto óbvia e sem a intensidade que a trama merecia.

Ainda assim, “O Rio do Desejo” é uma obra potente de Sérgio Machado. Ele escapa de ter uma visão moralista sobre a personagem feminina e expande essa compreensão sobre o que é traição, visto que, enquanto a protagonista se entrega aos seus desejos mais puros, seu marido passa a viver uma vida escondida para ganhar dinheiro fácil. São duas pessoas que se amam e vivem histórias paralelas, histórias proibidas. E tudo isso é guiado através de um texto que traz muito afeto e nos toca ao falar de paixão com tamanha intensidade. Mais uma preciosidade do cinema nacional que merece sua atenção. Se tiver a oportunidade, assista!

NOTA: 8,5

País de origem: Brasil
Ano: 2023
Duração: 107 minutos
Disponível: Cinema
Diretor: Sérgio Machado
Roteiro: Maria Camargo, Milton Hatoum, Sergio Machado
Elenco: Sophie Charlotte, Daniel De Oliveira, Gabriel Leone, Rômulo Braga

Crítica | Eduardo e Mônica

A razão que existe no coração

Sabe aquela sensação boa de ver um filme e sair dele com o coração aquecido e uma sensação de ter vivido algo especial? Nem é a nossa história, mas ficamos apaixonados. Isso porque “Eduardo e Mônica” nos coloca ali dentro, vivendo os amores de outras pessoas, sofrendo junto, torcendo junto. A trajetória comum, de indivíduos comuns e que rapidamente nos identificamos.

Depois de “Faroeste Caboclo”, o diretor René Sampaio retorna para dar vida a outro clássico do Legião Urbana. Atemporal, a letra que contava os encontros e desencontros de Eduardo e Mônica há muito tempo merecia o cinema e finalmente isso aconteceu. Só não esperava, sinceramente, que pudesse dar tão certo. Isso porque na trama que, teoricamente, já conhecemos, não há clímax e nem um grande momento além do recorte ordinário de duas pessoas que se amam. Talvez esteja aí a beleza desse projeto. De fazer uma simples história de amor funcionar nos tempos dos desafetos. É sobre dividir a vida com alguém e abraçar e aceitar todo o caos que vem junto com essa decisão.

Alice Braga faz de Mônica uma mulher intrigante. Descolada, independente e alguém que não queremos desgrudar os olhos e conhecer mais a fundo. Gabriel Leone, bela revelação da TV, faz bonito no cinema e traz a Eduardo um charme genuíno, alguém que facilmente nos apaixonamos. Ver os dois esbanjando química em cena não é apenas muito gostoso de se ver, como também nos faz sentir uma certa dor ao decorrer do filme. São os opostos que se atraem, que estão sempre em uma direção diferente. Enquanto ela fala alemão, ele ainda está nas aulinhas de inglês. Ambos precisam ceder e achar o ponto no meio do caminho. O longa nos faz pensar justamente o quão fácil é desistir de uma relação, ressaltar o que não faz dar certo. Difícil mesmo é estar presente, entender esse desequilíbrio e persistir naquilo que, no fundo, traz um bocado de felicidade. Eles foram feitos um para o outro, mas eles mesmos não enxergam isso.

Da nostalgia dos anos 80 às referências afetivas que nos remetem à letra de Renato Russo, “Eduardo e Mônica” é uma viagem irresistível ao passado e à juventude. Tudo nele emociona porque é construído com muito sentimento e honestidade. Que delícia ver Eduardo cantando “Total Eclipse of The Heart” no karaokê ou Mônica usando de sua arte para expressar seu amor em uma exposição. São instantes delicados e ao mesmo tempo tão poderosos. A gente sai acreditando no amor e aceitando o fato de que, apesar dos percalços, existe sim razão para as coisas feitas pelo coração.

NOTA: 8,5

País de origem: Brasil
Ano: 2022
Duração: 114 minutos
Disponível: Globoplay
Diretor: René Sampaio
Roteiro: Michele Frantz, Matheus Souza, Jessica Candal, Claudia Souto
Elenco: Alice Braga, Gabriel Leone, Victor Lamoglia, Otavio Augusto