Crítica: Atypical (quarta temporada)

Do atípico ao genérico

A triste história de um programa que tinha tanto a dizer mas preferiu ser o mais genérico possível.

Se na Netflix temos os casos das séries canceladas que não possuem nem a chance de se despedir decentemente, também temos aquelas que não souberam aproveitar a oportunidade. Recentemente tivemos “Special” e agora “Atypical”. Os roteiristas, em nenhum momento, lidam com o fato de que esta é a última chance de consertar aqueles tantos erros cometidos nas temporadas passadas. Seja por esse viés machista com que passou a desenhar este drama familiar, onde a mãe está sempre nesse lugar de inferioridade, sempre precisando se redimir de algo que nem o público entende. Seja por não mais explorar o espectro que seu protagonista se encontra. A verdade é que “Atypical” está sempre na tangente, sempre evitando falar sobre temas do mundo real ou de assuntos que tirem seus personagens desses limites que foram estabelecidos. O que antes era uma série doce que tratava com humor e sensibilidade um assunto tão delicado, se prolonga aqui com tramas tolas que servem apenas para termos ainda mais raiva dos personagens e que até, especificamente, o último episódio, não os leva para canto nenhum, rodando em um ciclo tedioso, revivendo os mesmos e mesmos conflitos.

Nesta última temporada, focaram bastante na jornada de Casey e foi simplesmente insuportável ter que acompanhar seu relacionamento com Izzie. Todo episódio, algum conflito chato para dificultar a vida das duas, que estão sempre se desencontrando, se desculpando. Enquanto alguns personagens somem aqui, como Evan que fez tanta falta ou Sharice, que até pouco tempo atrás, era a melhor amiga da protagonista, outros se mantém por razões que ninguém entende como Paige e até mesmo a Izzie. Zahid, por sua vez, foi um ótimo alívio cômico aqui, revelando a carismática presença de Nik Dodani.

A quarta e última temporada de “Atypical” é uma despedida amarga por nunca valorizar seu peculiar universo e seus bons personagens, caindo no lugar comum, naquele campo genérico que engloba qualquer outra série da Netflix. Ao menos o último episódio comove, quando todos seus excêntricos indivíduos encaram aquele medo da mudança, de que é preciso evoluir, seguir uma nova direção. Foi difícil se importar com alguma coisa narrada aqui – inclusive a obsessão de Sam por pinguins e Antártica – mas pelo menos ver o fim nos bate aquela sensação boa de ciclo sendo encerrado.

NOTA: 6,0

País de origem: EUA
Ano: 2021
Disponível: Netflix
Duração: 302 minutos / 10 episódios
Criação: Robia Rashid
Roteiro: Robia Rashid, Michael Oppenhuizen
Elenco: Jennifer Jason Leigh, Keir Gilchrist, Brigette Lundy-Paine, Michael Rapaport, Nik Dodani, Jenna Boyd

Crítica: A Maldição da Mansão Bly

A segunda temporada da série antológica da Netflix vem com um grande peso nas costas: manter a qualidade oferecida na fantástica “A Maldição da Residência Hill”. É natural que essa expectativa exista e, infelizmente, “Mansão Bly” não é apenas inferior à sua antecessora. Sou mais radical nesse caso…não chega aos pés.

Inspirada levemente na obra clássica de Henry James, “A Volta do Parafuso”, que por sua vez já foi adaptada outras vezes para a tela como em “Os Inocentes” (1961), “Os Outros” (2001) e mais recentemente em “Os Órfãos” (2020). Acompanhamos a chegada de uma tutora em uma mansão vitoriana para cuidar de duas crianças órfãs. Logo percebemos que algo de assombroso ocorre dentro daquelas paredes e a série, aos poucos, se propõe a dar suas respostas, que nunca surgem de forma clara ou muito óbvia. O que é ótimo, visto que nosso olhar já vai preparado por se basear em um material tão conhecido, e o roteiro, com toda sua liberdade narrativa, se arrisca a trazer novos detalhes, quase como se expandisse esse universo criado por James. No entanto, tudo o que a trama nos oferece de “novo” é mal trabalhado e pouco causa interesse.

A série encabeçada por Mike Flanagan, erra mão ao sair do campo da sugestão, tão brilhantemente proposto na obra original. O roteiro busca saídas tolas como respostas, como dar vida a Dama do Lago ou o insuportável Peter Quint com seus planos vilanescos. Toda essa narrativa que cria para justificar seus bons mistérios ganha traços de um novelão melodramático e mal conduzido, inserindo, ainda, tramas de amor tão forçadas que são dificílimas de engolir. A ideia de construir uma narrativa através de flashbacks e fluindo entre diferentes tempos, funciona quando se tem um material rico a ser explorado, o que não é o caso. A ida e vinda de uma trama tão linear como a que oferece, só transforma o show em algo repetitivo e cansativo, revelando de forma maçante os mesmos eventos.

Falta, principalmente, carisma aos personagens que guiam tudo isso. Não há como torcer, vibrar ou sofrer por ninguém que nos apresenta, tamanha a confusão e enrolação que entrega. Me afasta, ainda, as tantas frases de efeito, que surgem como se cada situação da trama viesse pelo simples ato de deixar uma lição de moral. Os indivíduos ali tem sempre um ensinamento calculado por trás de cada ação. É chato, é pedante. Ao menos, confesso, gosto do elenco, em especial as crianças e a hipnotizante presença de T’Nia Miller como governanta. Victoria Pedretti, por sua vez, tem potencial, mas sua performance é incômoda. Seus tantos trejeitos e expressões de boa moça destoam de todo o resto.

Vale destacar a produção, que segue ainda mais cuidadosa nos detalhes. O terror é construído pela atmosfera e pelos elementos que ilustram cada momento. Das cores opacas e frias – muito presentes na filmografia de Flanagan – à iluminação que traz uma áurea fantasmagórica para suas cenas.

“Não é uma história de fantasmas, mas uma história de amor”. Enquanto que a primeira temporada conseguiu com brilhantismo trilhar entre o drama e o terror, os roteiristas aqui falham nesta missão, onde a série não funciona em nenhum dos tantos gêneros que tenta abraçar. Terror não é feito só de sustos e é fantástico quando uma obra entende isso. Mas essa saída ousada não transforma “A Maldição da Mansão Bly” em algo bom, quando o que oferece além da tensão é tão pobre. O que antes era uma produção promissora na Netflix, morre cedo.

NOTA: 6

  • País de origem: EUA
    Ano: 2020
    Título original: The Haunting of Bly Manor
    Disponível: Netflix
    Elenco: Victoria Pedretti, T’Nia Miller, Oliver Jackson-Cohen, Henry Thomas