Crítica | O Beco do Pesadelo

A ilusão que falta

O Oscar chegou ao fim, mas a maratona de assistir aos filmes ainda segue. “O Beco do Pesadelo” marca o retorno de Guillermo del Toro após vencer o prêmio de Direção e Melhor Filme em 2018. Haviam altas expectativas sobre o que ele faria com essa história, baseada no romance de 1946 e que já havia sido adaptada ao cinema em 1947. Ele, que sempre teve afeição aos contos de monstros, usa do terror para investigar a degradação (e transformação) do homem em uma época pós-guerra.

Bradley Cooper interpreta o ambicioso Stanton Carlisle e desde o início ele é uma grande incógnita. Chega, do nada, em um circo e, através de sua boa lábia e carisma, passa a aprender os truques e habilidades especiais daqueles excêntricos habitantes. Ele é uma página em branco sendo preenchida pelo talento dos outros. “O Beco do Pesadelo” nos revela a ascensão desse homem que, inebriado pelas tantas mentiras que aprendeu a contar, passa a acreditar nelas e no poder que podem lhe trazer.

Existem dois atos bem distintos aqui. O primeiro funciona melhor, quando conhecemos os bons personagens do circo. É ali que Willem Dafoe, Toni Collette e David Strathairn trazem o brilho que falta ao longa em sua outra metade. O filme, então, nos apresenta uma virada não muito bem-vinda e desinteressante. Tudo é uma escada para seu protagonista e esses degraus são extremamente frágeis. Nem mesmo a elegância de Cate Blanchett salva o caminho tedioso que passa a seguir.

Como um bom truque de mágica, Stanton ilude seu público, os faz acreditar em suas falcatruas para se dar bem. É justamente isso o que o roteiro de “O Beco do Pesadelo” não consegue. Jamais convence, jamais nos faz comprar seu universo. O texto da obra tem seu início e fim muito bem definidos, mas esqueceu de elaborar todo o resto. Essa relação cíclica, que une suas duas pontas, poderia ser seu brilhantismo, mas só o deixa previsível. É como se soubéssemos, desde o início, as consequências de tudo e as causas, infelizmente, são jogadas às pressas. Todos os seus potentes desdobramentos são lançados na tela sem muito zelo, com pouco desenvolvimento. E isso fragiliza demais a construção dos personagens e nesses laços que um tem com o outro.

“O Beco do Pesadelo” é visualmente fascinante, indicando um trabalho primoroso de direção de arte, com seus belos cenários e figurinos. Infelizmente seu encanto morre aí. A última cena até indica uma ótima sacada e uma excelente interpretação de Cooper, mas veio tarde demais. Ali, já pouco me importava como alguma coisa. O trabalho mais insosso de del Toro, cansativo e sem vida alguma.

NOTA: 6,0

País de origem: Estados Unidos, México, Canadá
Ano: 2021
Título original: Nightmare Alley
Duração: 150 minutos
Disponível: Star+
Diretor: Guillermo del Toro
Roteiro: Guillermo del Toro
Elenco: Bradley Cooper, Rooney Mara, Cate Blanchett, Toni Collette, Willem Dafoe, Richard Jenkins, Ron Perlman, David Strathairn

Crítica: Sombras da Vida

Um melancólico conto sobre a morte

“A Ghost Story” me pegou de surpresa. Não sabia o que esperar, apesar de já ter ouvido inúmeros elogios de outras pessoas. Foi um baque. Um choque lento, doloroso e que me fez ter a certeza de que estava diante de algo diferente de tudo o que já vi. Ora drama, ora um assombroso conto de terror. O diretor David Lowery (Amor Fora da Lei), que tem ainda uma carreira curta em longas-metragens, traz alguns traços curiosos que remetem a autenticidade de uma HQ e esta liberdade cartunesca. Seu protagonista é um fantasma que usa um lençol com buracos nos olhos e o filme caminha praticamente todo em silêncio. O poder da obra está em seu visual e é um jogo que funciona. Suas sequências flutuam com a mesma facilidade que nosso olhar flutua pelas páginas em quadrinhos. É um produto feito de belas imagens e que nos atinge fortemente. Que nos impacta com o vazio, nos faz refletir sobre a vida e nos faz sentir tão pequenos diante dela.

A jornada do protagonista (Casey Affleck) se inicia com sua morte. Um acidente de carro o leva para um outro plano, porém, sem conseguir se ver longe de sua esposa (interpretada por Rooney Mara), ele retorna a casa em que viveram juntos e passa a assistir sua vida sem ele. Como um fantasma sem rumo, o tempo passa diante de seus olhos a caminho de outros ciclos, outros fins. É estranho e incômodo ver o que ele vê, assistir passo a passo o vazio deixado por sua ausência. Estar perto e tão distante, inacessível a própria vida. Por isso é tão triste sua caminhada, porque nos faz sentir esse mesmo vazio. Olhar para o lado e perceber que nada é eterno. Que onde pisamos amanhã não pisaremos mais. Aonde depositamos amor, amanhã será só lembrança. Um convite para a bad, “A Ghost Story” fala um pouco sobre este legado que queremos deixar no mundo. Sobre deixar uma prova que um dia passamos por aqui.

O começo da obra é lento. Muito lento. Quase parando. Não desista. Talvez demore para embarcar, mas acredite, faz parte da proposta da obra e tudo terá um sentido para ser. Nesta ausência de diálogos e ações, percebemos o quão potente é sua trilha sonora, que é quem nos convida a entrar neste peculiar universo. Assinada por Daniel Hart, as composições que ouvimos fazem bem para alma. É lindo e a forma como elas mesclam nas sequências, muito bem filmadas, tornam “A Ghost Story” um produto sensorial, mágico, que nos transporta a um cinema nada convencional. É o trabalho mais consistente e mais marcante de David Lowery como diretor. Curioso o formato que usa, quadrado e com os cantos arredondados, remetendo a registros antigos. É uma pena que não tenha ido para os cinemas aqui no Brasil. No entanto, é um filme que tem aos poucos conquistado o público. Um dia ele será grande, tem tudo para ser.

No fim, tudo se encaixa, tudo faz sentido. E digo que é bonito demais de ver. Senti meu coração apertado com os ciclos criados aqui, como tudo se desenvolve lentamente e termina de um jeito devastador. Ainda que não seja de fácil digestão, é bom demais de assistir. É comovente, humano e extremamente sensível em cada saída que encontra. É como um sonho absurdo, fascinante, bizarro, melancólico e que ecoa em nossa mente como poesia. Parece estúpido o fantasma usar um lençol sobre o corpo. Poderia até ser difícil levar a obra a sério, mas não é. Talvez não ver o rosto do protagonista é o que a torna tão dolorosa, porque ao não vê-lo sentimos sua alma, sua dor e mais do que isso, sentimos que poderia ser qualquer um de nós. Vendo o fim de perto, desaparecendo, nos tornando memória.

NOTA: 9,5

  • País de origem: EUA
    Ano: 2017
    Título original: A Ghost Story
    Duração: 92 minutos
    Distribuidor:
    Diretor: David Lowery
    Roteiro: David Lowery
    Elenco: Rooney Mara, Casey Affleck