Crítica | Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis

A surpresa despretensiosa da Marvel

Dando a largada na fase 4 do MCU, “Shang-Chi” é uma boa surpresa e entrega tudo sem prometer. Temos aqui um filme despretensioso, mas muito bem amarrado, correto e simpático. Por muitas vezes, enquanto o assistia, me esqueci que estava vendo algo da Marvel e, sim, isso é um elogio. Foge da fórmula óbvia e mesmo que traga algumas características em comum com os filmes do estúdio, esse tem vida própria e escapa de ser “só mais um”.

Shang-Chi (Simu Liu) é filho de um líder de um exército poderoso e milenar, mas quando jovem, decidiu fugir da obrigação de ser um guerreiro e viver uma vida comum na cidade. No entanto, após um ataque, entende que é hora de voltar e enfrentar seu passado. Toda a trama é guiada com muito cuidado pelo roteiro, que sabe inserir os flashbacks nos momentos certos, além de saber dosar humor, ação e a boa construção do universo e personagens. Tudo em cena é muito equilibrado e flui de maneira prazerosa. Ganha nossa atenção no início e jamais perde a empolgação.

Os efeitos especiais também chegam na medida e entregam sequências visualmente fantásticas. Ousaria dizer que é o filme mais bonito, graficamente, do estúdio. A maneira como eles exploram esse universo fantasioso entrelaçado à cultura chinesa garante momentos de pura contemplação. Ainda que seja um filme que fuja completamente desse cinema que Destin Cretton (Temporário 12, Luta por Justiça) tenha construído, ele se mostra à vontade aqui e surpreende.

“Shang-Chi” funciona, principalmente, porque introduz muito bem seus personagens e embarcamos ao lado de todos eles. A construção do vilão – se é que podemos chamá-lo assim, tamanha camadas que revela – tem brilhantismo e nunca é guiado pelo caminho mais fácil. É ótimo, também, poder ver Tony Leung, um grande ícone do cinema chinês, em um papel como esse e livre para falar sua própria língua, algo muito raro em Hollywood. Awkwafina é daquelas atrizes que tem uma presença forte e traz naturalidade e um humor raro. São eles a grande força do filme que, por vezes, acabam ofuscando o protagonista, que nem sempre tem destaque na própria história. Mas, ainda assim, toda a jornada da família funciona, onde o texto não esquece dessa dramaticidade e, mesmo que sempre de forma muito sutil, sabe trabalhar bem esses conflitos existentes.

Ninguém estava esperando nada e por isso é tão bom poder afirmar que “Shang-Chi” é um grande acerto. É o cinema pipoca que funciona. É a Marvel no melhor estado.

NOTA: 8,5

País de origem: EUA
Ano: 2021

Título original: Shang-Chi and the Legend of the Ten Rings
Duração: 132 minutos

Disponível: Disney +
Diretor: Destin Cretton
Roteiro: David Callaham; Destin Daniel Cretton; Andrew Lanham
Elenco: Simu Liu, Awkwafina, Tony Leung, Meng’er Zhang, Michelle Yeoh, Ben Kingsley
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Crítica: Viúva Negra

Despedida amarga

Viúva Negra nunca foi um personagem bem aproveitado no MCU. Desde sua aparição em “Homem de Ferro 2”, nunca souberam como desenvolvê-la, se encerrando em um desfecho bastante questionável em “Vingadores: Ultimato”. A grande força dela se concentrava na presença carismática de Scarlett Johansson e seja pela entrega da atriz ou desse escanteio no qual foi deixada, sempre mereceu um filme solo. Veio tardiamente, mas finalmente veio. A direção é de Cate Shortland, que vem com a difícil missão de trazer um olhar novo a um universo que nunca soube dar voz às mulheres.

Neste sentido, a trama de “Viúva Negra” não poderia ser mais certeira. É Natasha, enquanto foragida após os acontecimentos de “Guerra Civil”, em uma missão de libertação de outras mulheres do programa da Sala Vermelha. Mulheres que sofreram os mesmos abusos que ela, controladas pela mente de um homem. Para isso, ela vai atrás de sua pseudo-família, dois espiões russos (Rachel Weisz e David Harbour) com quem viveu durante a infância, disfarçada de família tradicional americana ao lado da irmã, Yelena (Florence Pugh), que assim como ela, também acreditava nas encenações e mentiras que lhes contavam.

A introdução de “Viúva Negra” é brilhante. Ao revelar a infância e esse lado da história que desconhecemos da personagem, o filme consegue criar uma dramaticidade poderosa. Essa ligação de Natasha com esses desconhecidos que se tornaram sua família traz conflitos interessantes. A conexão e afeição existente entre os quatro personagens, garante bons momentos, que nem sempre sabe dosar o alívio cômico, mas no geral funciona muito bem pela ótima escalação do elenco. Aliás, Florence Pugh é, de fato, a grande força da obra. É ela quem extrai o melhor de todas as cenas e o melhor da protagonista.

Sinto, porém, que aquela narrativa de espionagem e dramas familiares que nasce ao início teria dado um baita filme, mas infelizmente, “Viúva Negra” vai lentamente sendo modificado para poder se encaixar aos moldes das produções de super heróis. O fato da personagem não ter poderes poderia resultar em uma obra mais crível, quase como um respiro necessário ao MCU. No entanto, para se ter o selo Marvel é preciso explosões colossais, com direito a luta nas alturas e sequências extremamente forçadas. Tudo ia muito bem até o último ato na Sala Vermelha, que é de um mau gosto extremo, reunindo o que há de pior em Missão Impossível com reviravoltas brochantes e um embate mequetrefe com o grande vilão. Essas decisões ao final diminuem a qualidade do filme como um todo.

Ainda assim, “Viúva Negra” tem um ritmo ótimo e a direção de Shortland entrega cenas de ação empolgantes, visualmente caprichadas. Bons efeitos especiais e personagens carismáticos o tornam uma sessão válida, como qualquer outro filme da Marvel. O que o difere é esse fator “humano” e as boas escolhas dramáticas. Infelizmente, peca demais ao fim, quando eles entregam o que acham que os fãs querem e não necessariamente o que o filme precisava. É uma despedida amarga, não por ser ruim porque está longe de ser, mas porque não consegue tirar a personagem daquele escanteio, daquela sombra misteriosa que a tornaria desvendável. Leva seu nome, mas jamais é sobre ela, sobre seu legado e sobre o impacto que ela poderia ter deixado.

NOTA: 7,0

País de origem: EUA
Ano: 2021

Título original: Black Widow
Disponível: Disney+
Duração: 133 minutos
Diretor: Cate Shortland
Roteiro: Eric Pearson
Elenco: Scarlett Johansson, Florence Pugh, David Harbour, Rachel Weisz, Ray Winstone, Olga Kurylenko

Crítica: Cherry – Inocência Perdida

Nico Walker publicou em 2018 seu romance semi-autobiográfico, revelando sua jornada no exército norte-americano e como ele teve que cumprir, anos depois, pena na prisão por assaltar bancos. Essa é a história de “Cherry”, que fez os olhos dos diretores Joe e Anthony Russo brilharem ao acharem o cenário perfeito para mostrar seus talentos fora do Universo da Marvel. É, ainda assim, um produto megalomaníaco, barulhento e bastante ambicioso.

O protagonista, vivido com intensidade por Tom Holland, tem 23 anos e pouco tem expectativas sobre seu futuro e decide se alistar ao exército. O filme, que é dividido em seis capítulos, nos revela essas tantas fases de amadurecimento que ele precisa encarar, desde seu relacionamento com a jovem Emily (Ciara Bravo) até seu difícil retorno, tendo que lidar com suas tantas crises de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão. Nesta necessidade de sobreviver mas não se encaixar, ele se torna um dependente químico.

O problema desses “capítulos” da obra é que essas histórias são pouco conectadas entre si. Há muitas rupturas e nenhum desenvolvimento plausível. Ainda que os diretores tragam agilidade e estilo às cenas, sua primeira hora soa como uma longa introdução para o que o filme realmente gostaria de dizer, tornando o caminho um tanto quanto desgastante. Na segunda metade, o longa se encontra, mas acaba, infelizmente, entrando numa espiral narrativa que pouco evolui, como as sequências de roubos e o casal viciado em drogas. Nada disso é muito verossímil e tudo se revela como uma representação de algo que ninguém ali chegou a ver de perto. É tudo muito agressivo e de pouco sentimento, pouca verdade.

A quebra da quarta parede é um mero artifício, que surge apenas como mais um desafio para o ator e a direção, mas que pouco soma na narrativa. Ainda assim, o texto é dinâmico e, ao menos, consegue nos trazer para dentro das ações. Traz um olhar bastante crítico sobre o exército e esta dificuldade de readequação desses tantos jovens. “Cherry” é, acima de qualquer coisa, um filme pretensioso, que tem como grande intenção mostrar uma nova face de Tom Holland e dos Irmãos Russo. As cenas são milimetricamente estilosas e, no fim, é só o que realmente importa para os diretores, que encerram esta insana jornada de forma desconfortavelmente moralista.

NOTA: 6,5

  • País de origem: EUA
    Ano: 2021
    Duração: 141 minutos
    Diretor: Anthony e Joe Russo
    Roteiro: Jessica Goldberg
    Elenco: Tom Holland, Ciara Bravo, Forrest Goodluck, Jack Raynor, Damon Wayans Jr.