Crítica | Treze Vidas: O Resgate

A visão ampla de um acontecimento

Em 2018, no norte da Tailândia, um jovem time de futebol e seu treinador ficaram presos em uma caverna depois de ser inundada pelas fortes chuvas locais. O evento chocou o mundo e pessoas de diversos países se mobilizaram para salvá-los. Ainda que muito recente, já tivemos outras versões do ocorrido como no documentário “Rescue” e no drama “Milagre na Caverna”. “Treze Vidas” é a visão de Ron Howard que, apesar de ser mestre nesse cinemão hollywoodiano, consegue fugir das armadilhas do gênero e se recusa, constantemente, a ser mais um filme sobre homens brancos salvadores.

A obra vem com tom bem realista, acertando nessa construção do tempo e nos fazendo acompanhar o passo a passo de uma calamidade como essa. Os trâmites, as burocracias e toda essa comoção que o evento acaba tendo, principalmente quando, em uma necessidade de extrema urgência, as autoridades locais passam a aceitar ajuda de mergulhadores profissionais de outros países na operação do resgate. É então que conhecemos nossos protagonistas, aqui vividos por Viggo Mortensen, Colin Firth e Joel Edgerton. Mas o filme acerta ao não colocá-los ao centro e entende que são tão importantes como qualquer outro voluntário. Ron Howard foge do sensacionalismo habitual e daquela antiga glorificação do herói. Ele amplifica o olhar e nos faz ter noção do ao redor. De todas as vidas envolvidas.

É impossível não se manter apreensivo ao assistir “Treze Vidas”. A câmera do diretor passeia pelos espaços apertados e nos traz uma sensação desesperadora de estar presente em cada instante. É claustrofóbico, imersivo e consegue, com maestria, criar essa atmosfera de urgência, de puro medo. Arriscaria dizer que é um dos melhores trabalhos de Howard dos últimos anos. Não apenas por saber construir a tensão necessária, mas também por trazer uma visão honesta sobre o ocorrido, respeitando, ainda, a etnia dos envolvidos e revelando a cultura local de forma autêntica e cuidadosa.

O que emociona nessa história e o que a torna tão forte é assistir essa mobilização das pessoas, em um ato de extrema bondade, sem exigir nada em troca. É ver essa força que nasce na humanidade diante de uma crise. Ainda assim, “Treze Vidas” narra tudo isso de maneira sutil. O filme não está interessado em criar um clímax glorioso ao final. As vitórias vão ocorrendo aos poucos, assim como os percalços que enfrentam. Tal qual como acontece na vida.

NOTA: 8,5

País de origem: EUA
Ano: 2022
Título original: Thirteen Lives
Duração: 149 minutos
Disponível: Prime Video
Diretor: Ron Howard
Roteiro: William Nicholson
Elenco: Colin Farrell, Viggo Mortensen, Joel Edgerton, Tom Bateman

Crítica | A Lenda do Cavaleiro Verde

Jornada de desonra

A Távola Redonda é cercada de lendas gloriosas, entre elas a de Rei Arthur, símbolo da cultura celta e que enfrentou males em prol da honra e bondade. Neste mesmo universo arturiano se encontra Gawain, seu sobrinho. É sobre sua jornada que conhecemos aqui em “A Lenda do Cavaleiro Verde”, lançado no Brasil pelo Prime Video e que, por sua vez, foi baseado em um poema escrito no século XIV.

Dirigido por David Lowery, dos excelentes “Pete’s Dragon” e “A Ghost Story”, o longa se afasta por completo deste cinema de fantasia e ação do qual estamos acostumados, revelando este cenário medieval de forma mais sombria e, até mesmo, mais humana. Nosso protagonista, Gawain, interpretado pelo ótimo Dev Patel, é irresponsável e vive uma vida sem grandes esforços, mesmo que queira ser reconhecido como herói, assim como todos aqueles que o cercam. Sua imprudência, porém, define sua inevitável jornada, quando aceita o desafio do Cavaleiro Verde – uma criatura metade humana, metade árvore – que oferece um poderoso machado e uma vida digna para aquele que o golpear. O preço, porém, é que um ano depois, terá de receber o mesmo golpe de volta. Gawain, em um ato impensável, corta a cabeça do Cavaleiro.

É assim que “A Lenda do Cavaleiro Verde” se transforma em uma espécie, curiosa e intrigante, de coming of age medieval. O jovem protagonista parte em uma longa caminhada pelo interior da Inglaterra para encontrar a criatura e ter sua cabeça cortada. É ele indo atrás da própria morte. Saindo de sua vida cômoda, descobrindo o mundo e sentindo, finalmente, o peso de suas escolhas. O amadurecimento forçado de alguém que não está preparado para ser uma lenda. Há, também, muito de um thriller psicológico aqui, quando o personagem se lança nessa tortura de buscar por seu destino mortal, quando escolher pela vida será sinal de seu fracasso e de sua desonra. É assim que o filme subverte essa saga do herói de forma brilhante e audaciosa.

Existe uma grandeza intimidadora na obra, onde as cenas causam bastante impacto. Visualmente é um dos filmes mais belos que vi nesse ano e teria sido lindo tê-lo visto em uma tela de cinema. É rico todo o trabalho da equipe e o que conseguiram fazer com o orçamento. Sequências como as do encontro com os gigantes ou do mergulho no mar vermelho me deixaram estagnado.

Cheio de simbolismos, “A Lenda do Cavaleiro Verde” termina de forma ambígua e isso o engrandece. As possibilidades que vão se abrindo em nossa mente o tornam ainda mais intrigante. Me senti completamente imerso nesse universo e seduzido pelo poder de suas imagens. Fantástico!

NOTA: 9,0

País de origem: EUA, Canadá, Reino Unido, Irlanda do Norte
Ano: 2021

Título original: The Green Knight
Duração: 130 minutos
Disponível: Prime Video
Diretor: David Lowery
Roteiro: David Lowery
Elenco: Dev Patel, Alicia Vikander, Barry Keoghan, Joel Edgerton, Sean Harris