Crítica: Dias Melhores

Como costumava ser

Representante de Hong Kong no Oscar de Melhor Filme Internacional deste ano, “Dias Melhores” é um drama impactante e traz um debate social bastante necessário sobre bullying. O diretor Derek Tsang evita qualquer sutileza ao narrar a dolorosa jornada de uma estudante, Chen Nian, que às vésperas de realizar uma tão esperada prova de vestibular, é vítima de perseguições violentas no colégio. Seu destino acaba cruzando com o de Xiao Bei, membro de uma gangue local e que tem uma vida tão solitária e hostil como a dela. Nessa rápida identificação, ela acaba encontrando no desconhecido um guardião, alguém que finalmente possa protegê-la nesse mundo desolador que tanto a rejeita.

O longa faz um registro interessante sobre esse ritual de passagem para a maturidade. São jovens que sonham em ter suas vidas transformadas por uma prova. Sonham com esses dias melhores que virão. A protagonista busca por se ver livre deste ambiente tão opressor que é a escola, pronta para atravessar essa linha em que exista empatia e esquecimento. O diretor entrega um contraste entre a beleza do crescimento, da pureza, com a solidão, com a vivência desses traumas que não se apagam. Na primeira sequência, conhecemos nossa protagonista no tempo atual lecionando uma aula de inglês, no qual ensina a sentença “Costumava ser”. Existe poesia nessa passagem, ao falar sobre como esta não é uma frase comum do passado, porque ela envolve uma perda. Algo que existiu e não existe mais. E assim mergulhamos em suas dolorosas lembranças e tudo o que ela perdeu, tudo o que não é mais.

Apesar da sensibilidade com que narra esse encontro entre os dois personagens, Derek Tsang pesa a mão nesse filme denúncia sobre bullying que tenta construir. Na necessidade de deixar excessivamente clara suas intenções, peca pelo didatismo. Isso pode até auxiliar um debate em uma sala de aula, mas perde como cinema. Como quando para enfatizar a violência sofrida pelos personagens, constrói antagonistas quase como vilões cartunescos. Ao oscilar entre instantes delicados com outros piegas e pouco inspirados, o diretor acaba entregando um produto irregular. Também por culpa da longuíssima duração, que se prolonga muito mais do que o necessário.

“Dias Melhores” traz discussões e reflexões necessárias, mas pesa demais no drama, dificultando nosso envolvimento. Acaba valendo, porém, pela potente entrega dos dois atores principais. Existe honestidade e garra em cada um, e são eles que nos trazem de volta ao filme constantemente.

NOTA: 7,5

País de origem: Hong Kong
Ano: 2020

Título original: Shao Nian de Ni / Better Days
Disponível: Telecine Play
Duração: 135 minutos
Diretor: Derek Tsang
Roteiro: Wing-Sum Lam
Elenco: Dongyu Zhou, Jackson Yee

Crítica: Nomadland

As histórias que ficam pelo caminho

Existe uma linha tênue que separa o documental e a ficção no cinema de Chloé Zhao. Eles se misturam em suas narrativas e dentro delas não é mais possível separá-los. Em “Nomadland”, ela faz um registo bastante íntimo sobre o fenômeno crescente de pessoas que, em território norte-americano, buscam por trabalhos sazonais em uma viagem sem rumo por todo o país. Somos levados a conhecer um pouco dessa vida nômade pelo singelo olhar de Fern, brilhantemente interpretada por Frances McDormand, que após ficar viúva e enfrentar um colapso econômico em sua cidade, passa a morar em sua Van, traçando uma jornada sem destino e se mantendo em empregos temporários.

A cada novo ponto de parada em sua viagem, a protagonista constrói uma nova história. Ela é a soma de muitas conversas, encontros e ciclos que nunca se fecham. É lindo quando Fern se mantém em silêncio, apenas ouvindo o que os outros têm a dizer. É lindo, ainda, em como “Nomadland” nos permite, ao seu lado, vivenciar tudo isso, nos conectar com tantas jornadas e sentimentos. Chloé Zhao traz poesia e honestidade em cada minuto de seu filme, imensamente tocante e realista.

“Lar é só uma palavra ou algo que carrega dentro de você?”. Cada indivíduo ali relatado traz consigo uma história muito forte, algo que os conecta ao mundo. Em um dos momentos mais emocionantes do longa, uma das figuras reais – Robert Wells – revela que o que mais admira nessa vida nômade é nunca precisar dizer adeus, diferente das grandes perdas que já sofreu na vida. A viagem segue sem destino, mas o que houve de mais significativo retorna, se mantém vivo dentro de cada um. O rumo é solitário, mas a alma é cheia de muito sentimento.

“Nomadland” encontra beleza nesses encontros, nessas histórias. As belas imagens, a encantadora trilha sonora e a fluida e hipnotizante montagem fazem desta viagem ainda mais prazerosa. Frances está incrível aqui, completamente entregue aos tantos sentimentos de sua adorável personagem. Ela é real e nos faz querer abraçá-la a cada instante. David Strathairn também merece destaque. A troca entre os dois atores é grandiosa, um dos pontos altos da trama. Chloé Zhao merece o reconhecimento que está tendo. Ela realiza um filme único e especial, que transita de forma primorosa entre a ficção e o documental. Tudo é história, tudo é sentimento e tudo é real. “Nomadland” é imenso.

NOTA: 9,5

  • País de origem: EUA
    Ano: 2020
    Duração: 108 minutos
    Diretor: Chloé Zhao
    Roteiro: Chloé Zhao
    Elenco: Frances McDormand, David Strathairn