Existem filmes tão poderosos que nos preenchem de uma forma inexplicável. Posso dizer que “As Oito Montanhas”, novo filme de Felix Van Groeningen (Alabama Monroe), em parceria com Charlotte Vandermeersch, é um desses e me atingiu profundamente. Ao narrar a história de uma amizade que atravessou o tempo, ele entrega sua obra mais madura e mais completa. Uma experiência imersiva, tocante e que ecoa em nossa mente muito tempo depois que acaba.

Baseado no livro de Paolo Cognetti, o filme nos leva a vivenciar três décadas na vida de seus personagens. Apesar de ter como cenário paisagens deslumbrantes e com grandiosas montanhas, dignas de um épico, temos aqui uma trama intimista, que fala sobre afeto, memória e solidão. No primeiro ato, conhecemos Pietro, um garoto não muito sociável que se muda, junto com a família, para um vilarejo aos pés de uma região montanhosa. É ali que ele descobre como é poder desbravar a vida em dupla, quando faz amizade com Bruno, que tem sua mesma idade e se torna seu parceiro de pequenas expedições no local. A vida acontece e eles se afastam, no entanto, anos depois, já adultos, o destino deles volta a se cruzar com a herança deixada pelo pai de Pietro e um pedido inusitado.

O roteiro consegue navegar por esses anos de maneira cuidadosa e instigante. É incrível poder acompanhar o amadurecimento dos personagens e essa busca constante por se encontrar. Pietro cresceu afastado de sua família e nunca conseguiu se aproximar de seu silencioso pai. Ali, no topo da montanha, ele descobre que existia uma outra versão daquele homem que ele nunca chegou a conhecer: o sonhador aventureiro. E é com essa versão que passa a se identificar e é ela que passa a ser seu norte. É lindo quando ele caminha pelas trilhas e encontra os diários de seu pai, quando refaz os seus passos e aceita o sonho que herdou daquele estranho. Como forma de preencher o abismo de uma relação que nunca aconteceu, assim como a neve do topo de uma montanha que guarda o inverno de anos atrás. Que guarda a memória de um tempo inacessível.

“As Oito Montanhas” emociona justamente por falar sobre essas lacunas da vida. Sobre as oportunidades perdidas e as experiências que nunca tivemos a chance de ter. Sobre desencontros. Pietro vai caminhando com esse vazio, segurando as lembranças que nunca existiram com seu pai e com seu amigo. De toda a vida que aconteceu quando ele não estava presente. Bruno, por sua vez, seguiu uma vida peculiar em meio a natureza, sendo como a planta forte que não germina bem longe do seu solo original. O isolamento foi sua casa. Eles se encontram nessa confusão e se conectam. É belo a forma como o roteiro trabalha essa relação entre os dois e como um se torna a fortaleza do outro.

Esses sentimentos apresentados na obra são fortes e causam desconforto, ao mesmo tempo em que nos abraçam pela identificação, por nos fazer refletir sobre o curso de nossas próprias vidas e nossas escolhas. Seja por nos lembrar de nossa infância, das amizades, do afeto, das memórias que guardamos de nossos pais, seja por essa dor de achar que nunca encontraremos nosso lugar no mundo. “As Oito Montanhas” é um filme glorioso, que nos preenche e que tem o poder de conversar conosco de diversas formas, mesmo em seu silêncio. A obra mais potente de Felix Van Groeningen, que choca pela beleza das imagens – com belíssimos enquadramentos e iluminação – e encanta por sua trama tão singela e tão bem conduzida. Um filme que permanece em nós e que dificilmente será esquecido.

NOTA: 10

País de origem: Itália, Bélgica, França
Ano: 2022
Titulo original: Le otto montagne
Duração: 148 minutos
Diretor: Felix Van Groeningen, Charlotte Vandermeersch
Roteiro: Felix Van Groeningen, Charlotte Vandermeersch
Elenco: Luca Marinelli, Alessandro Borghi, Filippo Timi

Deixe uma resposta