A experiência única e milagrosa de viver

Venho falar sobre o primeiro filme que assisti em 2022. Por alguma razão, achava que poderia encontrar algo especial aqui e encontrei. Dirigido pelo brasileiro Edson Oda, que venceu o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Sundance, este é apenas seu primeiro longa-metragem. Apesar de ser um projeto, claramente, muito pessoal, ele traz temas universais e que podem conversar com muita gente. Me senti tocado por “Nove Dias”. Mais do que isso, me senti abraçado, acolhido e são poucos os filmes com esse poder.

A vida após a morte é uma questão muito indagada, mas existe um outro tema ainda não muito debatido no cinema: a pré-vida. A obra nos leva para uma realidade mística, ilustrada por uma casa em um imenso deserto. Ali vive o solitário Will (Winston Duke) que observa atentamente as pessoas na Terra. Quando uma vida “vaga”, ele precisa entrevistar algumas almas durante nove dias para decidir qual delas é digna de viver.

Ao decorrer do filme, vamos acompanhando uma série de testes e dinâmicas que nos farão refletir o que nos torna, realmente, aptos a estarmos aqui. Nessa realidade proposta, somos aqueles que venceram e estamos vivos por alguma razão. “Nove Dias” nos faz pensar muito em nossa existência aqui na Terra e sobre o quanto somos peculiares a nossa forma, diferentes de todos os outros que aqui habitam. A nossa chegada nesse solo vem composta de uma singularidade que somente nós podemos alcançar, um espaço apenas nosso, jamais substituível. Seja pelo senso de justiça, curiosidade, insegurança, seja pela simples admiração pela farra. Cada pessoa traz consigo algo único. E viver é uma experiência única.

Essa persona desmotivada de Will, em uma surpreendente atuação de Winston Duke, rodeado de itens antigos em um ambiente escuro, diz muito sobre esse ser que já viveu e cansou. Seu encontro com Emma (Zazie Beetz, fantástica), uma das almas na disputa, cria uma ruptura em sua existência. Sedenta por entender o mundo, ela o faz enxergar o que havia sido perdido. A sequência no deserto, ápice dessa relação, é libertadora. É o grito aprisionado. O recado da obra de que não estamos sozinhos nessa imensidão e de que não devemos subestimar as pequenas ações rotineiras e tudo aquilo que preenche nosso constante vazio.

Com um elenco bastante diverso, “Nove Dias” encanta por essas situações que narra, pela construção desses personagens tão intrigantes e pela sensibilidade de falar sobre a vida. A trilha sonora de Antonio Pinto, o mesmo de Central do Brasil, é a cereja do bolo. Um trabalho fantástico, que traz som para a poesia que é esse filme. Me faltam palavras para descrever instantes como quando o entrevistador precisa forjar a experiência humana para as almas desclassificadas. É lindo e poderoso. Tudo muito pequeno, mas que nos atinge, porque encontra beleza nessa simplicidade, porque fala diretamente com nosso coração e nos relembra o milagre que é estar aqui.

NOTA: 9,5

País de origem: EUA
Ano: 2020
Título original: Nine Days
Duração: 110 minutos
Diretor: Edson Oda
Roteiro: Edson Oda
Elenco: Winston Duke, Zazie Beetz, Benedict Wong, Bill Skarsgård, Tony Hale, Perry Smith

Um comentário em “Crítica | Nove Dias

Deixe uma resposta para AmandaCancelar resposta